Nacional
Opinião/ A. Reis Monteiro*

Júris académicos e Estado de Direito

11 de dezembro, 2003

O Direito, que por um lado é prosa na região das coisas meramente materiais, transforma-se em poesia na esfera pessoal, na luta para defender a personalidade: a luta pelo Direito é a poesia do carácter.

Rudolf Von Jhering, 1872

Introdução

Está em curso a revisão dos estatutos das carreiras docentes do ensino superior. Nos "Princípios orientadores" propostos pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior, há orientações a considerar positivamente, como:

- «A internacionalização do ensino superior» pela «participação de docentes e investigadores estrangeiros em júris nacionais», «participação em projectos internacionais», «cooperação com países de expressão portuguesa».

- Assegurar «maior rigor e transparência nos concursos da carreira docente», regulamentar «cada uma das provas da carreira académica, evitando repetições», designadamente a «prova de agregação», e «reforço do princípio de que a avaliação da carreira docente deve ser de carácter pedagógico e científico e não exclusivamente científico».

- «Precisar adequadamente os deveres dos docentes».

- «A especificidade das carreiras docentes do ensino superior exige uma cuidadosa articulação entre o elevado grau de exigência a elas inerente e a estabilidade do corpo docente.»

- «Todas as alterações a introduzir nos estatutos das carreiras docentes terão em atenção os direitos adquiridos pelos actuais membros do corpo docente.»

Mas há uma consideração preambular susceptível de causar alguma apreensão: «Naturalmente, as alterações a introduzir deverão ter em conta a conjuntura económica difícil que o País atravessa.» Pode introduzir uma distorção economicista comprometedora do objectivo principal enunciado: «O primeiro parâmetro que define a qualidade do ensino leccionado por uma instituição é, sem dúvida, a qualificação do seu corpo docente.»

O objecto deste texto limita-se a aspectos formais e substanciais dos concursos académicos.

Princípios legais

Há júris académicos, em Portugal, que funcionam amplamente à margem da lei e da justiça.

No passado, a jurisprudência e a doutrina administrativas não consideravam o acto de avaliação como um acto administrativo, susceptível de controlo jurisdicional, mas sim como um acto exercido no âmbito de uma relação especial de poder, soberano, de natureza essencialmente subjectiva, tendencialmente irrepetível e, portanto, irrecorrível. Tanto mais que o juiz carece da necessária preparação científico-técnica.

Esta exclusão era incompatível com os princípios de um Estado de Direito, e o Direito Administrativo evoluiu: a relação de avaliação passou a ser tratada como uma relação jurídica com direitos e deveres reconhecidos a ambas as partes, nomeadamente o direito de recurso contencioso dos actos administrativos de avaliação, com incidência cada vez mais ampla: desde o controlo dos pressupostos formais e materiais de validade do procedimento avaliatório até ao controlo da margem de ponderação valorativa. Um exemplo desta evolução encontra-se no Prüfungsrecht (Direito dos Exames), na Alemanha, onde, até meados do século XX, prevaleceu a doutrina da "soberania do júri" e da irrecorribilidade dos seus actos[i]. Por exemplo, em 1987, aplicando o princípio da proporcionalidade, na sua vertente de adequação, o Tribunal Administrativo Federal (Bundesverwaltungsgericht) anulou a nota atribuída a um estudante de Direito que foi interrogado, na prova oral, apenas sobre as características geográficas, demográficas e culturais do Mali. Em 1991, num caso de selecção de candidatos por Universidades e Institutos de ensino superior, o mesmo Tribunal não se eximiu de entrar no 'santuário' da referida margem de ponderação valorativa (Bewertungsspielraum), para controlar a plausibilidade ou objectividade da decisão de selecção (Plausibilitätskontrolle), à luz do princípio de proporcionalidade. Ou seja, a jurisprudência administrativa alemã assume a competência de controlo da eventual arbitrariedade de uma decisão de avaliação, por sub-avaliação de elementos do seu objecto ou por erro manifesto de apreciação.

A jurisprudência administrativa portuguesa evolui no mesmo sentido, como ressalta desta passagem de um Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 1991, relativo a um concurso de admissão de um investigador-coordenador do Instituto de Investigação Científica e Tropical:

... as deliberações dos júris de exames, de concurso ou de avaliação de conhecimentos pedagógicos ou científicos, situam-se na chamada zona de liberdade administrativa de decisão e não são passíveis, por isso, de controlo contencioso, salvo em caso de erro grosseiro de apreciação, inobservância de algum aspecto legalmente vinculativo, erro nos pressupostos ou desvio de poder.

