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Morreu Maria Lucília Estanco Louro (1922 - 2018)

28 de dezembro, 2018

Uma antifascista que ficou conhecida como professora e ativista política. Cidadã por inteiro, muito prestigiada, a sua energia e grande abertura intelectual impressionavam quem acabava de a conhecer, até ao seu falecimento, aos 96 anos. Atravessou o fascismo estando presente em todos os combates, com o mesmo ânimo, a mesma boa disposição e a serenidade com que a encontrámos sempre em iniciativas do tempo presente.

1. Nasceu em Beja em 27 de Janeiro de 1922, filha de Albertina Emília Freire e de Manuel Francisco Estanco Louro. Pertence a uma geração única que, em tempos sombrios, soube corajosamente conciliar a docência e a intervenção cívica com o combate militante à ditadura do Estado Novo.
Maria Lucília Estanco Louro licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 1944, com a tese "Paul Gauguin visto à luz da Caracterologia - Vida e Obra" (que suscitou polémica por ser a primeira a versar sobre Arte, considerada então uma parente pobre da História).

Fez parte da direcção da «Associação Feminina Portuguesa para a Paz» (AFPP) entre 1940 e 1944. Com Cândida Ventura, colega da Faculdade de Letras de Lisboa, colaborou na mobilização de artistas, escritores, atores e poetas para intervirem nas sessões culturais e pacifistas que a AFPP promovia. (1). 
Participou, no início da década de 1940, nos passeios de barco no “Liberdade" - passeios culturais e políticos realizados no rio Tejo (2). 
Posteriormente, já professora do Liceu, apoiou a campanha de Humberto Delgado (1958) e subscreveu as listas da Oposição Democrática. 
O seu empenhamento profissional (pedagógico-didático) não foi menos intenso e relevante. Em 1948 fez Exame de Estado no Liceu Pedro Nunes com a tese Filosofia - Valores Éticos e Estéticos. Lecionou nos Liceus de Faro, Beja, Évora, Oeiras, Lisboa (D. Leonor, D. João de Castro, Passos Manuel e Pedro Nunes) e na Escola do Magistério Primário de Évora. Foi orientadora de Estágios Pedagógicos nos Liceus de Oeiras, Pedro Nunes e Passos Manuel, entre 1973 e 1976.

Participou nos Colóquios de História e de Filosofia, realizados em 1959 no Liceu Pedro Nunes, que pela ousadia da sua promoção e pelo prestígio dos intervenientes (3) representaram uma luta pela atualização e dignificação dos conteúdos pedagógicos e informativos dos ramos abrangidos. Dentro do mesmo combate ao ensino orientado pelo Estado Novo e veiculado pelos compêndios fascizantes, participou nas reuniões de professores progressistas (1970 a 1974), realizadas na semiclandestinidade na Escola Francisco Arruda (4). Frequentou os Cursos de Aperfeiçoamento Profissional orientados pelo Professor Rui Grácio no Sindicato dos Professores; e cursou, em 1975, o 10.º Curso de Pós-Graduação em História de Arte, instituído pelo Professor José Augusto França na Universidade Nova de Lisboa.

2. Após o 25 de Abril, interveio ativamente, com diversos outros docentes, numa Comissão presidida por Maria Emília Diniz com o intuito de acabar com os velhos programas e atualizá-los com tudo o que tinha ocorrido na investigação e na metodologia. Estes novos programas foram divulgados em cadernos de apoio editados pelo Ministério da Educação, substituindo os antigos compêndios do 6.° e 7.° anos (julgados demasiadamente revolucionários, foram entretanto abolidos).

Realizou inúmeras palestras, participou em colóquios, escreveu artigos e colaborou em publicações. Redigiu várias entradas no Dicionário de História de Portugal, dirigido pelo Professor Joel Serrão, e a convite deste.

Dos muitos escritos dispersos, é de mencionar “O Jovem Piteira” (Fernando Piteira Santos), publicado no Jornal de Letras, em que se lhe referiu "como alguém cuja inteligência, sólida formação cultural (especialmente política) e fulgurante lucidez e poder de comunicação marcaram os jovens da sua geração, seus colegas na Faculdade de Letras de Lisboa nos anos 40". 
A sua competência, profissionalismo, dedicação e intervenção cívica, quer sob condições políticas adversas, quer após a Revolução de Abril, podem ser testemunhados pelos seus antigos alunos, muitos dos quais tornados figuras públicas (5)

3. A partir da década de 70, entrou para o Partido Comunista Português; tornou-se sócia da Associação de Amizade Portugal-Cuba e membro do Conselho Português para a Paz e Cooperação.

Pertencente a uma geração única, que dedicou décadas da sua vida na luta contra a ditadura, Maria Lucília continuou, até poucos dias antes do seu falecimento, a manifestar o mesmo empenho político e cívico. 
O Movimento Cívico Não Apaguem a Memória (NAM) homenageou-a no ano do seu 90º aniversário, por ocasião do «5 de Outubro» de 2012.
Morreu a 27 de Dezembro de 2018.

Fotografia da homenagem que lhe foi feita pelo NAM no Teatro da Academia de Santo Amaro, em 2012.

 

NOTAS:

(1) Na sede da Associação, na Rua D. Pedro V, ao Príncipe Real, organizavam pequenos pacotes com cigarros e géneros que mandavam, em colaboração com o "Socorro Vermelho Internacional", para os prisioneiros nos campos de concentração. Ainda no âmbito das atividades da AFPP, no dia 9 de abril, data da Batalha de La Lys, costumavam, depositar ramos de flores no monumento aos mortos da Grande Guerra.

(2) Esses passeios contavam com (entre muitos outros): Alves Redol, Soeiro Pereira Gomes, Lopes Graça, Sidónio Muralha, Campos Lima e Álvaro Cunhal.

(3) Professores Delfim Santos, Vieira de Almeida, Rui Grácio, Joel Serrão (entre outros).

(4) Foram os Grupos de Estudo (GEPDES) que vieram a estar na origem dos sindicatos de professores nascidos em 1974.

(5) Entre os seus alunos contam-se: Ana Maria Magalhães; António Damásio; António Torrado; Diogo Freitas do Amaral; Guilherme de Oliveira Martins; Joaquim Benite; Joaquim Letria; Joel Hasse Ferreira; Jorge Martins; José Meco; José Viana da Mota Brandão, Maria Beatriz Ruivo; Miriam Halpern Pereira; Maria Ângela de Sousa; Maria José Moura; Mário Vieira de Carvalho; Norberto Barroca; Rui Vieira Nery.

Biografia de Helena Pato, escrita a partir de:

- biografia publicada por João Esteves no blogue “Silêncios e Memórias”
http://antonioanicetomonteiro.blogspot.pt/