Nacional

Intervenção de Mário Nogueira na Tribuna Pública

03 de maio, 2012

CONTRA ESTA REVISÃO DA ESTRUTURA CURRICULAR

Algumas notas de encerramento desta Tribuna Pública:

1 – O governo português não está a governar, está apenas a cumprir ordens que chegam de Berlim, de Bruxelas e do FMI;

2 – O governo português não está a defender os interesses nacionais, pois, se assim fosse, não se tinha disponibilizado, antes que qualquer outro (assinale-se), para assinar o tratado orçamental europeu. No mínimo, pedia aos portugueses que se pronunciassem; natural seria que recusasse imposições que, para se atingirem, exigem muitos mais e ainda maiores sacrifícios aos portugueses;

3 – O governo português não está a defender a soberania nacional, pois, se o fizesse, não se sujeitava a compromissos que implicam a alteração da própria CRP, ficando o país sujeito a multa se o não fizer. E Frau Merkl disse ontem que nestas coisas não brinca;

4 – É neste quadro que se pode afirmar, com certeza e justiça, que o ministro para a Educação e Ciência não é Nuno Crato, mas Vitor Gaspar. Crato, cada vez mais, dirige uma simples repartição de finanças que aplica e gere, neste setor, as medidas decididas no Terreiro do Paço;

5 – Assim, o documento de referência da Educação, neste momento, não é a Lei de Bases do Sistema Educativo ou qualquer programa específico para o setor, mas o Orçamento do Estado para 2012, que prevê, por exemplo, cortes de 102 Milhões com a revisão da estrutura curricular, 54 Milhões com os mega-agrupamentos e alguns encerramentos de escolas e de 101 Milhões com outras medidas de onde se destaca o aumento do número de alunos por turma;

6 – A revisão da estrutura curricular que o MEC pôs em marcha não atendeu: i) às necessidades do sistema; ii) à generalidade dos contributos de quantos participaram no debate (que espera o MEC para divulgar uma síntese desses contributos, fazendo saber quais os aspetos mais contestados e/ou mais propostos?); iii) ao essencial do parecer do CNE; iv) às preocupações conhecidas das associações científicas e profissionais; v) às posições dos pais e encarregados de educação, manifestadas pelas suas confederações; vi) aos contributos sindicais, designadamente da FENPROF;

7 – Esta revisão não se destina a elevar a qualidade do ensino ou a melhorar a organização pedagógica das escolas. Simplesmente, é feita de calculadora na mão, destinando-se a atingir os tais 102 Milhões e quando aí chegar pára. É, em primeiro lugar, com esse sentido que são tomadas medidas como: i) a extinção da EVT e a divisão em duas disciplinas, contrariando, até, um dos princípios divulgados que seria o combate à dispersão; ii) a extinção da Educação Tecnológica no 3.º ciclo; iii) a desvalorização da Educação Musical, num quadro em que as escolas serão levadas, em muitos casos, a optar por outra disciplina; iv) o fim dos desdobramentos nas ciências experimentais no 2.º ciclo; v) a eliminação da formação cívica que, no caso do secundário, ainda está no seu primeiro ano, não tendo sido feita qualquer avaliação à sua existência e importância; v) à eliminação do estudo acompanhado, com o designado apoio ao estudo a sair da componente letiva do horário dos docentes;

8 – Em causa, neste processo, não estão apenas aspetos de ordem financeira, há uma evidente opção ideológica que é assumida: centrar o ensino no ler, escrever e contar e na aquisição de alguns conhecimentos. Não colocamos em causa a importância daquelas competências e dos conhecimentos que o MEC diz serem essenciais, o problema é a desvalorização que faz de outras áreas que, em nossa opinião e de muitos que se pronunciaram, merecem igual importância se quisermos, como devemos, cumprir a LBSE quando refere, no artigo 2.º, que “A educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva.” Ou atingir os objetivos que constam dos artigos 7.º e 9.º, repetivamente, para os ensinos básico e secundário;

