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(Perguntas e respostas retiradas do livro "Afinal o que é a Democracia Paritária?" - Ed CIDM, 2003)

Espaço de opinião e debate

22 de outubro, 2008

Espaço de opinião e debate

(Perguntas e respostas retiradas do livro "Afinal o que é a Democracia Paritária?" - Ed CIDM, 2003)

Responda a estas nossas provocações para Correio electrónico. A sua resposta conta!

1ª Pergunta - Se os homens e as mulheres são diferentes por que é que devem ter direitos iguais?

Respostas Recebidas:

Porque homens e mulheres não deixam de ser PESSOAS e porque não são nem superiores nem inferiores uns aos outros. São, simplesmente, diferentes, pelo que devem ter as mesmas oportunidades, tratamento paritário e os mesmos direitos.
Luísa Cordeiro

"Há direitos universais, para todos os géneros, idades, etnias...
Há direitos da pessoas humana, independentemente das suas características...
Há o direito à vida, à liberdade de opinião e de expressão, há o direito à saúde e à educação...
Há o direito à satisfação das necessidades mais básicas e o direito à dignidade...
Mulheres e Homens, todos somos diferentes mas todos tão semelhantes!
Negar direitos a pretexto, por exemplo, de diferenças de género é sintomático de uma enorme falta de respeito pelo "outro"!, seja qual for o seu aspecto."
Paula Velasquez

Primeiro porque são seres humanos, logo iguais entre si.
Depois porque não existe o singular mulher, existem as mulheres, como também não existe o homem, mas sim os homens, e nestas pluralidades todos têm a sua individualidade que por sua vez é diferente de todas as outras o que não faz com que se defenda direitos diferentes para cada uma das individualidades.
Saudade Simões

Resposta tirada do livro referido:

Diferença não é o mesmo que desigualdade.

A diferença traduz-se na não semelhança entre indivíduos e é inerente à diversidade de que as sociedades se compõem. A desigualdade implica fazer decorrer das diferenças uma hierarquização e implica uma subordinação.

Enquanto a desigualdade reflecte imperfeições da organização social, o reconhecimento e a aceitação da diferença é próprio duma vivência democrática.

Homens e Mulheres constituem os dois sexos, diferentes entre si, de que a Humanidade se compõe. E as sociedades, em função das diferenças biológicas entre os sexos, foram construindo ao longo das séculos representações, papéis e expectativas também diferentes para cada um, originando o que tem sido designado como género: género feminino e género masculino.

Nas diferenças entre os géneros se fundamentou, no passado, o reconhecimento aos homens e a exclusão das mulheres dos direitos inerentes à autonomia individual e à cidadania. As mulheres foram consideradas "desiguais" pelo Direito e essa desigualdade traduziu-se numa hierarquia entre uns e outras constituindo os homens o patrão em torno do qual e para o qual a sociedade se organizou e as mulheres, principalmente as mulheres casadas, uma "classe" inferior - com capacidades jurídica diminuída, e, por consequência, discriminada - que deveria tão só submeter-se às normas sociais definidas.

Actualmente, o Direito português, ao considerar ilegal - no quadro dos Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais - a discriminação em função do sexo, reconhece a igualdade de mulheres e homens - as duas expressões concretas do conceito abstracto que é a Pessoa ou as duas componentes da Humanidade - e reconhece que todos os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais são inerentes ao mero facto de se ser Pessoa, Mulher ou Homem.

As diferenças biológicas e as diferenças resultantes duma atribuição social de papeis associados a estas diferenças biológicas, não atingem esse património universal e comum, pelo que não fundamentam nem legitimam a desigualdade perante a lei, nem a desigualdade de tratamento, nem a desigualdade de oportunidades.

Mulheres e homens têm direitos iguais porque a Humanidade se desenvolveu, porque as ciências avançaram, porque as sociedades evoluíram, porque a Justiça e a Democracia são assumidas como ideias em constante aprofundamento. E o Direito, que é uma construção humana, procurou acompanhar e encorajar progressos, avanços, evoluções e aprofundamentos.

