Que se pretende?!
Formatar profissionais para medidas que negam a própria inclusão?
Logo que foi aprovado o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro (era Ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues), muitas foram as preocupações que a FENPROF manifestou, com enfoque para a criação das polémicas escolas de referência e de unidades especializadas, mas, igualmente, para a aplicação da CIF ou a distinção, para acesso a apoios especializados, entre alunos com necessidades de caráter permanente e de caráter temporário. Já na altura se previam as dificuldades que, de imediato, começaram a sentir-se em sala de aula, com muitos milhares de alunos com necessidades educativas especiais afastados de qualquer apoio.
A proposta de alteração àquele quadro legal, apresentada em julho de 2017 (o Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, integra um Governo que criou uma Secretaria de Estado para a Inclusão de Pessoas com Deficiência), é tão ou mais preocupante e vai na linha da que apresentou o anterior governo do PSD/CDS (era, então, Nuno Crato o Ministro da Educação).
Em tempo oportuno, a FENPROF emitiu parecer e esteve presente nas apresentações públicas promovidas pelo Ministério da Educação, ficando a aguardar o anúncio de eventuais alterações ao projeto que foi colocado em audição pública.
Acontece que, apesar de não se saber qual o motivo por que, há meses, se desconhece o paradeiro daquele projeto de diploma legal, o Ministério da Educação está a promover ações de formação contínua financiadas, ao que parece, por fundos comunitários, no Porto, em Coimbra e em Évora. Nestas formações, confirma quem nelas participa, está a ser promovido o novo enquadramento legal, isto é, aquele que não foi ainda, sequer, aprovado.
Quando terminou a audição pública, em setembro de 2017, o ME admitiu, publicamente, que tinham sido recebidos muitos pareceres com vista à alteração da proposta, boa parte extremamente críticos em relação a alguns dos seus aspetos. Contudo, neste momento, as formações estão a ser realizadas com base na proposta inicial, que não é lei nem se sabe se virá a ser.
Esta postura demonstra, na opinião da FENPROF, falta de seriedade dos governantes, pois denota falta de transparência e encobrimento das suas verdadeiras intenções. Por esse motivo, o processo surge invertido: primeiro, faz-se a formação e, só depois, se aprova o diploma. Um diploma que, a ser aprovado sem alterações ao projeto conhecido, representará uma alteração significativa, de sentido negativo, da estrutura e das formas de organização do apoio educativo a prestar aos alunos com necessidades educativas especiais.
Com estas formações, o Ministério da Educação dá a entender que é sua pretensão formatar um grupo de futuros formadores que, posteriormente, tentarão convencer os docentes, tanto dos grupos de recrutamento de Educação Especial, como os do regular, da alegada bondade do quadro legal que, ainda, não está aprovado nem publicado.
Recorda-se que a FENPROF, em janeiro de 2017, reuniu com a Secretária de Estado para a Inclusão das Pessoas com Deficiência e, já nessa data, conhecendo o relatório intermédio sobre as alterações ao Decreto-Lei n.º 3/2008, contestou o conceito de Inclusão então apresentado. Naquela reunião ouviu-se afirmar que, provavelmente, “nem todos os alunos podem estar na escola”, o que é inadmissível vindo de governantes, pois a estes compete garantir o preceito constitucional de que todos os cidadãos são iguais em direitos, afastando alguns do convívio e da escolarização com os seus pares. Quem fez tal afirmação referia-se, certamente, a alunos autistas, alunos com Trissomia 21, alunos hiperativos, entre outros, o que parece confirmar que quando os atuais governantes falam de Inclusão referem-se a um conceito distinto daquele que era suposto e exigido, à custa da segregação/exclusão de muitos alunos.
A confirmar-se a aprovação do diploma legal, sem alterações ao projeto posto em discussão pública, para o Governo, inclusão é ter os docentes do regular a trabalhar sozinhos com os alunos com necessidades educativas especiais, recorrendo a processos de diferenciação pedagógica e flexibilização do currículo, praticamente impossíveis nas suas atuais condições de trabalho e num quadro de reconhecido desgaste e envelhecimento.
O Ministério da Educação não explica como é que os docentes conseguirão tão extraordinário desempenho em turmas com 30 alunos, com vários anos de escolaridade (1.º Ciclo) e, em alguns casos, com 4, 5, 6 ou mais alunos com necessidades educativas especiais por turma, com currículos extensos e complexos… ainda mais, impedindo o recrutamento de recursos, impondo que estes se limitem aos já existentes nas escolas.
Que pretenderá o ME/Governo com uma proposta que, tudo indica, na sanha de poupar dinheiro, negará princípios fundamentais da inclusão, desde logo, através da repristinação de normas que permitirão o regresso de alunos a ambientes segregados?
Pretenderá sacudir para cima dos docentes das turmas o previsível fracasso deste novo enquadramento? Criar condições para que, confrontados com as dificuldades, sejam os docentes a rejeitar estes alunos nas turmas, dada a falta de condições para um processo de verdadeira inclusão? Dentro do grupo dos que apresentam necessidades educativas especiais, pretenderá distinguir os alunos ditos “medianos” e que acompanham as matérias gerais dos que, não o conseguindo, serão excluídos das escolas? Pretenderá que todos os recursos humanos da Educação Especial (docentes e não docentes) sejam retirados das escolas e entregues às autarquias ou aos CRI, ao invés de os reforçar, isso sim uma necessidade premente?
Inclusão, como sabem e bem repetem os especialistas, não significa dar o mesmo a todos, mas dar a cada um o que cada um necessita! Não é esse o princípio que parece subjazer à formação que anuncia a publicação do novo regime. Um regime que não hesita em burocratizar a atual vertente pedagógica dos docentes do grupo de recrutamento 910, provavelmente, com a exclusiva intenção de reduzir o número de profissionais que o mesmo integra. Um regime que, desde logo, desrespeita aqueles que deverão merecer a máxima consideração: os alunos com necessidades educativas especiais.
Face a este quadro, a FENPROF entende que o Ministério da Educação deverá ser transparente, esclarecer os objetivos da formação que tem estado a ser promovida (para além de aproveitar o financiamento comunitário que obteve, claro), informar a comunidade educativa e a sociedade em geral sobre quais as alterações que, na sequência do debate público que promoveu, serão introduzidas no projeto que esteve em discussão e, eventualmente, recuar e retomar a discussão, até à consagração de um diploma que sirva verdadeiramente a frequência saudável no sistema educativo de todas crianças e jovens.
O Secretariado Nacional