Em conferência de Imprensa realizada no Porto, no dia 2 de Agosto, a FENPROF fez o balanço do ano lectivo 2005-2006, destacando as políticas e as práticas do Ministério dirigido por Maria de Lurdes Rodrigues.
1. É difícil encontrar outra equipa governativa do Ministério da Educação que tivesse assolado de um modo tão devastador o território educativo. A ministra da Educação e a sua equipa entraram no Ministério da Educação com um propósito deliberado de provocar um terramoto numa das áreas mais sensíveis da governação, suportado por duas falhas insanáveis - ausência de qualquer avaliação fundamentada do sistema educativo, geradora de uma estratégia política visível para toda a comunidade educativa e mobilizadora da classe docente; desenvolvimento de uma campanha inusitada e profundamente iníqua contra os educadores e professores do sistema público. Aqui surge a primeira grande contradição do discurso político dos governantes do ME, porque, se, por um lado, a ministra da Educação se quer apresentar como a mais lídima defensora da escola pública, por outro aproveita todas as oportunidades para lançar as mais terríveis catilinárias contra os responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem naquelas escolas. Este discurso contrapõe-se a um total silêncio sobre o ensino privado e sobre quem nele trabalha, atitude que foi propagando, na opinião pública, a ideia de que a escola pública é má, porque os seus docentes são maus, e a escola privada é boa, porque os seus docentes são bons. Não se nega a verdade da segunda afirmação, o que se repudia é a afrontosa clivagem, aberta pelo ME, entre o sector público e privado que perpassa na sociedade portuguesa.
Este comportamento político ao nível do discurso foi acompanhado, na prática, por um conjunto de decisões, a maioria das quais imposta sem quaisquer negociações, que provocaram um enorme e justificadíssimo mal-estar nas escolas e entre os educadores e professores. A par disso não se encontra uma única medida que verdadeiramente contribua para uma efectiva melhoria da realidade educativa, situação que obrigaria o ME, se respeitasse as normas mínimas da ética política, a proceder, neste final de ano lectivo, a uma rigorosa avaliação da realidade educativa de modo a alcançar a verdade relativamente aos resultados da sua política. Mas, infelizmente, isso não irá acontecer e o ME continuará a sua irreflectida marcha até que um brutal desastre desperte a consciência política dos titulares da pasta da Educação.
O recente anúncio da realização de provas de aferição nos 4º e 6º anos de escolaridade, que passou na imprensa como exames, prova à saciedade a ligeireza dos governantes do ME, porque provas de aferição já existem há vários anos e o que o país desconhece é a leitura que o ME faz dos seus resultados e que medidas tomou, do ponto de vista dos recursos humanos, materiais, pedagógico-didácticos e financeiros, para corrigir as anomalias e assimetrias do sistema educativo. Não querendo a FENPROF fazer juízos de intenções, não pode todavia deixar de assinalar que o modo como as provas foram tornadas públicas pode suscitar a ideia de que, a partir delas, se pode fazer um ranking das escolas do 1º e 2º CEB e simultaneamente avaliar, ainda que indirectamente, o desempenho dos seus docentes, o que subverteria totalmente a substância das provas de aferição. O rigor técnico-científico destas provas exige que o ME tome um conjunto de medidas que impeçam, sem margens para dúvidas, que as provas de aferição resvalem para domínios que nada têm a ver com elas. Simultaneamente ao ME exige-se que adopte os procedimentos necessários para que daquelas provas resultem melhorias substantivas no funcionamento das escolas e nos resultados dos alunos.
A ministra da Educação e o seu secretário de Estado têm, todavia, mostrado que são, infelizmente, relapsos à reflexão sobre matérias tão importantes como a formação inicial e contínua dos docentes, a articulação horizontal e vertical de programas, sua extensão e adequação ao desenvolvimento dos alunos, os modelos de avaliação, a credibilidade das provas de exame, a autonomia das escolas em confronto com o reforço de uma política de centralização, o incremento de uma política de acção social escolar justa e adequada à realidade sócio-económica e cultural do país, áreas, entre outras, desdenhadas pelo ME que se revela muito mais interessado em transformar as escolas em lugares onde a profissionalidade docente, a criatividade e a inovação sejam substituídas por actividades de cariz burocrático-administrativo que têm vindo a transformar os docentes em meros funcionários.