Esta evolução conforma-se com os princípios de Direito Constitucional e Administrativo vigentes.

A Constituição da República Portuguesa, na sua Parte I (Direitos e deveres fundamentais), Título I (Princípios gerais), Artigo 20.1, assegura a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos». Na Parte III (Organização do poder político), Título IX (Administração Pública), Artigo 268.4, garante «aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimentos desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, [...].». O Artigo 266.2 determina: «Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.»

O Código do Procedimento Administrativo (1996), no seu Artigo 2 (Âmbito de aplicação), inclui nos «órgãos da Administração Pública», designadamente, «os órgãos dos institutos públicos e das associações públicas», abrangendo, pois, as Universidades como estabelecimentos públicos. No Capítulo II (Princípios gerais), enuncia os princípios aplicáveis a todos os procedimentos: princípios «da legalidade» (Artigo 3), «da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos» (Artigo 4), «da igualdade e da proporcionalidade» (Artigo 5), «da justiça e da imparcialidade» (Artigo 6), «da boa fé» (Artigo 6-A), «da colaboração da Administração com os particulares» (Artigo 7), «da participação» (Artigo 8), «da decisão» (Artigo 9), «da desburocratização e da eficiência» (Artigo 10), «da gratuitidade» (Artigo 11) e «do acesso à justiça» (Artigo 12). Nos termos do Artigo 120 (Conceito de acto administrativo): «Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.» O Artigo 124 prescreve um "Dever de fundamentação", e o Artigo 125 (Requisitos da fundamentação) considera «falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto».

O Decreto-Lei nº 204/98, de 11 de Julho, sobre o "Recrutamento e Selecção de Pessoal na Administração Pública", considerando que o regime geral em vigor desde 1988 já não estava «totalmente adequado à realidade actual da Administração Pública», e procurando acautelar «o cumprimento dos princípios e institutos previstos no Código do Procedimento Administrativo» (preâmbulo), determina, no seu Artigo 3.2: «Os regimes de recrutamento e selecção de pessoal dos corpos especiais e das carreiras de regime especial podem obedecer a processo de concurso próprio, com respeito pelos princípios e garantias consagrados no Artigo 5.ª.» Essas garantias são as seguintes:

a) A neutralidade da composição do júri;

b) A divulgação atempada dos métodos de selecção a utilizar, do programa das provas de conhecimentos e do sistema de classificação final;

c) A aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação;

d) O direito de recurso.

O Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) ainda contém um sucinto Artigo intitulado "Irrecorribilidade" (Artigo 62). O legislador parece «querer voltar atrás na obrigatoriedade da fundamentação», consignada no Artigo 52.1, continuando o Estatuto «a revelar pouca amplitude na protecção aos candidatos»[ii]. Mas esta disposição deve ser interpretada à luz do citado Artigo 268.4 da Constituição.

Surpreendentemente, um Parecer da Assessoria Jurídica da Reitoria de uma Universidade portuguesa considerou recentemente que estas garantias não são «directamente aplicáveis» aos concursos académicos, não estando o júri obrigado, nomeadamente, a adoptar «uma grelha com métodos e critérios de apreciação», porque «seja qual for o sistema usado é sempre teoricamente possível assacar-lhe insuficiências ou fragilidades». Admite apenas a necessidade de «observar o dever de fundamentação das deliberações tomadas em termos claros e objectivos».

Assim respaldados, os júris académicos funcionam amplamente à margem da legalidade.

Funcionamento de júris académicos

Dois aspectos são particularmente críticos no funcionamento dos júris universitários:

- A não publicitação dos seus critérios e a ausência de fundamentação (nos termos do Artigo 52.1 do ECDU) comprometem o direito de recurso.

- E a violação do princípio da proporcionalidade, na sua vertente de adequação dos critérios à diversidade dos elementos curriculares, distorce a justiça da apreciação, tanto absoluta como relativa.

No que respeita a este último, em particular, para «averiguar o mérito da obra científica dos candidatos, a sua capacidade de investigação e o valor da actividade pedagógica já desenvolvida» (Artigo 38 do ECDU), os júris privilegiam três critérios de apreciação do curriculum vitae (CV).