Às diferenças biológicas deixaram pois de corresponder estatutos jurídicos desiguais.

A realidade dos nossos dias retirou fundamento objectivo às concepções que atribuem a homens e a mulheres papéis sociais distintos e estanques - os homens como provedores exclusivos do sustento da família e as mulheres como prestadoras exclusivas  de cuidados à família - como adiante se procurará demonstrar.

Hoje não é aceitável que às mulheres corresponda um estatuto com menos direitos do que os reconhecidos aos homens - por exemplo, no domínio do acesso ou das condições de trabalho remunerado - e, simultaneamente, com mais deveres - por exemplo, no domínio das responsabilidades familiares e do trabalho e do trabalho não remunerado.

O chamado "senso comum", que traduz as opções culturais dominantes numa dada sociedade, evolui em função do grau de desenvolvimento desta. Por exemplo, para o "senso comum" da época da Revolução Francesa, os sujeitos dos direitos contemplados pelos princípios de Igualdade e de Direitos Humanos, então formulados, eram apenas os homens - com exclusão dos escravos. Já o grau do desenvolvimento actual não sustenta racionalmente um "senso comum" que aceita a existência da situação de escravatura ou a exclusão de mais de metade da Humanidade - as mulheres - do conjunto dos sujeitos dos Direitos Humanos.

A Igualdade de Direitos e de Oportunidades para mulheres e homens constitui, hoje, um requisito de Justiça e da Democracia, valores fundamentais da sociedade em que vivemos.


2ª Pergunta - Se os homens e as mulheres têm direitos iguais, o que é que as mulheres querem mais? Por que é que ainda se queixam? Não têm já as mesmas oportunidades? Tem sentido continuar este debate? Não está já tudo dito?

Respostas Recebidas:

Infelizmente, tenho consciência que, durante o tempo em que eu viver, nunca estará tudo dito acerca da desigualdade entre mulheres e homens. Enquanto houver ofertas de emprego com a referência M/F, obrigatória por lei, que, ao fim e ao cabo, são só para mulheres ou só para homens, quando a eles alguém se candidata? Enquanto continuar a haver um panorama de desigualdade na distribuição das tarefas domésticas nos lares de todas e todos nós (se é que se pode falar já em distribuição!?)? Enquanto houver violência doméstica nas casas portuguesas... Enquanto o cuidar dos filhos e da casa continuar quase totalmente entregue às mulheres. Enquanto o facto de ser homem puder ser sinónimo de inteira dedicação à carreira, sem o compromisso impeditivo da família e, ao mesmo tempo, subir na carreira enquanto mulher puser em causa a dedicação à família? Enquanto virmos desde tenras idades a imposição do rapaz sobre a rapariga, devido à sua força física, quer empurrando, quer ultrapassando ou sobrepondo-se-lhe? Enquanto se continuar a proporcionar às meninas brinquedos que as preparam para o lar e para a submissão e aos meninos brinquedos que lhes permitem desenvolver aptidões úteis para dominar e intervir? Enquanto a sociedade continuar a caminhar neste sentido, este debate fará sempre muito sentido.
As mulheres conscientes querem muito mais e não se contentam com o pouco que têm. Não se têm contentado ao longo da História e não vão parar por aqui. Porque não existe igualdade de oportunidades e quem o afirmar está cego ou não quer ver.
Somos diferentes, é um facto inegável, mas merecemos tratamentos diferentes por pertencermos a um ou a outro género?! Não creio. Parece-me mais saudável que em vez de limites tenhamos escolhas, em vez de papéis de género possamos preferir, para que diferentes potenciais, independentemente do género, possam ser desenvolvidos e não inibidos, permitidos mas nunca castradores e ajudem à felicidade e bem-estar e não à frustração ou à dor.

