Aparentemente, as medidas aprovadas pelo MECI, tanto no âmbito do Plano +Aulas +Sucesso, como as aplicadas de forma avulsa, estão a ter pouco impacto na resolução ou mitigação do problema a que era suposto darem resposta: a falta de professores. Já se previa que esse impacto ficasse muito aquém do anunciado, pois, para que assim não fosse, seria necessário acrescentar ao propalado plano “+Professores”. Dir-se-á que não existem, mas isso não corresponde à verdade. O que não existe é vontade política do governo para tomar medidas que atraiam os docentes para que ingressem ou regressem à profissão. Exemplos mais evidentes do fraquíssimo sucesso das medidas tomadas são o escasso interesse dos aposentados em regressar (apenas 62 em mais de 14 000 que se aposentaram entre janeiro de 2019 e final de outubro de 2024) ou dos mais de 14 500 que abandonaram a docência só nos últimos 6 anos, número que seria mais do que suficiente para preencher as 2308 vagas do concurso externo extraordinário. No entanto, mais de 20% das vagas ficaram por preencher…
Infelizmente, aquelas duas realidades vieram dar razão à FENPROF no que, desde logo, alertou: não seria com medidas deste tipo que se resolveria o problema da falta de professores, mas com a valorização, já, da profissão, desenvolvendo este ano letivo o processo negocial para que o novo ECD, revisto e valorizado, entre em vigor já no próximo. Adiar para 2027 a entrada em vigor do ECD revisto e valorizado significa admitir que, nos próximos anos, o problema continuará a agravar-se.
Concurso externo extraordinário
Hoje, estamos em condições de fazer uma apreciação mais pormenorizada do fraco impacto que o concurso externo extraordinário (de vinculação) teve na resposta à falta de professores:
• Das 2308 vagas colocadas a concurso ficaram por preencher 21%;
• Dos 1822 docentes colocados neste concurso, 1182 já se encontram colocados, ou seja, 64,9% (quase 2/3), pelo que não contribuem para resolver o problema da falta de professores. Estes docentes só poderão sair da escola em que se encontram após substituição, o que, a não acontecer, significa que até final do ano não ocuparão a vaga que obtiveram e, no próximo, se concorrerem e obtiverem outra vaga, nem sequer passarão efetivamente pelo QZP em que agora vincularam;
• Dos 1822 docentes colocados, 893 (49%) apenas têm habilitação própria, pelo que a sua nomeação será provisória e, se não obtiverem a profissionalização no prazo de 4 anos, perdê-la-ão;
• Há grupos em que o número de vinculados com habilitação própria é superior ao de profissionalizados, por exemplo, o de Informática (138 dos 166 vinculados), Geografia (102 em 130), Português e Estudos Sociais/História do 2.º Ciclo (62 em 78) ou Eletrotecnia, em que dos 17 que vincularam nenhum é portador de habilitação profissional;
• Se tivermos em conta grupos de recrutamento em que a falta de professores é maior, verificamos que foram colocados em maior número docentes que já estão colocados: Português do Ensino Secundário (dos 166 que obtiveram vaga 108 já estão colocados), Informática (166 novos vinculados, dos quais 120 já estão colocados), Matemática do Ensino Secundário (161 novos vinculados, dos quais 92 já estão colocados), Geografia (130 novos vinculados, dos quais 89 já estão colocados) ou Física e Química (113 novos vinculados, dos quais 72 já estão colocados);
• 65% dos candidatos tinha idade igual ou superior a 40 anos e, destes, 125 já têm mais de 60 anos, pelo que não permanecerão no sistema por muitos mais anos;
• Das 487 vagas por ocupar, 365 (74,9%) são no QZP 45, que inclui os concelhos de Lisboa, Amadora, Cascais, Loures, Odivelas, Oeiras, Sintra e Vila Franca de Xira, isto é, no QZP mais carenciado de docentes;
• Houve 2846 candidatos não colocados por não terem manifestado qualquer preferência para as vagas que sobraram ou para os grupos de recrutamento a concurso.
Em suma, a vinculação foi importante para quem ingressou em quadro e na carreira, mas pouco resolveu em relação à falta de professores, pois só 640 dos que vincularam não estavam já colocados em escolas públicas, alguns estando desempregados e outros provenientes dos setores privado e social, que verão agravar-se ainda mais um problema que também os afeta.