1. O mérito científico é avaliado principalmente pelos artigos publicados em revistas conceituadas.

Os artigos publicados são, de facto, em princípio, reveladores do nível teórico de um candidato, mas não podem ser meramente contabilizados, nem excluir outras provas de mérito. É conhecido o 'milagre' da multiplicação dos artigos, sem valor-acrescentado. Como se lê num estudo sobre a fraude científica, publicado há mais de duas décadas nos EUA:

Há, por exemplo, a PPQP (ou Mais Pequena Quantidade Publicável), um eufemismo adoptado em certos meios científicos para designar a arte de tirar o máximo de artigos distintos a partir de um só trabalho de investigação. [...]

Um outro exemplo para recuperar muito a partir de pouco, neste jogo das publicações, é fornecido pelo crescimento do número dos co-autores. [...] Não é raro ver um artigo com uma dezena de autores, senão mais.»

Os autores do estudo questionam também a fiabilidade do sistema dos referees. Dão como exemplo um teste de coerência feito com dez artigos de Psicologia que, com os títulos e autores alterados, foram novamente submetidos à apreciação das revistas que os haviam publicado dois anos antes. Apenas três se aperceberam do embuste. Dos sete restantes, só quatro foram recomendados para publicação. Informam, ainda, que há revistas pouco lidas que publicam somente artigos acompanhados de um cheque num valor correspondente a uma tabela fixada por página. E concluem: «No sistema actual, recompensa-se os investigadores por ter extraído um máximo de artigos distintos a partir de um só trabalho de investigação, de modo a engrossar a lista das suas publicações.» Assim, o artigo científico «transformou-se em instrumento para carreiristas»[iii].

Vem também a propósito citar um romance sobre a vida universitária, escrito por um professor catedrático:

Todo o bicho careta que precisa de fazer currículo, quer ir a um simpósio em Marrocos ou pretende simplesmente mostrar que ainda está vivo, agarra em resultados fáceis de obter ou então em qualquer assunto que já foi mais que estudado, trata de lhe dar a voltinha e zás: aí está mais um paper [...]. E há os chefes de serviço, é claro, que se servem do trabalho de estagiários e doutorandos e lhes publicam os dados mas esquecendo o nome.

[...]

Oh, ele sabia, tão bem como qualquer colega, das razões para a furiosa subida dessa "febre do nome" em artigos: com o aumento da competição pelo lugar, tornara-se mais fácil aos júris (havendo habitualmente mais candidatos que vagas), avaliarem o mérito tomando como parâmetro de impacte o número de publicações em revistas; solução aritmética, que simplificava o trabalho e dissuadia os recursos. Qualidades pedagógicas, dedicação à Escola, aos alunos, eram matéria subjectiva ? que, por ser melindrosa, se mencionava nos pareceres mas não raro se desdenhava no saldo. Ele, cronicamente, insurgia-se: "... E avalia-se um professor desta forma?"[iv]

É certo que é mais cómodo contabilizar artigos avalizados pelas revistas que os publicam, mas um júri académico não pode demitir-se da sua obrigação de julgar ele próprio a qualidade tanto dos artigos publicados em revistas conceituadas como de outros artigos publicados e de textos não publicados (conferências, por exemplo). Um único texto pode ter mais mérito científico e repercussão, na respectiva área, do que muitos outros juntos. E os livros editados? Não são, em princípio, trabalhos com mais conteúdo e densidade, e até mais leitores e influência, do que um artigo? Se um júri avalia um CV pelo seu valor facial, sem se dar ao trabalho de folhear a documentação correspondente, então esta é uma exigência supérflua.

2. A capacidade de investigação é avaliada principalmente pela direcção ou participação em projectos colectivos.

É um ponto de vista claramente unilateral e insustentável à luz da história da ciência, cujo progresso tem sido obra de muitos génios solitários e, muitos deles, maltratados. E não autorizado pelo ECDU, cujo Artigo 4 (Funções dos docentes universitários) se refere a investigação científica desenvolvida «individualmente ou em grupo». De resto, projectos colectivos com o objectivo, por exemplo, de provar, pela enésima vez, a correlação entre a origem social das crianças e adolescentes e os seus resultados escolares, ou a delinquência juvenil, terão mais valor do que um projecto individual inovador? A 'cegueira' de um júri, neste caso, pode ir ao ponto de cometer o "erro grosseiro" de não ver num CV um projecto de investigação com muitos anos de trabalho e algum reconhecimento internacional e outros elementos objectivamente relevantes. E também há membros de júris que ostentam uma docta ignorantia na matéria que estão a apreciar, penalizadora para o candidato.

