Nacional
Artigo de Manuel Carvalho da Silva, no "DN" (27/04/2005)

Mulheres e Homens: cuidar da igualdade

09 de maio, 2005

Uma sociedade democrática com efectiva preocupação de justiça, caracteriza-se pela expressão do princípio da igualdade, incorporadora esta das diferenças dos seus cidadãos e cidadãs. Pode afirmar-se como justa uma sociedade que, reconhecendo embora as naturais distinções entre seres semelhantes, lhes garante igual respeito e dignidade em todos os domínios da vida.

A assumpção do princípio da igualdade é basilar para se poder ter como objectivo o progresso social. Não é possível atingir a harmonização no progresso quando se subverte ou nega o princípio da igualdade. Hoje é absolutamente claro que a ruptura de solidariedades e o cavar das desigualdades, designadamente de género, constituem instrumento do retrocesso social a que o neo-liberalismo global nos quer conduzir.

Como se afirma na Resolução da IV Conferência sobre Igualdade entre Mulheres e Homens, organizada pela CGTP-IN, em 15 de Abril de 2005, a discriminação das mulheres atravessa todos os domínios da sociedade, sendo particularmente visível no mundo do trabalho e nos índices de pobreza.

A actual situação económica e social, marcada pela precariedade no trabalho, por inseguranças múltiplas e pelo desemprego, penaliza fortemente as mulheres. A deslocalização e o encerramento de empresas e a ameaça de novos despedimentos em sectores onde mulheres trabalham em maioria, têm reflexos muito negativos na sua autonomia económica e no seu contributo para a transformação e desenvolvimento da sociedade.

Em muitos sectores de actividade agravam-se o desrespeito e a violação dos direitos de maternidade e paternidade, o não cumprimento dos horários de trabalho, a prática da discriminação directa e indirecta no acesso ao emprego, no recrutamento, na progressão das carreiras profissionais e no acesso aos lugares de direcção e chefia. As mulheres, auferem salários inferiores aos homens, mesmo quando desempenham as mesmas funções profissionais ou estas sejam mais qualificadas. Este é um dos processos de discriminação indirecta, feita por via de regras escondidas, sob a capa de aparente neutralidade.

Não foi, ainda, derrubada a construção social baseada nas diferenças de sexo e geradora de uma hierarquização entre mulheres e homens resultante da atribuição de papéis sociais desiguais. Estamos perante uma expressão de discriminação com um carácter estruturante e permanente, observável em questões do trabalho ou na imagem das mulheres na comunicação social, diferente, por isso, de outras que, incidindo também sobre as mulheres, afectam grupos sociais no seu todo, em razão da origem, raça, orientação sexual, idade, doença, opção sindical ou política.

Um dado novo, evidenciado na Conferência e motivo de grande preocupação, na medida em que consubstancia uma tendência de agravamento da situação, é o facto de que, quanto mais elevado é o nível de escolaridade e de qualificação das mulheres, maior é, também, a desigualdade de remunerações, por comparação com as dos homens.

Segundo os dados dos Quadros de Pessoal de 2002 divulgados pelo Ministério do Trabalho, o ganho médio mensal das mulheres com o grau de licenciatura correspondia, apenas, a 66,7% do dos homens, enquanto a desigualdade de ganhos no Grupo dos Quadros Superiores representava, para as mulheres, 70% do ganho médio mensal dos homens. Esta situação é preocupante, tendo presente que, em cada 100 licenciados que saem anualmente das universidades, 65 são mulheres.

Trata-se do não reconhecimento profissional das mulheres e de subestimação das suas capacidades, reflexo de profunda injustiça social, de atraso estrutural e de empobrecimento da democracia e, também, sério obstáculo ao progresso e ao desenvolvimento do País.

Confirma-se que a não efectivação do princípio da igualdade de género é hoje objectivamente um factor de redução de salários e de condições de trabalho que o capitalismo, nesta sua fase neo-liberal, nos quer impor num processo social de "harmonização no retrocesso".

Há que mobilizar os trabalhadores e a sociedade no combate às desigualdades, sendo imprescindível que o Estado, tal como a Constituição da República Portuguesa consagra, tenha uma posição mais activa na promoção e na concretização de políticas para a igualdade de género e a igualdade de oportunidades, implicando a garantia da efectiva igualdade.

Diário de Notícias, 27/04/2005