9 – Voltando ao problema do desemprego, intenção primeira a atingir, pelo MEC, com esta medida, é preciso, de uma vez por todas, que digamos basta! Os professores não podem continuar a ser das principais vítimas da fúria governativa que tudo varre à sua volta, destruindo construções democráticas de muitos anos, como é o caso da Escola Pública, uma das traves mestras do que consideramos ser o Estado Social. Segundo dados do IEFP, o desemprego docente registado aumentou, entre 2009 e 2011, 225%, sendo que, só entre 2010 e 2011, cresceu 120%! Porque não era suficiente, os dados de abril deste ano confirmaram que o problema se agravou e que, entre março de 2011 e de 2012, em que o desemprego, em geral, aumentou 19,8% – o que é uma violência –, nos professores o acréscimo foi de 137,1%, o que é brutal. Brutal mas, ao que parece, insuficiente!

10 – De facto, o MEC pretende livrar-se ainda de mais gente… a sua espiral negativa parece não ter limite. Gente contratada e gente dos quadros, neste caso, com horários-zero que, não tarda, poderá cair nas malhas das mobilidades gerais forçadas que querem aplicar à Função Pública. A FENPROF estima que esta revisão atinja 10.000 horários docentes a que se juntarão outros tantos, devido à criação de mega-agrupamentos e mais uns milhares com outras medidas. A Crato deverá ser atribuído, quando cessar funções, o cognome de o Ministro do Desemprego Docente, pois parece ser essa a sua principal missão no setor da Educação;

11 – Há outros aspetos que foram abordados pelo MEC neste processo e nos preocupam muito: i) o regresso dos exames no 4.º e no 6.º ano. Muitas têm sido as vozes críticas, incluindo a dos peritos da OCDE que discordam da centralidade que eles têm nos processos de avaliação dos alunos portugueses. O MEC, porém, só se ouve a si mesmo; ii) Uma preocupante hegemonia que deverá existir na constituição das turmas ao longo de todo o ensino básico e que alguns identificam como correspondendo à eventual criação de turmas de nível. O MEC fica incomodado e, timidamente, diz não ser isso, sem dizer, no entanto, o que é; iii) a forma pouco clara como serão, para o ano, atribuídas as horas de crédito às escolas e qual a sua origem. Não podemos, nesta matéria, ignorar a tentativa do governo de impor a toda a Função Pública o “banco de horas” que também ao setor privado quer impor. Sabemos bem as implicações que tal medida teria nas escolas, na sua organização, e nos professores, nas suas condições de exercício profissional e no emprego. Curiosamente, nem uma palavra se ouve do MEC sobre o alargamento da escolaridade para 12 anos, sobre o futuro do ensino profissional ou sobre as respostas aos alunos com necessidades educativas especiais…

12 – Não podemos olhar para esta medida de forma isolada. Ela terá de ser conjugada com as demais medidas que estão no prelo e será o conjunto que constituirá o despacho sobre organização do próximo ano letivo, cujo projeto ainda se desconhece;

13 – O MEC, nestas matérias, não está a ter em conta os contributos que recebeu, nem a desenvolver processos negociais efetivos, exceto quando convergem com a sua opinião: i) não o fez com a revisão da estrutura curricular; ii) não o fez quando decidiu aumentar o número de alunos por turma, medida que se conheceu, apenas, em 12 de abril, dia em que foi publicado o despacho 5.106-A/2012; iii) Não o está a fazer com os mega-agrupamentos, sabendo-se que há municípios que desconhecem as propostas finais enviadas pelas DRE’s ao MEC; há diretores que são chamados a assinar atas em que foi previamente escrito o seu acordo; há critérios, mesmo dos que o MEC estabeleceu, que não estão a ser respeitados. Disto daremos conta em dia próximo.

14 – O que defendemos e exigimos ao MEC? Que seja responsável! Que evite o disparate! É que os erros que são cometidos em Educação raramente são remediáveis e o MEC está a cometer um erro grave de que serão vítimas crianças e jovens que não tornarão a ser crianças e jovens para o tornar reversível. Defendemos uma verdadeira reorganização curricular... pensada; amplamente participada como advoga o CNE; com tempo para avaliar, diagnosticar, projetar e aplicar sem perturbações. É neste contexto que consideramos mais do que justa a exigência que aqui fazemos de suspensão desta revisão da estrutura curricular. Exigimos, do MEC e do Governo, que sejam responsáveis com o futuro.