3. A actividade pedagógica é avaliada principalmente pelo trabalho de orientação de teses de mestrado e de doutoramento.

A mais pedagógica das actividades de um professor, também na Universidade, não é, pois, o seu trabalho docente, com os estudantes, que são os credores principais da sua responsabilidade profissional. Como diz o professor Santiago, no citado romance sobre a vida universitária:

"O Estudante é a personagem secundária do enredo académico. O Estudante existe para permitir que o professor leccione in vivo e sem que a instituição escolar tenha de contratar figurantes. Embora a sua existência fosse, pois, dispensável, ela é útil na medida em que permite ao professor o exercício do poder, o qual é por ele praticado sobretudo nas épocas de exames e, essencialmente, através das reprovações; donde, o estudante que reprova ter, na vida académica, participação muito mais relevante do que o estudante que estuda. Quando consegue acabar o curso, o Estudante cessa funções, sendo pelo Ministério substituído automaticamente para que o professor lhe não dê pela falta." (p. 142)

A orientação de teses de mestrado e doutoramento faz obviamente parte da função docente universitária, mas dela se pode dizer o que foi dito sobre artigos publicados: se não for curricularmente relativizada, torna-se um instrumento de carreirismo académico, com inevitáveis efeitos perversos. Sabe-se que há desvios de mestrandos e doutorandos e que há teses cuja aprovação só é possível com júris bem escolhidos...

Por conseguinte, o mérito científico e pedagógico é irredutível à quantidade de artigos publicados, de projectos de investigação participados e de teses orientadas, critérios que os júris, na prática, tendem a absolutizar.

Diversidade curricular

Um CV dificilmente pode ser excelente em todos os aspectos, dadas as diferenças de interesses e investimentos pessoais. Um investimento maior num plano implica diminuição da disponibilidade para investir noutros planos. Todos os elementos curriculares devem ser considerados na sua diversidade e valor relativo.

A orientação de teses, por exemplo, depende principalmente dos orientandos, que podem procurar menos este ou aquele professor por legítimos cálculos de interesse. O falecido Professor Orlando de Carvalho, Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, disse numa das suas últimas entrevistas que nunca tinha orientado um doutoramento em Direito. Outro elemento curricular pertinente, mas que também não depende principalmente do próprio, é o exercício de cargos institucionais sujeitos a eleição. Além de que há quem tenha e quem não tenha apetência para exercê-los.

Outros elementos com valor próprio são, por exemplo: variedade da experiência profissional; intervenção pública e cívica, através de artigos, colóquios, conferências e outras actividades, que podem ser reveladores de um reconhecimento público; convites para colaborar em actividades de outras instituições, designadamente universitárias; convites para leccionar e intervir no estrangeiro, no âmbito académico ou não, que, além do reconhecimento que significam, podem revestir-se do valor da cooperação e da solidariedade; outros títulos ou diplomas académicos adquiridos no estrangeiro constituem também mais-valias curriculares.

A avaliação do mérito científico e pedagógico de um professor do ensino superior através de critérios redutores e autogâmicos fomenta CV de aviário. Se um CV é avaliado a metro, pela contabilidade do número de artigos publicados, projectos participados e teses orientadas, então os júris de concursos documentais são dispensáveis: podem ser vantajosamente substituídos, em cada Reitoria, por um funcionário, supervisionado por um Vice-Reitor...

E que dizer da ainda vigente «classificação do candidato feita por votação em escrutínio secreto»? No mínimo, que fica comprometido o direito de recurso. Mas pode dizer-se mais: É na penumbra do escrutínio secreto que uma espécie de homo academicus revela todo o esplendor da sua miséria deontológica... Sobre comportamentos desta espécie, o saudoso Pierre Bourdieu lançou uma luz que pode incomodar a visão de alguns mandarins académicos. Eis alguns traços do seu perfil[v]:

- São «funcionários da ciência normal» (p. 46).

- Se pertencem às "ciências humanas", são «espécies de fariseus da ciência que sabem adornar-se com os sinais mais visíveis da cientificidade, imitando, por exemplo, os procedimentos e as linguagens de ciências mais avançadas», para «produzir o efeito de ciência e atingir, assim, a eficácia simbólica e os proveitos sociais associados à conformidade às formas exteriores da ciência» (p. 47, 44).

- São «intermediários com pressa de tirar os lucros imediatos do seu contrabando cultural» (p. 159), vivendo acima dos seus próprios meios e gozando, eventualmente, de «uma respeitabilidade científica sem correspondência com os seus contributos reais para a ciência» (p. 47).

