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"JF" entrevistou o Secretário Geral da FENPROF a propósito do Acórdão do Tribunal Constitucional sobre o "simplex" avaliativo

03 de agosto, 2009

Para Mário Nogueira, destaca-se o facto de o próprio Primeiro-Ministro ter reconhecido "discrepâncias" e "diferenças" legais e de a sua preocupação, pela argumentação produzida, ter sido a de garantir que o TC não se pronunciasse sobre a matéria. Lido o Acórdão, reforça-se a ideia de estarmos perante um quadro de ilegalidade que a FENPROF, com os professores, continuará a combater de todas as formas... Curioso é que, depois de ter garantido ao TC que esta legislação era transitória e apenas produziria efeitos neste ciclo de avaliação, o Governo tenha decidido prolongar a ilegalidade, ou melhor, manter em vigor as "discrepâncias" e "diferenças".

Jornal da FENPROF (JF): O Tribunal Constitucional veio afirmar não ser competente para conhecer o pedido apresentado por deputados dos diversos partidos no sentido de fiscalizar a constitucionalidade do "simplex" avaliativo (Decreto-Regulamentar 1-A/2008, de 5 de Janeiro). Que achas disso? (JF): O Tribunal Constitucional veio afirmar não ser competente para conhecer o pedido apresentado por deputados dos diversos partidos no sentido de fiscalizar a constitucionalidade do "simplex" avaliativo (Decreto-Regulamentar 1-A/2008, de 5 de Janeiro). Que achas disso?

Mário Nogueira (MN): Acho muito estranho. Na verdade, segundo os vários juristas que temos consultado e os próprios gabinetes de apoio dos grupos parlamentares (e recordo que, com excepção do PS, por razões obviamente políticas, há deputados de todos os partidos as subscrever o pedido) existe violação de preceitos constitucionais. Mas, independentemente de estarmos, ou não, perante uma inconstitucionalidade, ninguém conseguiu afirmar que esta regulamentação é legal, nem o Primeiro-Ministro.

JF: Mas não é essa a opinião do Secretário de Estado da Educação que veio, a público, afirmar que, com esta decisão, o TC reconhecia estar tudo legal neste decreto regulamentar...

MN: Pois, mas essa é a opinião do governante que integra a equipa que elaborou e impôs este regulamento. Se dissesse outra coisa teria, ao mesmo tempo, de anular todos os actos praticados ao abrigo daquele decreto regulamentar. Repare-se que é o próprio Primeiro-Ministro que, nas suas alegações perante o TC, afirma que "não se discute que existem, efectivamente, discrepâncias", sendo essa a designação que dá às ilegalidades. Aliás, toda a argumentação do PM se orienta no sentido de provar que o TC não tem competência para analisar o pedido. Acaba por ser também essa a argumentação final do próprio TC, que procura não se pronunciar sobre a matéria, refugiando-se na inadequação daquele órgão para pronunciamento sobre ilegalidades. "A eventual contradição entre um regulamento e uma lei é um problema de mera ilegalidade (ilegalidade simples) e não de inconstitucionalidade. Não cabe, pois, no âmbito da sua competência." Portanto, afirmar que o Acórdão do TC vem dar razão ao Ministério da Educação, só por brincadeira, parecendo ser esse o exercício que fez o secretário de estado.

JF: Consideras, então, que o próprio Primeiro-Ministro reconhece a eventual existência de ilegalidades?

MN: Pelo menos, é o que retiramos das alegações que apresenta e constam do acórdão. Começa logo por afirmar que "O Tribunal Constitucional não é competente para conhecer o pedido apresentado". A partir daí argumenta sempre nesse sentido. Acaba por reconhecer, como antes disse, que existem discrepâncias (evita, assim, chamar-lhes ilegalidades, que é o que são)... nem se discute que existem, afirma a certa altura! Procurando desvalorizar as discrepâncias, que, mais abaixo, designa por "diferenças", o PM alega que se trata de um regime transitório cujos efeitos terminam no final de 2009, chamando a atenção para o facto de ser isso que refere o artigo 14.º daquele diploma...

JF: Mas já não vai terminar...

