Nacional

Intervenção do Secretário-Geral da FENPROF na Sessão de Abertura

07 de novembro, 2011

Caros Colegas, Amigos e Camaradas,

A todos vós aqui presentes uma forte e cordial saudação, pedindo-vos desculpa por evocar, nas primeiras palavras que vos dirijo, um Camarada e Amigo, de muitos anos e muitas lutas, que deu o melhor de si ao trabalho que, nesta Conferência, continuamos. Não fosse a vida tão ingrata para os que lhe dão uso, e o Nuno Rilo estaria aqui connosco, a dar-nos o seu valioso contributo. Obrigado na mesma Nuno, por todos os momentos em que estiveste presente.

Realizamos esta 3.ª Conferência Nacional do Ensino Superior num momento que não podia ser mais oportuno. Estamos a viver um tempo de ataque, feroz e voraz, aos trabalhadores portugueses, logo, também aos docentes e investigadores; aos serviços públicos, logo, também à Escola Pública; à Constituição da República Portuguesa, logo, à matriz democrática que estabelece a nossa organização social, económica e política.

Instrumento maior, na atual conjuntura, desse odioso ataque é a proposta de Orçamento do Estado para 2012, que o governo apresentou à Assembleia da República. Por conta de uma crise que se instalou, alegadamente, por termos vivido acima das nossas possibilidades, a direita que se instalou no poder, entrando pelas portas que anteriores governos abriram, procura aprovar medidas que irão empobrecer a generalidade dos portugueses e destruir muitas respostas públicas qualificadas que são suporte do que designarmos por Estado social, e isto acontece num contexto de agressão externa, legitimada por um pacto que contou com a adesão de colaboracionistas nacionais.

Com o Orçamento do Estado que é proposto para 2012, a Educação, no seu total, passa a valer a irrisória percentagem de 3,8% do PIB, descendo, num só ano, 0,9%, ou seja, 1.500 Milhões de euros. Tal quebra coloca Portugal no último lugar do “ranking” comunitário. Dir-se-ia tratar-se de um aventureirismo político se não fosse deliberado, se não houvesse uma intenção de destruir, e há! Há a intenção de demolir a Escola Pública e, com demolições em outras áreas, começar a desconstrui o Estado social.

Desta forma, não é possível manter em funcionamento o nosso sistema educativo e muito menos resolver os seus inúmeros problemas, que se refletem em indicadores negativos, como as taxas de insucesso e abandono escolares, mas, também, nas baixas taxas de frequência do ensino superior. Um sistema que precisa, não só, de superar tais dificuldades, como de garantir o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos e os apoios indispensáveis a um número crescente de famílias para que consigam manter os seus filhos a estudar, suportando os elevados custos daí decorrentes. Isso é impossível de realizar com a exiguidade de verbas que se reservam para a Educação, um setor reconhecidamente estratégico para o desenvolvimento nacional. É grande o contraste, de facto, entre o que, neste país, não há para a Educação – 1.500 Milhões de euros – e o que ainda sobra para alimentar os bancos – 12.000 Milhões de euros. É revoltante e deverá merecer de nós, em particular de nós, profissionais do setor, um veemente protesto e uma forte denúncia porque, na verdade, se está a hipotecar o futuro deste país.

No ensino superior, as consequências desta política e destas opções são conhecidas e por demais repetidas. Registe-se que não é problema de agora. Desde 2005 que o ensino superior é vítima de uma taxa de redução média anual de 12%, num total de 534 Milhões de euros. Para 2012, anuncia-se um corte da ordem dos 150 milhões de euros no que respeita a transferências do orçamento do estado, correspondendo a uma redução de 8,5%, só em matéria de funcionamento. Mas, como referia, e bem, há dias, o reitor desta universidade, António Nóvoa, tão grave como tais cortes é a perda de autonomia e a dependência absoluta do ministro das Finanças em relação a decisões relativas à gestão de recursos humanos, nomeadamente no que concerne a concursos e admissões. Será complexo o circuito e burocrático sem dúvida, mas absurdo até quando se obriga a universidade a aguardar autorização governamental para contratar um porteiro ou um contínuo, quanto mais um docente. As consequências desta desorçamentação e desta perda de autonomia far-se-ão sentir na previsível degradação das condições de trabalho, na quebra de qualidade educativa, na extinção de muitos cursos com o afunilamento para os considerados mais lucrativos por terem maior procura, na concentração da oferta, provavelmente com penalização dos que, por norma, são sempre mais penalizados – designadamente, as vastas zonas do interior do país, cada vez mais desertificadas porque, de tudo o que conseguiram e construíram ao longo de anos, têm as suas populações sido obrigadas a abrir mão –, na paralisação em múltiplos domínios da ciência e da investigação, para além dos efeitos devastadores no emprego dos docentes e investigadores.