Os sindicatos de professores são frequentemente acusados de travarem as mudanças que a ministra quer levar a cabo para bem da educação. Esse juízo reveste-se de formas profundamente negativas para o papel dos sindicatos, apesar de quem o formula se basear apenas em dois axiomas: 1º, o que a ministra decide é bom; 2º, a contestação dos sindicatos é má. Chegámos ao momento de os pôr à prova. Quando se iniciar o próximo ano lectivo, o Governo caminha para ano e meio no Poder, tempo em que, sustentado por uma maioria absoluta na Assembleia da República, tem posto em prática tudo aquilo que aprovou, designadamente na área da Educação. É o momento azado para um sério, transparente e público exame dos resultados da política e da prática política do Ministério da Educação. A FENPROF considera que, nesse exame, se confrontarão as propostas da Federação, produzidas com base na realidade educativa portuguesa, e as decisões voluntaristas, sustentadas pela confrangedora metafísica de quem se julga possuidor de toda a verdade, uma dramática verdade que desmotivou os educadores e professores e asfixiou a vida pedagógica das escolas.
A FENPROF antecipa o resultado dessa avaliação: o sistema educativo em vez de melhorar, piorou. Os docentes iniciam o próximo ano lectivo em estado de profunda revolta pelo historial da governação do ME e pelas perspectivas de um futuro negro que a proposta de revisão do ECD apresentada pelo ME indicia com meridiana clareza.
2. A ministra da Educação quando mexeu na organização interna das escolas e no seu funcionamento (das aulas de substituição ao prolongamento de horários no 1º CEB) fê-lo de um modo tão canhestro que imediatamente levantou um imenso coro de protestos. Dando continuidade a essa postura, a Ministra publicou o Despacho 13.599/2006, em 28 de Junho, que, em diversos aspectos, se encontra ferido de ilegalidade. Por essa razão, a FENPROF já apresentou providência cautelar pela qual espera poder ver suspensa aplicação daquele despacho.
Quando incautamente deixou prosseguir uma precipitada e imperfeita reforma curricular do ensino secundário em que os novos programas foram introduzidos com um ano de avanço e com diferentes cargas horárias lectivas, ao mesmo tempo que alterava as regras de jogo dos exames a efectuar neste ano lectivo, a meio do ano, em relação aos alunos do 11.º ano, trocando a obrigatoriedade do exame a uma disciplina de formação geral pela obrigatoriedade do exame da segunda bienal da formação específica, a titular do Ministério abriu as portas ao desastre ocorrido nos exames nacionais do 12º ano e, também, do 11º ano.
A ministra da Educação, com uma incompetência confrangedora não só se meteu numa camisa de onze varas como abriu a caixa de Pandora com as consequências já visíveis e com outras que ainda estão para vir. A permissão para os alunos fazerem uma segunda prova numa disciplina, porque as classificações foram baixas, não tem ponta por onde se lhe pegue ou melhor tem uma - o despacho interno de um secretário de Estado que devia levar à sua imediata demissão por falta de perfil de homem de Estado.
Também no que respeita ao concurso de professores, dado pelo ME como exemplar, não o foi de facto. Após a colocação de professores e educadores descobriu-se que tinham "desaparecido" cerca de 1.500 vagas, o que provocou graves distorções na colocação dos docentes, incluindo o ingresso nos quadros. Alertado para a ilegalidade, o ME decidiu não reconhecer o erro. Esta situação tem levado a FENPROF a desencadear diversos processos judiciais de apoio a docentes prejudicados, fez com que se tivesse decidido apresentar queixa no Tribunal Administrativo e, fruto da acção da FENPROF, a Inspecção Geral da Educação promoveu um processo de Provedoria que ainda decorre.
Esta grosseira ilegalidade, de consequências muito graves, torna-se ainda pior pelo facto de o próximo concurso se realizar apenas dentro de 3 anos. A FENPROF não pode aceitar que assim aconteça e considera indispensável a realização de novo concurso já no próximo ano lectivo.
O mesmo se verificou quando o Ministério da Educação mandou encerrar escolas do 1º CEB, apesar da força e diversidade dos protestos, assente num único princípio - o livre arbítrio de quem detém o poder, não curando de saber que um número é um número e que uma realidade social, histórica e cultural é coisa bem diferente, o que levou a encerrar escolas com muito mais do que um ou dois alunos, baseado unicamente num critério quantitativo.
Constitui igualmente um traço marcante da política desta equipa ministerial o adiamento da resolução de problemas profissionais respeitantes a grupos específicos de professores, que têm visto, assim, frustradas as suas legítimas expectativas.