MN: Pois, essa é outra das curiosidades, uma das peças-chave da argumentação do Primeiro-Ministro - o carácter transitório do regulamento - é agora contrariada, a partir do momento em que o Governo decidiu manter em vigor este decreto regulamentar. Não quero com isto dizer que o PM mentiu ao TC, mas que o Governo contrariou um dos argumentos-base, e forte, apresentados junto do TC, disso ninguém duvida. Ou seja, o Governo decidiu manter em vigor um decreto regulamentar que, como reconhece, contém discrepâncias e diferenças em relação ao quadro legal superior que se deveria limitar a regulamentar. Para sermos claros, o Governo decidiu manter em vigor um diploma ilegal e isso é reprovável e contrário às mais elementares normas de um Estado de Direito Democrático. Com esta atitude, confirma-se que, de facto, com este Governo e esta maioria absoluta do PS vale tudo!

JF: Pelo que afirmas, parece haver alguma coincidência entre a argumentação do PM e a decisão final do TC...

MN: Pois parece, mas, decerto, estamos perante mera coincidência... Por exemplo, o PM começa por afirmar que "O Tribunal Constitucional não é competente para conhecer do pedido apresentado"; o Acórdão termina a dizer que "...O Tribunal não tem, portanto, à luz da Constituição, competência para conhecer do pedido apresentado" e conclui que "Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional não toma conhecimento do pedido".
Aliás, o PM, pela forma como argumenta, o que parece mesmo é temer que o TC se pronuncie. Ainda voltando ao Acórdão e ao capítulo sobre o que alegou o PM, pode ler-se: "Termina, pois, o Primeiro-Ministro requerendo que: o pedido seja rejeitado por falta de competência do Tribunal Constitucional para conhecer do mesmo; ou, se assim não se entender, que o Tribunal Constitucional não declare a inconstitucionalidade, nem a ilegalidade das normas contidas nos artigos 3.º, nos 1 e 2, 6°, 7.º, 9.º, nos 1 e 3, e 10°, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.° 1-A/2009, de 5 de Janeiro". O Tribunal, de facto, não se pronunciou...

JF: Isso quer dizer...

MN: Quer dizer apenas isso, que o TC não se pronunciou, não tomando conhecimento do pedido.
É engraçado que, a propósito da reprovação do Estatuto dos Açores, o PS fez afirmações curiosas sobre o Tribunal Constitucional. Recordo: "A decisão do Tribunal não surpreende, porém, o PS/Açores, conhecidas que são as posições centralistas do Tribunal, coincidentes, aliás, com as do PSD de Ferreira Leite e do Presidente Cavaco e da maioria dos analistas escreventes". Aliás, foi mais longe quando lamentou que "um órgão, com as exigências de honorabilidade do Tribunal Constitucional, já tenha caído numa vulgaridade desprestigiante". Não vamos por esses caminhos...

JF: Para terminar, o que irá ou já está a FENPROF a fazer perante esta situação?

MN: A FENPROF não aguardava este Acórdão para decidir o que fazer depois. Ao mesmo tempo que se dirigiu aos senhores deputados no sentido de ser requerida, como foi, a fiscalização sucessiva e abstracta da constitucionalidade deste diploma, de imediato se dirigiu a outras instâncias que considerou adequadas, aguardando, destas, uma decisão. Apresentou o problema de ilegalidade duvidosa na Provedoria de Justiça; requereu a declaração de ilegalidade junto do Ministério Público (face ao conteúdo do Acórdão do TC e ao reconhecimento que é feito pelo próprio PM, ganha maior importância a decisão do Ministério Público); avançou com processos, que correm, em tribunais administrativos; reforçou-os, depois, com a apresentação de providências cautelares, cujas acções se mantêm nos tribunais fiscais e administrativos de Porto, Coimbra, Lisboa e Beja. Avançámos, ainda, no apoio a muitos professores nossos associados que, tendo recebido notificações de conteúdo ilegal, decidiram avançar para os tribunais.

É claro que, se a via jurídica é importante, a resolução deste problema e de todas estas confusões criadas pelo Ministério da Educação e pelo Governo em torno da avaliação dos docentes, passa pela decisão política. Estou em crer que, dentro de poucos meses, ainda antes do final de 2009, estarão reunidas as condições políticas para resolver muitos problemas deste tipo, designadamente este...

JF: Referes-te às eleições e à maioria absoluta...

MN: Refiro-me às eleições e à maioria absoluta...