Com o corte anunciado a concretizar-se, como se afirma no documento preparatório da Conferência, há um recuo de mais de uma década no nível de financiamento. O problema é que, nestes 11 anos de retrocesso, houve inflação, houve um aumento do número de estudantes, houve aumento de custos com salários, houve transferências de encargos para as instituições… é bem possível que algumas instituições não consigam resistir a este novo corte e possam sucumbir, estranguladas pela “cura” de empobrecimento a que querem submeter o país. Estamos perante a negação do importantíssimo papel do Ensino Superior no desenvolvimento nacional, nas suas mais diversas dimensões, como sejam a cultural, social, económica e tecnológica. Estaremos perante um sério refluxo democrático se as condições de acesso e as oportunidades de sucesso voltarem a elitizar-se, deixando de fora os filhos dos trabalhadores que, progressivamente, vão sendo afastados dos estudos superiores, devido aos seus custos e por debilidade de uma ação social escolar que se atrofia e deixa de responder à crescente fragilização económica das famílias.

Face à gravíssima situação que Portugal está a viver, não irão os professores e investigadores passar ao lado dos problemas, até porque esta crise se recusa a passar ao seu lado e, pelo contrário, resolveu torná-los alvo das suas mais maléficas intenções. Outras razões não existissem, e estas seriam suficientes para que nos preocupassemos muito e envolvessemos na ação e na luta. O pacto de agressão que nos está a atingir de forma tão violenta deverá, pois, merecer o nosso repúdio, a nossa rejeição e, por consequência, o nosso combate.

Trata-se de um autêntico saque, promovido por FMI, BCE e UE e organizado e concretizado pelo governo, a redução real dos nossos salários em mais de 30%: isto por conjugação da redução salarial direta, dos cortes nos e dos subsídios, da inflação e da carga fiscal agravada!

Os cortes elevadíssimos que se pretendem levar por diante são um ataque sem precedentes às funções sociais do Estado e aos serviços públicos que lhes dão expressão, colocando-os em situação de risco por subfinanciamento, com muitos deles a poderem, a curto prazo, entrar em efetiva rutura.

É um ataque à democracia alterar, como impõe a troica e obedecem os colaboracionistas internos, as leis laborais para que se possa despedir sem causa e sem custo, como se cada trabalhador no desemprego não passasse de um número e não carregasse às costas um tremendo fardo de angústias e desesperos que o empurra, desorientado, para becos sem saída e precipícios sem fundo. Estamos, como há dias afirmava o bispo das Forças Armadas, confrontados com políticas e medidas de terrorismo social que exigem, de cada um de nós, uma forte oposição.

Há alternativas a estas medidas e estas políticas, todos sabemos que há. Mas quem nos agride de fora e cá dentro tem estas opções. Se assim não fosse:

- Em vez de cortarem no abono de família, impediam que se tivesse antecipado a distribuição de dividendos pelos acionistas da PT, com o único intuito de os livrar de impostos;

- Em vez de nos roubarem os subsídios de férias e Natal de 2012, deixavam de usar o nosso dinheiro para tapar o buraco criado por mãos criminosas no BPN;

- Em vez de nos terem roubado parte dos salários deste e do próximo ano e parte do subsídio que receberemos dentro de dias, taxavam as operações em bolsa, como taxavam, de forma justa, a banca e os grandes grupos económicos;

- Em vez de cortarem na Saúde, na Educação e na Segurança Social, punham na ordem o regedor da Madeira, fechando-lhe o paraíso branqueador e impedindo que o caos e a desordem nas contas públicas regionais tivessem atingido as proporções que são conhecidas.

Mas não é assim! A direita banqueteia-se à mesa do poder económico. Franceses e alemães impõem “ajudas desinteressadas” ameaçando quem as põe em causa, pois elas integram-se no plano de colonização em curso. Por cá, ainda, o PS, refém do memorando que assinou com a troica, revela desorientação e não consegue demarcar-se, como devia, deste orçamento de submissão o que o poderá tornar, tanto política, como moralmente, seu co-autor.

Também de Nuno Crato se poderá dizer, porque assume, que é forte defensor destas políticas neoliberais que visam dar cabo da Escola Pública. Em entrevista recente, considerava o ensino superior como um bem transacionável, o que revela o seu pensamento sobre a matéria. A Educação é um bem social de interesse público, não é produto que se vende e compra, comercializável, adquirindo-se em pacote de melhor ou pior qualidade, consoante o poder de compra de quem o adquire ou a sua capacidade de obter crédito na banca. Não podemos fingir que não percebemos estas políticas de desconstrução da Escola Pública… temos de resistir a esta estratégia e de lutar por alternativas que existem.

