"Numa perspectiva de boa gestão dos dinheiros públicos, são de questionar, em termos de economia, eficiência e eficácia, os custos associados a todo este processo." A conclusão consta do relatório-síntese da auditoria ao processo de colocação de professores de 2004, realizada pela Inspecção-Geral das Finanças (IGF), e refere-se ao custo global que o sistema de apoio aos concursos acabou por atingir: 1,8 milhões de euros.
A verba torna-se ainda mais questionável quando o objectivo da tutela era encontrar uma solução informática, "que previa a comunicação electrónica entre os intervenientes". Ora, a maioria do dinheiro gasto - 1,18 milhões de euros - destinou-se ao tratamento (digitação e digitalização) de boletins de candidatura em papel.
Acontece, continua a IGF, que também esta tarefa apresentou muitas falhas, que se repercutiram na qualidade dos dados. "Foi efectuada a digitação e dupla digitação para minimizar erros, mas, mesmo assim, o volume de erros de digitação foi significativo".
O anterior ministro da Educação, David Justino, admite "claramente que houve uma derrapagem" face às estimativas iniciais. Para o Orçamento de Estado de 2004 - que foi calculado vários meses antes do concurso, salvaguarda o ex-governante -, apenas estava prevista uma verba de 200 mil euros. O número de candidaturas (133 mil), muito superior ao previsto (70 mil), explica em parte a diferença, justifica David Justino.
Se são naturais despesas acrescidas, o que não estava nas contas do ministério foi a necessidade de proceder, através de despacho ministerial de Junho, a "um reforço orçamental de 971.315 euros para fazer face aos custos com a desmaterialização dos formulários em suporte papel (...), assumidos e facturados em Abril de 2004", assinala a IGF.
Sobre o facto de nunca ter sido ouvido - nem pela IGF, nem pela comissão de inquérito criada em Setembro pela actual ministra -, David Justino diz agora perceber porquê: "Não havia razão para isso, porque não me são atribuídas responsabilidades" pelos atrasos e erros no processo. O ex-secretário de Estado da Administração Educativa, Abílio Morgado, expressa uma posição semelhante.
Contrato pago antes da data
Os meses foram passando e os custos foram aumentando. "Continuaram a ser assumidos pela Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação [DGRHE], durante os meses de Julho e Agosto de 2004, encargos com a Compta [a quem foi adjudicada a criação do 'software'], e para os quais não existia cabimento orçamental nem autorização para a realização do procedimento e da respectiva despesa", lê-se no documento.
A IGF sublinha ainda que o contrato celebrado entre a Compta e a DGRHE foi "integralmente pago até 10/05/04, sem que os trabalhos (...) estivessem concluídos e aceites definitivamente conforma estipulado contratualmente".
De acordo com a auditoria, o montante do contrato (200 mil euros) obrigaria igualmente ao lançamento de um concurso público internacional. A empresa vencedora acabou por iniciar os seus trabalhos, com o acordo da DGRHE, "em data anterior ao despacho da directora-geral [Joana Orvalho] da DGRHE".
Ainda que do relatório disponibilizado tenham sido retirados os nomes dos intervenientes em relação aos quais são sugeridas acções disciplinares, fica claro que a Compta e os serviços da DGRHE, concretamente a directora-geral, a directora de serviços de recrutamento e pessoal docente e ainda o gestor de projecto, são alguns dos destinatários das críticas da IGF. A empresa não quis prestar declarações e o PÚBLICO não conseguiu contactar com Joana Orvalho.
Ao Tribunal de Contas e à comissão de inquérito em curso compete confirmar ou não os indícios de infracções disciplinares, ilícitos financeiros e possível responsabilidade contratual da Compta.
Público, 7/01/2005