No que respeita à Educação Especial, o corte indiscriminado no número de docentes a leccionar (corte superior a 70%) traduzir-se-á na ausência de respostas adequadas para milhares de alunos com necessidades educativas especiais já a partir de Setembro. Milhares de docentes especializados ficarão colocados no ensino regular e muitos dos que irão trabalhar com alunos com n.e.e. não têm qualquer formação específica e alguns nem sequer experiência. No ano em que foi criado um quadro de Educação Especial, assistiu-se ao regresso dos piores métodos de selecção e recrutamento de docentes: o recurso ao convite!
Avultam, neste contexto, as situações dos docentes de Técnicas Especiais que aguardam que o ME se limite a cumprir uma Resolução da Assembleia da República e dos professores Vinculados com Habilitação Suficiente de Educação Física que, apesar de não terem qualquer responsabilidade nos adiamentos sucessivos do seu processo de completamento de habilitações, correm o risco de lhes ser imposta, no final deste ano lectivo, a sua passagem à carreira técnica, sem que o ME tenha tomado as medidas legais, há muito propostas e reclamadas pela FENPROF, para que se resolva este problema profissional, que se arrasta desde 1979.
3. Este breve relance sobre alguns procedimentos políticos da ministra da Educação e da sua equipa mostram as razões que levam cada vez mais portugueses a denunciarem a arrogância e o autismo de que sofrem aqueles governantes.
A ministra da Educação, nesse aspecto, é um prodígio como o demonstrou no debate na Assembleia da República (ela tinha a razão toda; a oposição parlamentar não tinha razão nenhuma) e na entrevista que, poucos dias depois, deu a um órgão de informação escrita em que declara que não se sente isolada, porque tem o apoio de todo(?) o Partido Socialista e ainda o apoio do Primeiro Ministro, concluindo que isolado está o país. No seguimento da entrevista não dá mostras de preocupação ou angústia por o país estar isolado depois de quase ano e meio de tão "sábia" governação.
Mal os professores e as suas organizações sindicais mostraram desacordo com as decisões políticas da equipa ministerial, o país assistiu ao mais brutal e nefando ataque que algum dia se abateu sobre a classe docente. Não há borracha que apague esse traço negro deixado no Ministério da Educação por quem o tem governado nos últimos tempos. Os docentes portugueses podem esquecer esta ou aquela medida política tomada neste período, mas não esquecem nem perdoam a quem os ofendeu humana, profissional e socialmente.
4. Este Ministério da Educação está a tornar-se um pesadelo. Talvez por isso calaram-se muitas das vozes que elogiavam a ministra e recrudescem as críticas à sua política e às suas práticas. Não foi por acaso que, num programa de televisão, um professor catedrático afirmou que a substância que define o perfil político da ministra da Educação é a incompetência e sê-lo-á sempre até que ela prove o contrário. Hipótese generosa, porque admitida por quem sabe que isso é impossível.
Dentro em breve, estamos certos, as vozes individuais que vêm zurzindo a ministra e o seu secretário de Estado transformar-se-ão num grande coro que exigirá ao Ministério da Educação:
- Deixem os professores conjugar o verbo ensinar.
- Deixem os alunos porem em prática o verbo aprender.
Isso significará que teremos chegado ao momento de ver reprovada uma equipa que menospreza os docentes por outra que, solidária com a classe docente, poderá, com esse procedimento, abrir mais facilmente, de forma exigente e rigorosa, aberta e democrática, as vias para uma escola pública da mais alta qualidade que é o contrário da escola que esta equipa ministerial vem instalando - uma escola sem alma, porque a ministra e o seu secretário de Estado apenas pensam em desapossar os docentes da sua profissionalidade e transformá-los em meros funcionários.
5.O ME tentou impor, por via ilegal, restrições ao exercício da actividade sindical, impedindo, por despacho, a participação dos professores em reuniões fora do seu local habitual de trabalho. O Tribunal deferiu a providência da FENPROF e, cautelarmente, suspendeu o despacho que impunha as restrições. Neste momento, o ME ataca o exercício do cargo de dirigente sindical. Nesse sentido, procura limitar esse exercício a um grupo restrito de docentes a quem concede dispensa de serviço, impedindo os restantes membros da direcção sindical de usufruírem de direitos (créditos horários e faltas justificadas) que são reconhecidos aos outros trabalhadores. A FENPROF bater-se-á contra essa restrição, denunciando-a e solicitando a intervenção de instâncias nacionais e internacionais que zelam pelo exercício dos direitos dos trabalhadores.
