Nacional
3ª Conferência Nacional do Ensino Superior e da Investigação da FENPROF - Lisboa, 4 e 5 de Novembro de 2011

Intervenção de João Cunha Serra

04 de novembro, 2011

Intervenção na 3ª Conferência Nacional do Ensino Superior e da Investigação da FENPROF
Lisboa, 4 e 5 de Novembro de 2011

João Cunha Serra

Exmo. Sr. Professor José Morais, Director da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa

Caro camarada Mário Nogueira, Secretário Geral da FENPROF

Caros convidados, caros delegados e restantes participantes nesta 3ª Conferência Nacional do Ensino Superior e da Investigação da FENPROF

Esta Conferência realiza-se num momento de grave crise nacional e internacional.

Os apóstolos da “teologia do mercado”, no dizer de Adriano Moreira, os mentores e executores da política neoliberal, que visa sujeitar toda a actividade humana ao mercado, tendo promovido a desregulamentação e a busca desenfreada do lucro especulativo, não apenas estiveram na origem da crise financeira que vivemos e que cada dia provoca mais retrocesso social e civilizacional, como também estão a conseguir tirar partido dessa crise para atingirem de forma mais aprofundada um dos seus objectivos: o enfraquecimento das funções sociais do Estado, no caminho da privatização daquilo que ainda permanece no domínio público, visando tudo submeter ao critério do lucro, em prejuízo da prossecução do interesse geral.

Tão grande tem sido o poder da ideologia neoliberal dominante que, à custa do esbulho de direitos e do confisco de rendimentos do trabalho e de apoios sociais, está a conseguir impor que seja o Estado, isto é, todos nós, a socorrer o sistema que construíram e engendraram, sob pena do seu colapso total, protegendo nesse processo, despudoradamente, os rendimentos do capital.

O reconhecimento da imensa força deste poder, só por si, obriga ao estabelecimento, que tarda, por parte daqueles que se lhe opõem, de estratégias coerentes de acção que sejam capazes de intervir com alguma eficácia na correlação de forças, nos palcos onde as principais decisões são tomadas, tanto a nível nacional, como, sobretudo, a nível europeu e internacional.

Obriga também, como pressuposto essencial de uma tal estratégia, à resistência e à luta.

Este é o momento propício para a denúncia das razões mais profundas da iniquidade do sistema político e económico dominante, do desmascaramento da falta de ética – para dizer o mínimo – ou do convite à delinquência – para ir mais longe – inerente à arquitectura do sistema financeiro que provocou a crise e de lutar para conseguir resultados que sejam pelo menos suficientes para tolher os passos dos seus principais responsáveis.

Esta acção deve mobilizar sindicatos, partidos e outras organizações sociais. Sem esta luta não conseguiremos sair do ciclo vicioso de austeridade, recessão, desemprego, quebra de receita, mais austeridade, mais recessão, mais desemprego, mais quebra de receita … mais, mais, mais do que é negativo e urge combater e superar.

Quanto ao que nos ocupa em particular nesta conferência, parece ser uma constatação dizer-se que há um consenso mundial generalizado de que o Ensino Superior e a Ciência são estratégicos para o desenvolvimento de qualquer país.

Menos para este Governo …

Mesmo admitindo que há necessidade urgente de se proceder à redução do défice público, os cortes não poderiam ser cegos e deveriam ter em conta as condições necessárias para a saída da crise.

Na realidade, muitos estudos mostram, conforme Nuno Crato salientou num debate televisivo antes de ser Ministro, que a qualificação da população activa de um país é um factor crucial para o seu desenvolvimento. Por essa razão, se procuram atingir metas cada vez mais ambiciosas no que se refere a diplomados pelo Ensino Superior entre os jovens. A UE fixou essa meta em 40%, entre os 30 e os 34 anos, até 2020 (Estratégia Europa 2020).

O alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos, recentemente aprovada em Portugal, é uma medida importante que vai no sentido do cumprimento daquela meta.

Por outro lado, a crise financeira e o desemprego crescente, especialmente entre os jovens, aponta, à partida, no sentido de uma maior disponibilidade para a frequência do ensino superior, que, no entanto, a redução nos apoios sociais vem prejudicar.

A tão apregoada aprendizagem ao longo da vida aponta também no sentido da intensificação do ensino de adultos, com ênfase também no ensino superior, apesar dos contratos ditos de confiança não terem sido honrados.

Tudo isto aconselharia um maior apoio ao ensino superior, ou pelo menos a sua não diminuição, e não o violento corte que o Governo PSD/CDS se prepara para concretizar para 2012, acentuando gravemente o movimento descendente geral que se tem verificado ao longo de muitos anos.

