Covid-19
#FENPROFemtuacasa

"Gostava de poder dizer que está tudo bem..."

27 de abril, 2020
Gostava de poder dizer que está tudo bem com o ensino à distância; que, agora, a trabalhar em casa, os professores alcançaram a vida com que sempre sonharam, uma vida onde a articulação entre os deveres profissionais e a vida familiar é perfeita. 
Gostava de poder dizer que, finalmente, a vida da escola não se sobrepõe às exigências familiares.
Gostava de poder dizer que todas as crianças e jovens têm as mesmas condições para aprender, porque todos têm à sua disposição os meios de que necessitam para acompanharem as atividades que lhes entram em casa pelos mais eficientes meios de comunicação.
Gostava de poder dizer que, pelo menos na educação, o tempo do Covid foi um tempo de evolução e de harmonia, porque os professores ensinavam a partir do conforto dos seus lares e os alunos aprendiam no aconchego familiar.
Gostava de dizer coisas bonitas sobre este tempo histórico que nunca pensamos viver.
Gostava de acreditar nas palavras de esperança de um mundo melhor após a pandemia; um mundo construído sobre os erros do passado da humanidade.
Gostava de acreditar nas palavras de renovação que oiço aos místicos que surgem de todos os lados.
Gostava de tantas coisas, gostava mesmo…
Mas como posso eu abstrair-me da realidade que me cerca, que cerca toda a gente nos seus lares, antes, espaços quase sagrados, mas agora transformados em prisões.
Como pode alguém ensinar a liberdade quando se sente aprisionado?
Vivemos tempos novos, tempos de que nascerá, pela certa, um novo tempo, que a quase todos exigirá sacrifícios, na continuação dos sacrifícios que já estão a ser exigidos a quase todos. 
Esta é a grande verdade que se vive na escola à distância, na escola pela televisão, na escola pela internet, pelo telefone, na escola por todos os canais de comunicação. Aqui também se vive o tempo Covid, com dureza. Uma dureza diferente da que vivem outros profissionais, com certeza, mas nem por isso uma dureza menos dura. Apenas, diferente.
Uma dureza feita de horários completamente desregulados; da produção de novos materiais didáticos e pedagógicos; da desmultiplicação contínua para dar resposta a tudo ao mesmo tempo; do investimento em formações supersónicas; da transformação do professor em central de atendimento multicanal…
Uma dureza que se suporta, mas que vais escavando uma agrura que levará tanto ou mais tempo a sanar do que a própria crise. Uma dureza que ficará para além do Covid.
Uma dureza que não se vê por quem olha de fora e só quer ver o que salta aos olhos de todos. 

JackelineVieira

#FENPROFemtuacasa

Jackeline Órfão Vieira, membro do Secretariado Nacional

 

Gostava de poder dizer que está tudo bem com o ensino à distância; que, agora, a trabalhar em casa, os professores alcançaram a vida com que sempre sonharam, uma vida onde a articulação entre os deveres profissionais e a vida familiar é perfeita. 

Gostava de poder dizer que, finalmente, a vida da escola não se sobrepõe às exigências familiares.

Gostava de poder dizer que todas as crianças e jovens têm as mesmas condições para aprender, porque todos têm à sua disposição os meios de que necessitam para acompanharem as atividades que lhes entram em casa pelos mais eficientes meios de comunicação.

Gostava de poder dizer que, pelo menos na educação, o tempo do Covid foi um tempo de evolução e de harmonia, porque os professores ensinavam a partir do conforto dos seus lares e os alunos aprendiam no aconchego familiar.

Gostava de dizer coisas bonitas sobre este tempo histórico que nunca pensamos viver.

Gostava de acreditar nas palavras de esperança de um mundo melhor após a pandemia; um mundo construído sobre os erros do passado da humanidade.

Gostava de acreditar nas palavras de renovação que oiço aos místicos que surgem de todos os lados.

Gostava de tantas coisas, gostava mesmo…

Mas como posso eu abstrair-me da realidade que me cerca, que cerca toda a gente nos seus lares, antes, espaços quase sagrados, mas agora transformados em prisões.

Como pode alguém ensinar a liberdade quando se sente aprisionado?

Vivemos tempos novos, tempos de que nascerá, pela certa, um novo tempo, que a quase todos exigirá sacrifícios, na continuação dos sacrifícios que já estão a ser exigidos a quase todos. 

Esta é a grande verdade que se vive na escola à distância, na escola pela televisão, na escola pela internet, pelo telefone, na escola por todos os canais de comunicação. Aqui também se vive o tempo Covid, com dureza. Uma dureza diferente da que vivem outros profissionais, com certeza, mas nem por isso uma dureza menos dura. Apenas, diferente.

Uma dureza feita de horários completamente desregulados; da produção de novos materiais didáticos e pedagógicos; da desmultiplicação contínua para dar resposta a tudo ao mesmo tempo; do investimento em formações supersónicas; da transformação do professor em central de atendimento multicanal…

Uma dureza que se suporta, mas que vais escavando uma agrura que levará tanto ou mais tempo a sanar do que a própria crise. Uma dureza que ficará para além do Covid.

Uma dureza que não se vê por quem olha de fora e só quer ver o que salta aos olhos de todos.