Sobre a anunciada e, entretanto, corrigida pelo ministério, instauração de processos disciplinares a quem não aceite a colocação (faltando, ainda, saber quantos não o farão), a legislação em vigor (DL 32-A/2023), no seu artigo 18.º, apenas a prevê para docentes dos quadros que, neste concurso, foram impedidos de concorrer. Para quem não tem vínculo permanente, a legislação prevê a anulação da colocação e a impossibilidade de, no ano escolar em causa, o docente celebrar outro contrato. Se esta norma for aplicada, quem está atualmente contratado será despedido e quem não está ficará impedido de celebrar contrato com escola que necessite, o que significaria não a resolução, mas o agravamento do problema que se pretendia combater.
Outra questão que tem vindo a ser colocada por muitos docentes tem a ver com a possibilidade de opção pela manutenção nos agrupamentos/escolas em que se encontram de quem ingressou em QZP a que já pertence. Esta possibilidade nunca foi colocada em sede negocial, nem consta da lei, o que está a levar à insatisfação de docentes que não se candidataram temendo ter de mudar de escola.
FENPROF vai requer ao MECI informação sobre o impacto de outras medidas previstas no Plano +Aulas +Sucesso
O Plano +Aulas +Sucesso prevê, entre outras medidas não quantificadas:
• Reforço de 140 técnicos superiores para os agrupamentos/escolas carenciados;
• Pagamento de suplemento remuneratório (750 euros) a quem, reunindo os requisitos, adiar a aposentação, prevendo-se que 1000 docentes o fizessem;
• Recuperação de 500 dos 14 500 docentes que abandonaram a profissão (baixa ambição, esta do MECI…);
• Recrutamento de 500 bolseiros de doutoramento;
• Contratação de 500 mestres e doutores;
• Contratação de 500 docentes do ensino superior e investigadores doutorados;
• Reconhecimento de habilitações a 200 imigrantes.
Tudo somado, seriam 3200 novos docentes e 140 técnicos superiores. A FENPROF vai requerer informação, medida a medida, sobre o sucesso de cada uma, uma vez que ainda não foram revelados estes dados. O que se sabe é que há escolas a recrutar técnicos especializados para horários de docentes, o que significa a contratação de pessoas sem qualquer requisito habilitacional para o exercício da docência.
Já em relação às horas extraordinárias, o Plano +Aulas +Sucesso previa a atribuição de mais 30 000 nos agrupamentos/escolas e grupos de recrutamento carenciados, tendo sido identificados 234. Esta medida consta do Decreto-Lei n.º 51/2024, que prevê que, nesses agrupamentos/escolas, o número de horas extraordinárias de aceitação obrigatória passe de 5 para 6, podendo ir até 10 se houver acordo expresso do docente, também necessitando de acordo expresso a atribuição de horas extraordinárias a docentes com redução letiva (artigo 79.º do ECD).
A atribuição de horas extraordinárias em dose reforçada e, por vezes, ilegal, parece ser a única medida que está a ultrapassar os limites previstos, dado o seu caráter impositivo até um número significativo de horas (5 ou 6). Muitos docentes estão a queixar-se da situação de sobretrabalho que resulta desta medida, pelo que alguns vão fazendo greve às horas extraordinárias quando já não são suportáveis, temendo-se que este excesso de trabalho possa resultar em situações de doença, principalmente a partir de meio do ano letivo, o que acrescerá às aposentações e eventuais desistências da profissão. A FENPROF tem em curso um levantamento, junto das escolas, do número de horas extraordinárias atribuídas aos docentes, cujo resultado tornará público quando concluído.
Por último,
A situação que está a ser vivida nas escolas é muito preocupante, pondo em causa um direito fundamental dos alunos e suas famílias, tenderá a agravar-se e só será revertida se a profissão docente for, efetivamente, valorizada nos planos da carreira, do salário e das condições de trabalho. Nesse sentido, mais uma vez, a FENPROF considera que a revisão do ECD deverá iniciar-se o mais rapidamente possível, ter como horizonte negocial o final do ano letivo em curso e entrar em vigor no próximo. Se não houver vontade política do governo para cumprir este calendário, a sua responsabilidade será total em relação ao agravamento do problema que inevitavelmente se verificará nos próximos anos.
O Secretariado Nacional da FENPROF