A Cidadania e as velhas ideologias
Num tempo em que a democracia revela sinais alarmantes de fragilidade, em que discursos de ódio ganham visibilidade e movimentos antidemocráticos e de extrema-direita conquistam espaço político, a Educação para a Cidadania assume-se como eixo central da missão da Escola Pública. Face ao crescimento de novas formas de violência, desigualdade, discriminação e desinformação, a Escola Pública não pode ser um espaço neutro. Deve ser, como sempre defendeu a FENPROF, um espaço seguro, de liberdade, de pensamento crítico e de construção coletiva, onde se promova o respeito pelos direitos humanos, a igualdade de género, a diversidade, a inclusão e a convivência democrática. É neste contexto que a Educação para a Cidadania deve ser entendida: não como um adereço curricular, mas como um pilar estruturante da formação dos jovens e da própria democracia.
Neste quadro, a proposta do MECI de revisão dos referenciais da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento representa um preocupante retrocesso. Sob o pretexto de uma suposta “neutralidade ideológica”, o que se está a promover é, na verdade, o esvaziamento de conteúdos essenciais à formação plena de crianças e jovens. A exclusão de temáticas essenciais, como a sexualidade, a identidade de género, o mundo do trabalho ou os direitos sociais, e a tentativa de transferir para as famílias a responsabilidade de definir o que deve ou não ser ensinado, são expressões de uma visão ideológica que pretende silenciar o papel transformador e emancipador da educação. Esta orientação abre espaço à desigualdade de acesso à informação e à formação, condenando muitos jovens a crescerem desprotegidos, em silêncio e sem as ferramentas básicas para compreenderem e intervirem num mundo cada vez mais complexo, desigual e desafiante.
A escola, ao contrário do que alguns pretendem fazer crer, não doutrina. Educa. E fá-lo com base em princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa e em compromissos assumidos a nível internacional. A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento não substitui o papel das famílias — complementa-o, assegurando uma abordagem pedagógica, científica e inclusiva de temas estruturantes para o bem-estar e o desenvolvimento pessoal e social dos alunos.
A FENPROF lembra que os professores têm demonstrado, ao longo de décadas, a sua capacidade para tratar com profissionalismo, respeito e rigor científico matérias delicadas, como a educação sexual, a igualdade de género ou os direitos humanos. Nunca o fizeram para impor visões morais ou pessoais, mas para cumprir uma função educativa, promotora da autonomia, da liberdade e da dignidade de cada aluno.
A FENPROF reconhece que há aspetos a melhorar na forma como a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento tem vindo a ser implementada, designadamente quanto aos recursos disponíveis nas escolas e ao acompanhamento técnico adequado. Considera, por isso, essencial que se promova uma reflexão séria e aprofundada sobre o percurso feito, os impactos registados e os obstáculos ainda existentes. Essa avaliação, contudo, deve ser feita com rigor, participação e responsabilidade, e não substituída por soluções impostas, precipitadas ou marcadas por motivações ideológicas.
A FENPROF continuará a defender uma abordagem construtiva e democrática da política educativa, onde a cidadania seja valorizada como um elemento essencial da formação de todos os alunos, e não sacrificada por agendas regressivas ou simplificações perigosas.