Mas sendo as opções políticas as que são, como vamos nós fazer? Esperar sentados? Não podemos! Dizem-nos, vezes sem conta, que não nos preocupemos com a situação, pois os portugueses sempre souberam sair dos problemas e de situações complicadas que viveram no passado. E dizem-nos isto, como que a dizer para não nos incomodarmos porque as coisas se resolverão por si e irão ao sítio desde que estejamos disponíveis para cooperar. A nós, gente de brandos costumes, bastaria aguardar, serenos e tranquilos, procurando passar por entre os pingos da chuva sem que ficássemos ensopados. Acontece que não está a pingar, mas a cair uma fortíssima saraivada que cria estragos irreversíveis, que mói e mata se for passiva e expectante a nossa postura.

Esta pressão do poder, repetidamente veiculada pelos órgãos de comunicação social que domina, traz-nos à memória a sobrevivente canção de Sérgio Godinho, hoje tão atual, em que se refere aquele que trabalhando nove dias por semana, permanece sentado à espera da revolução, na cadeira emprestada pelo patrão. É verdade que os portugueses sempre se libertaram dos tempos mais negros e feios da sua história, mas conseguiram-no à custa de muita luta, de uma luta que tomaram em mãos: lembra-nos Viriato, mas também 1385, 1640, 1910 ou 1974. Nunca este povo deixou a libertação por mãos alheias, também não será agora que o fará. E se a luta não vai esgotar-se neste mês de novembro, ela terá agora uma forte expressão, cujo rosto será tanto mais expressivo, quanto maior for o nosso envolvimento e empenhamento. Dia 12 teremos de inundar as ruas de Lisboa com o maior caudal jamais visto de trabalhadores da Administração Pública; dia 24 teremos de desenhar, com o traço da nossa determinação e as cores da nossa convicção, a maior e mais expressiva Greve Geral de que há memória em Portugal.

Uma última palavra para o olhar que se exige para dentro de nós mesmos, da nossa organização, que é a maior, a mais importante e mais representativa organização sindical dos docentes portugueses. E assim é porque ninguém é forte quando está sozinho e os docentes e investigadores do Ensino Superior, nos Sindicatos da FENPROF, estão bem acompanhados pelos seus colegas da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário; e porque ninguém é forte quando está sozinho, os docentes e investigadores portugueses que se revêem na FENPROF estão bem acompanhados pelos demais trabalhadores portugueses que fazem da CGTP-IN o espaço solidário da sua ação coletiva e da sua intervenção social.

É em tempo tão difícil para os trabalhadores como o que estamos a viver que o tempo dos Sindicatos mais se afirma. É grande o ataque que o capital desfere contra a força organizada dos trabalhadores, sabemos disso, é de sempre e está nos livros, mas é aqui, neste espaço solidário, que os trabalhadores ganham mais força porque mais forte e mais sólida se torna a sua intervenção, quer ao nível da proposta, quer da luta.

O Sindicato, sabemo-lo todos, não é uma entidade abstrata, somos nós! Nós com a nossa força, nós com a nossa militância, nós com as nossas ideias, nós com o nosso trabalho, nós também com as nossas dificuldades e as nossas insuficiências, mas somos nós o Sindicato porque não o alienamos a estranhos ou interesses alheios. Um Sindicato vivo e atuante que, para ser reconhecido como tal, tem de ser grande, crescendo em associados, tem de estar implantado com organização no terreno, tem de manter presença permanente nos locais de trabalho. Olhando para esta Conferência que alguns duvidavam que se pudesse realizar ou, pelo menos, de contar com os delegados que conta, aumenta a confiança e a convicção de que a FENPROF continua a ser uma referência de grande importância, digo, sem medo de errar, a referência de maior importância também no Ensino Superior.

Ainda bem que assim é, pois neste momento, em que os trabalhadores vivem com uma faca enterrada nas costas, não é tempo de ficarmos sentados à espera de um qualquer D. Sebastião. É tempo de nos levantarmos, de nos insurgirmos, de nos tornarmos insubmissos e de irmos à luta. Unidos em torno da FENPROF, que é o mesmo que dizer, organizados nos Sindicatos dos Professores do Norte, da Região Centro, da Grande Lisboa, da Zona Sul, da Madeira, da Região Açores e no Estrangeiro seremos mais fortes e faremos valer a nossa razão, porque a temos! E a verdade é que a razão prevaleceu sempre sobre todas as formas de tirania.

Viva a nossa 3.ª Conferência!

Viva a FENPROF!

Viva a luta dos povos pelo desenvolvimento e pela soberania!

Mário Nogueira
Secretário-Geral da FENPROF