Estes cortes previstos para 2012 estão já a levar à não renovação de dezenas de contratos de docentes convidados e à redução das condições daqueles que são renovados, diminuição de percentagem de ocupação e do correspondente vencimento, tal como do período de vigência, havendo casos de renovações por 4 meses e meio.

Imagine-se por um momento que a revisão da carreira docente do Politécnico não se tinha realizado. Estaríamos certamente a enfrentar neste momento uma muito mais grave situação de não renovação de contratos.

Sem prejuízo de discordância e oposição relativamente ao regime transitório, a postura negocial da FENPROF permitiu a promulgação do diploma, assim viabilizando as alterações depois introduzidas pela Assembleia da República que permitiram a entrada de centenas de docentes precários (cerca de 600) já doutorados para a carreira e a possibilidade de muitos outros virem a entrar, após a obtenção do doutoramento ou do título de especialista.

Para este resultado foi muito importante a luta dos docentes do Politécnico, ainda que a FENPROF não tenha acompanhado a reclamação de não promulgação do diploma do Governo pelo Presidente da República que alguns pretendiam, posição esta da FENPROF que veio a ser determinante para o êxito do processo.

Adensa-se, contudo, a ameaça, já concretizada em muitos locais, da não concessão dos apoios indispensáveis à obtenção do doutoramento – isenção de propinas e dispensa de serviço docente – para passagem à carreira dentro do prazo fixado.

Verifica-se assim que, no momento em que é fundamental para o país, para a saída da actual crise, que o ensino superior responda com mais eficácia às necessidades sociais, diplomando mais jovens e mais adultos, contribuindo para a elevação da formação da população, participando nas actividades de investigação e de inovação, em estreita ligação com o tecido económico e social, em particular animando cultural, social e economicamente as regiões do território mais afastadas dos grandes centros, o que se pretende aprovar, ao invés, é uma receita para o desastre, com um grave desinvestimento num sector estratégico como é o do Ensino Superior e da Ciência.

O confisco dos subsídios de férias e de Natal aos trabalhadores do Estado, para além de constituir uma ofensa grave à dignidade do seu estatuto profissional e social, corresponderá a um enorme desinvestimento nos recursos humanos que reflectirá muito negativamente na capacidade para reter e admitir os melhores, o que numa época de caça aos talentos só pode ser uma muito má notícia para o futuro do país.

Assim, a FENPROF, agora, mais do que nunca, entende afirmar o valor estratégico do ensino superior e da ciência e lutar pelo seu reconhecimento a nível do poder político e da sociedade em geral.

O programa do Governo apresenta uma visão estreita e instrumental do ensino superior, ao acentuar medidas que visam colocar o ensino superior ao serviço das empresas, perfilando-se uma orientação que encara o ensino superior e a ciência como uma mercadoria sujeita à prevalência de critérios de rentabilidade económica.

Contra esta visão redutora e tecnocrata, que tende a desvalorizar as humanidades, as ciências sociais e as artes, a FENPROF tem de afirmar o ensino superior como uma peça fundamental para a prossecução da Cultura Integral do Indivíduo, no conceito de Bento de Jesus Caraça.

Neste sentido, importa que a FENPROF assuma o encargo de realizar uma avaliação objectiva dos efeitos da aplicação do Processo de Bolonha, em particular da extensão com que foram atingidas as suas finalidades ocultas, denunciadas a seu tempo pela FENPROF, e de propor as medidas correctivas necessárias.

Pretende o Governo realizar a reorganização e a racionalização da rede de estabelecimentos de ensino superior. Esta matéria já está na ordem do dia e não poderemos ignorá-la. Há que reconhecer que muito há a fazer neste domínio, mas tal deverá ser realizado com objectivos e critérios amplamente discutidos na academia e na sociedade.

Este processo tem de respeitar a autonomia das instituições e não pode ser realizado por imposição superior. Não pode ser determinado pelo imperativo urgente de reduzir encargos, mas sobretudo pela imprescindibilidade de reforçar as instituições, de lhes conferir as massas críticas indispensáveis, em suma, de lhes dar melhores condições para progredirem, num ambiente cada vez mais competitivo, respondendo eficazmente às necessidades sociais.

A reorganização e a racionalização terão de ter ainda como orientação fundamental promover o melhor aproveitamento possível da globalidade dos recursos humanos existentes no sistema público de ensino superior e da ciência. Todos (docentes, investigadores, não docentes e não investigadores) não são demais para responder com eficácia aos desafios que o ensino superior e a ciência enfrentam! Pelo contrário: São de menos! Prova-o o excesso de carga lectiva que é pedido aos docentes na generalidade das instituições.

É, em particular, indispensável proceder à renovação etária dos corpos docentes, para permitir a passagem do testemunho e aproveitar a maior criatividade dos mais novos.

Mais do que isso: as carreiras revistas apontam para uma composição dos corpos docentes com percentagens mínimas nas categorias mais elevadas que estão longe de ser alcançadas. Este foi um resultado muito positivo das negociações dessa revisão.