6. Enquanto isso não acontece, os educadores e professores guardam na memória a história deste passado recente e aprestam-se para iniciar e prosseguir, com afinco e coragem, em ampla unidade, um dos mais importantes movimentos dos últimos decénios - o da luta por um estatuto de carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário digno e valorizador da profissão. É uma luta que se antevê prolongada e difícil, mas na qual ninguém pode desmoralizar.
Os propósitos do Ministério da Educação, em obediência à política do Governo para a Administração Pública, são profundamente preocupantes e injustos, porque no seguimento de uma política terrivelmente nefasta para os docentes contratados, cuja estratégia se pauta pelos despedimentos (isto num país que, segundo a ministra, se encontra isolado em consequência das baixas qualificações da população activa, a que se deve acrescentar o flagelo do analfabetismo), se pretende agora, através de um processo que, a seguir o histórico recente, será muito mais de imposição do que de negociação, esfacelar o ECD e transformá-lo, por razões economicistas, num regime mais penal do que legal em que as vítimas são os educadores e professores, qualquer que seja a sua situação na carreira.
Esta é uma luta de salvação profissional. Não podemos deixar degradar o nosso estatuto e isso acontecerá inexoravelmente se não ganharmos a luta que temos pela nossa frente e ela ganha-se se a correlação de forças pender para o lado dos docentes. Mas isso só acontecerá se a unidade, a coesão e a combatividade forem apanágio do dia a dia de todos os educadores e professores.
2 de Agosto
O Secretariado Nacional da FENPROF
Balanço da actuação do MCTES
no ano lectivo de 2005/2006
Quanto aos principais problemas profissionais que afectam os docentes do ensino superior - a precariedade de emprego e o bloqueamento das carreiras -, o MCTES manteve um bloqueio negocial relativamente às propostas que lhe foram apresentadas pela FENPROF, tendo apenas agora, já no final de Julho, dado alguma resposta através do anúncio de um programa para a qualificação do pessoal docente, destinado a aproveitar e qualificar os recursos existentes no ensino superior.
Esta proposta foi pela FENPROF considerada positiva, havendo ainda que aguardar pela sua concretização, mas insuficiente para resolver a questão de fundo que é a da existência de um grande número de docentes contratados a prazo, sujeitos a despedimento e ainda sem direito a subsídio de desemprego.
O Ministro revelou-se, entretanto, incapaz de cumprir a promessa feita publicamente, no final do ano passado, de que o Governo aprovaria legislação concretizando o direito ao subsídio de desemprego para os docentes do ensino superior público e para os investigadores.
Assim, continuaram a agravar-se durante este ano lectivo a precariedade e o desemprego sem protecção social, bem como se tornaram mais patentes a exiguidade da dotação dos quadros de pessoal docente, que se encontram preenchidos em muitas instituições, e a escassez de abertura de concursos nos casos em que ainda há vagas por preencher. A crescente insuficiência das dotações do OE (que por vezes nem chegam para pagar ao pessoal), que tem atingido mais gravemente umas instituições do que outras, é a principal responsável pela evolução negativa da situação.
Também em matéria de concursos o Ministro não concretizou a intenção anunciada de adoptar medidas no sentido de que as vagas existentes nos quadros fossem postas a concurso.
Quanto à actuação do MCTES relativa à política para o ensino superior, a FENPROF reconhece o esforço positivo realizado no sentido da consideração, para o financiamento das instituições, dos alunos maiores de 23 anos e os dos inscritos em cursos pós-secundários, mas considera que, no que se refere à aplicação do Processo de Bolonha, esta tem sido realizada aos arranques, de forma algo atabalhoada e com muitos atrasos nas decisões, sem que tenha sido criado o necessário espaço de participação dos principais actores, em especial dos docentes. Esta situação tem causado grande intranquilidade em muitas instituições, em especial naquelas cujo financiamento se encontra mais dependente da aprovação de cursos, e está a prejudicar a concretização de tarefas menos formais associadas àquele processo, como seja as relativas à implantação generalizada das novas metodologias pedagógicas centradas nos objectivos da aprendizagem dos alunos e no alcançar do seu sucesso educativo.
Quanto à Ciência, tarda a concretização das promessas relativas ao aumento do financiamento (têm-se mantido enormes atrasos nos pagamentos às unidades e aos centros de investigação) e ao aumento significativo do emprego científico.
Em suma, a FENPROF considera que o seu relacionamento
2 de Agosto de 2006
O Secretariado Nacional da FENPROF