- Porque «devem tudo ao sistema», são «os defensores mais intratáveis do sistema e das suas hierarquias [...] os mais inclinados e os mais aptos a reproduzi-lo sem alteração» (p. 96, 112).

- Praticam «estratégias de cooptação» (p. 80) e tratam de acumular «o capital de serviços prestados que é indispensável à instauração das cumplicidades, das alianças e das clientelas» (p.131).

- A sua «academica mediocritas» tem «horror da liberdade e do risco intelectual» (p. 127).

Uma vítima recente desta espécie de 'seguranças' da loja académica terá sido um conhecido arquéologo do Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Como foi noticiado (Expresso, 29/03/03, p. 20), João Zilhão foi preterido num concurso de Professor Associado e nem sequer foi admitido a Provas de Agregação, apesar da sua pública acção pela preservação das gravuras de Foz Côa, de ter sido o primeiro director do Instituto Português de Arqueologia e dos convites para leccionar em Universidades estrangeiras.

Há decisões de júris académicos que trazem à lembrança o júri do prémio instituído pelo Secretariado Nacional da Propaganda, em 1934, que preteriu a Mensagem de Fernando Pessoa em favor da Romaria de um obscuro clérigo franciscano, por não ter o número de páginas regulamentar... Há júris que roubam a inocência académica a um desprevenido candidato...

Algumas conclusões

O princípio da avaliação dos professores do ensino superior deve ser a sua natureza de serviço público, com os três vectores gerais enunciados no Artigo 4 do ECDU:

a)Prestar o serviço docente que lhes for atribuído;

b)Desenvolver, individualmente ou em grupo, a investigação científica;

c)Contribuir para a gestão democrática da escola e participar nas tarefas de extensão universitária.

Na verdade, um professor do ensino superior é principalmente isso mesmo: professor. Porque exerce a função a este nível, é um professor que tem de ser também investigador e autor, não mero porta-voz dos autores que lê. E porque as obrigações do serviço público que exerce não se esgotam dentro da sua instituição, deve tomar iniciativas voltadas para fora e procurar corresponder às solicitações e estímulos que receber de outras instituições e sectores sociais, sem esquecer as oportunidades de cooperação internacional com instituições académicas e outras organizações, nomeadamente com países mais carecidos da cooperação a que têm um direito reconhecido pelo Direito Internacional.

Por consequência, deveria ser adoptado um instrumento consensual de avaliação do mérito científico e pedagógico, de âmbito inter-institucional, elaborado por um grupo de verdadeiros sábios, com critérios hierarquizados e adequados à especificidade de cada área, abrangendo a diversidade curricular. Caberia aos júris ponderar quantitativamente e qualitativamente os elementos curriculares de cada candidato, na sua substância e relatividade, através de uma metodologia em que o valor final resultasse da conjugação dos juízos de cada um dos seus membros.

O princípio de progressão na carreira deveria ser apenas o mérito absoluto, avaliado por júris formados por pessoas competentes e íntegras, devendo as suas decisões ser justificadas num Relatório de que deveria ser dado conhecimento ao candidato, para sua utilidade e eventual exercício do direito de recurso.

Em princípio, o mérito do candidato deveria ser avaliado através de provas públicas, concebidas de modo a incluir efectivamente a sua dimensão pedagógica, evitar artifícios e garantir transparência e equidade.

E poderia criar-se, em cada instituição do ensino superior, um Ombudsman ou Provedor dos direitos dos professores e dos estudantes, com uma missão principalmente mediadora.

NOTAS:


[i]  Cf. Gomes, Carla Amado (2002). Três estudos de Direito da Educação. Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito.

[ii]  Lemos, Sampaio de (1998). Estatuto da carreira Docente Universitária ? Anotado e Comentado. Lisboa: Vislis Editores, p. 124.

[iii]  Broad, William & Wade, Nicholas (1982). La souris truquée ? Enquête sur la fraude scientifique ('Betrayers of the Truth', traduit par Christian Jeanmougin). Paris: Éditions du Seuil (1987), p. 58-59, 250, 60.

[iv] Campos, Luís (1994). O Jardim das Plantas. Lisboa: Livraria Barata, p. 230, 231.

[v] Fonte das citações que se seguem: Bourdieu, Pierre (1984). Homo academicus. Paris: Les Éditions de Minuit.

 

*Universidade de Lisboa