Foi importante, não apenas para permitir o justo reconhecimento do esforço e da qualidade do trabalho de muitos docentes, como também para poderem estar em pé de igualdade com os colegas de outras instituições nacionais e internacionais.

Estes mínimos nas categorias mais elevadas, que na lei deveriam ser atingidos em 2014, estão no entanto em causa devido aos fortes cortes orçamentais e devido à proposta de lei do OE vir coarctar a autonomia das instituições quanto à admissão e abertura de concursos cuja responsabilidade é remetida para o Ministro das Finanças, ofendendo assim a Autonomia consagrada na Constituição da República.

Igualmente importantes para o sistema são os investigadores com a carreira há muito estagnada, existindo cerca de um milhar de investigadores contratados ao abrigo dos programas Ciência que nem a uma carreira têm direito e que correm o forte risco de não terem os seus contratos renovados.

A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior tem um papel muito importante para assegurar a qualidade, em particular, no que se refere à composição dos corpos docentes e de investigação, às suas qualificações e às condições para o exercício da liberdade de ensino e de investigação.

A FENPROF, única organização sindical do ensino superior que se encontra representada no Conselho Consultivo da Agência, terá de se manter atenta e interveniente relativamente a estas importantes matérias.

Por outro lado, a reorganização e a racionalização não podem visar a privatização progressiva do ensino superior, pretendendo tratar de igual modo as instituições públicas e as privadas integradas numa pseudo rede dita de serviço público.

Se outras razões não houvesse, e há – a Constituição não o consente e o interesse público também não – bastaria a falta de garantias do exercício da liberdade académica na generalidade das instituições privadas para se rejeitar qualquer igualdade de tratamento pelo Estado. Isto não prejudica a necessidade urgente – os governos estão obrigados a isso desde 1989! – de legislar sobre a contratação e a carreira dos docentes e dos investigadores nas instituições privadas; outra matéria a ser escrutinada pela Agência de Avaliação e Acreditação.

O programa do Governo aponta ainda para a diferenciação das instituições em mais de ensino e mais de investigação. Para a FENPROF, ensino superior sem investigação não é ensino superior. Em particular, a FENPROF não aceita que haja docentes a quem seja negada a possibilidade de desenvolverem investigação. Seria contraditória a exigência do doutoramento com a ausência de investigação nas instituições.

Sem dúvida que são importantes as massas críticas, mas hoje o trabalho em rede permite que se evite a concentração geográfica dos recursos, sendo no entanto muito importante que sejam criados incentivos próprios à criação de centros de investigação, em especial nas instituições politécnicas.

Se estes pressupostos para a reorganização e para a racionalização da rede forem assegurados, e se for reforçada a autonomia e a flexibilidade de gestão das instituições de direito público, abandonando-se de vez a modalidade das fundações públicas ditas de regime de direito privado, julgo poder arriscar adiantar-me às conclusões desta Conferência e afirmar que a FENPROF se disporá a ser parceira deste processo aos diversos níveis em que ele se venha a desenvolver, procurando atingir as melhores soluções em representação de docentes e de investigadores.

Caso contrário, estou igualmente certo de que políticas que visem destruir ou encaminhar para a privatização o ensino superior e a ciência receberão de nós todos uma forte oposição.

Todas as tentativas de usar perversamente instrumentos de carreira, como é o caso da avaliação do desempenho, que nos ocupará parte da tarde de hoje, e outras modalidades de avaliação, para condicionar ilegitimamente o exercício da profissão, limitar a liberdade académica e cessar contratos, obterão igualmente a nossa oposição activa.

Desta Conferência – estou certo – a FENPROF sairá mais reforçada e em melhores condições, programáticas e organizacionais, para responder aos desafios com que o ensino superior e a ciência se defrontam e, em particular, àqueles que mais directamente afectam a condição profissional e social dos docentes e dos investigadores.

Caros participantes nesta 3ª Conferência Nacional do Ensino Superior e da Investigação da FENPROF:

Como sempre, estou certo de que iremos combinar na nossa acção proposta e luta. É este o propósito desta nossa Conferência!

Termino, parafraseando o lema da lista que integrei e que concorreu, ganhando, ao Conselho Geral da minha universidade em 2009 – seria bom, aliás, que não nos alheássemos, antes nos empenhássemos de forma crescente, nas eleições para os órgãos de governo e de gestão das nossas instituições.

O lema que vos proponho é o seguinte:

Vamos construir um Ensino Superior e uma Ciência que sejam um Espaço de Liberdade, de Criação e de Cooperação!

Só com uma luta tenaz e esclarecida iremos consegui-lo!

Vivam os professores e os investigadores portugueses!

Viva a FENPROF!