Célia Margarida


Se os homens e as mulheres têm direitos iguais, o que é que as mulheres querem mais?

Os homens e as mulheres não têm direitos iguais, eles querem-nos fazer querer que sim, "até está legislado"... mas a mulher foi vitima da cultura machista da sociedade. Esta herança cultural reflete-se em situações tão caricatas como as expressões: mulheres ao volante... eu ajudei a minha mãe a arrumar a casa... As mulheres que trabalham (mesmo as que têm cargos e empregos que requeiram mais cultura ou autonomia) continuam a ter que gerir a casa. São raros os homens que sabem os sitios das coisas lá em casa, pois é a mulher que arruma tudo. O que as mulheres querem?! Eu gostaria que o meu marido soubesse onde se arrumam...

Por que é que ainda se queixam? 

Eu queixo-me por ver uma sociedade tão desiquilibrada: se uma mulher entra num café ainda é olhada de lado, se uma mulher anda sozinha na rua... os cargos de maior relevo nas empresas são ocupados por homens.Vejamos as escolas...

Não têm já as mesmas oportunidades? Tem sentido continuar este debate? Não está já tudo dito?

O debate só irá terminar quando a mulher não tiver a responsabilidade cultural de ser o alicerce da familia: quando falta a mulher as crianças sentem-se o homem desespera e a sociedade fragiliza.
Queremos ter a oportunidade de viver.
Carla Baptista


Quando falamos no facto das mulheres terem já as mesmas oportunidades, estamos certamente a falar no plano teórico e legislativo. Nestes campos já demos passos muito grandes, mas quando falamos da sua aplicação prática o caso muda de figura. Vejamos a situação dos salários das mulheres-"para trabalho igual salário igual"(direito consagrado na constituição da República), segundo estudos realizados verifica-se que este direito está longe de ser uma realidade; ainda há pouco um programa televisivo mostrou o que se passa na indústria corticeira.Outro exemplo da nossa realidade prende-se com o número de mulheres a quem é dada a oportunidade de exercerem um cargo de chefia, facto este que não se prende com as suas capacidadesou falta delas , pois são de mais reconhecidas, mas com o facto de serem mulheres, mães, donas de casa....
Será que não faz sentido continuar este debate?
Dulce Arrojado


Não está tudo dito. Faz todo o sentido continuar este debate porque a "igualdade de direitos" é uma conquista feminina muito recente.
Ainda há bem pouco tempo as operárias dos campos e fábricas ganhavam menos que os homens por trabalho e horário iguais e a reforma também era atingida com idades diferentes.
A escolarização feminina começou há pouco mais de um século e com o objectivo de as mães ensinarem os filhos e não o de serem mais cultas. Logo não há uma tradição antiga de igualdade de oportunidades.
Agora se procurarmos exemplos práticos então não vai sobrar espaço em qualquer publicação. Querem ver? Vou dar apenas dois exemplos simples que façam sorrir apesar da seriedade do tema:
Uma amiga minha, casada, mãe, próximo dos cinquenta anos, comprou para seu transporte pessoal um pequeno descapotável que sempre desejou. Fazem alguma idéia da quantidade de comentários que teve ouvir, ainda que delicados, por parte dos e das colegas de trabalho?
Experimentem como eu usar cabelo comprido, com bom corte, tratado, pintado de vermelho vivo e fazer a vida normal na qual incluo compras e até algumas negociações de acordo com o projecto de vida... mas sem a companhia do marido numa primeira abordagem...
Temos a tendência para fazer juízos de valor segundo códigos ancestrais.
Temos que continuar o debate sim porque os direitos à igualdade e de oportunidades, para serem adquiridos não basta que estejam escritos, é preciso protegê-los e exercê-los de forma livre e responsável.
Ainda há longos caminhos, se nos perguntam em candidaturas a qualquer coisa por exames clínicos, hábitos pessoais e um sem número de informações da esfera privada de cada pessoa então prova-se que é preciso mais que nunca estar atento e proteger estes direitos das pessoas.
Maria Antónia Cunha


 

As mulheres têm os mesmo direitos que os homens, à luz da legislação. Contudo, é óbvio que esses direitos não funcionam, na maior parte dos casos, por pressões não legislativas, mas que resultam, sobretudo, de questões culturais. Ou seja, as oportunidades, que deviam ser iguais, acabam por ser sabotadas pelo cabotinismo que existe enraízado na sociedade. Logo, o debate deve continuar e mais que o debate, a educação social deve funcionar.
João Cravo


Os homens e as mulheres não têm direitos iguais. Nem no emprego nem na vida. É por isso que faz sentido continuar o debate.
Há que distinguir dois planos da questão: um é o do discurso e até o da legislação, o outro o das mentalidades, o da vida quotidiana e neste, as situações de discriminação mantêm-se. Se não vejamos:

No trabalho:

- Há ainda empresas que não admitem mulheres quando afirmam querer ser mães
- Há mulheres com contratos precários que, para manterem o emprego, abdicam do seu direito à amamentação
- Enquanto que é comum uma empresa admitir um homem na casa dos 40, o mesmo já não acontece com as mulheres
- ...

Em casa:

- As tarefas domésticas continuam a ser olhadas (mesmo pelos jovens) como trabalho das mulheres. Mesmo nas famílias em que há partilha de tarefas, os filhos e o marido "ajudam", o que tem implícito que a tarefa não é sua.
- Quem continua a ficar em casa quando o filho está doente são as mulheres. Tratar dos filhos continua, no fundamental, a ser visto como uma função da mulher.
- ...

Na intervenção política e social:

- O número de homens na vida pública (Governo, Asssembleia da República, sindicatos, associações culturais e recreativas...) continua a ser muitíssimo maior do que o de mulheres, o que tem implítito que a sua disponíbilidade, nos vários planos da vida, é incomensuravelmente maior

Na língua:

- Também aqui se reflecte a mentalidade dos povos: Homem para designar Humanidade é um exemplo acabado

E, por fim, continua a ser verdade que, na sociedade em que vivemos, o homem continua a ser olhado, também por muitas mulheres, como "o chefe da família". Experimenta, num documento oficial, na parte filho de ... e de ... colocar primeiro o nome da tua mãe...
Francisca Daniel


A consagração em legislação de direitos iguais infelizmente não determina a existência efectiva de igualdade entre homens e mulheres. O primeiro passo, na conquista da igualdade de género tem de ser a alteração das leis mas há sempre, um longo caminho para percorrer e é isso que as mulheres pretendem, mudar mentalidades, mudar atitudes e comportamentos enfim consagrar a igualdade em cada gesto e em cada palavra. As mulheres continuam a queixar-se com todo o fundamento porque são discriminadas das mais diversas formas, umas suficientemente evidentes para poderem ser denunciadas como nas dificuldades no acesso ao emprego, nos níveis salariais mais baixos, no desrespeito pela protecção na maternidade, nas dificuldades de conciliação entre a vida profissional e familiar e outras mais camufladas e por isso mais difíceis de resolver e que respeitam as mentalidades e o sistema de valores ainda vigente e que estão na maior parte dos casos muito presos aos estereótipos sociais. Por tudo isto as oportunidades entre rapazes e raparigas não são as mesmas à partida, valendo a pena continuar o debate porque muita há ainda por dizer e fazer.
Isabel Cardoso e Mónica Vieira


Por um lado, se, em alguns países, em termos de legislação, os mesmos direitos poderão estar consagrados para homens e mulheres, outros há em que isso está muito longe de acontecer. Por outro lado, naqueles em que já se caminhou no sentido certo no que às leis diz respeito, ainda há um longo caminho a percorrer para que os direitos previstos na lei sejam, de facto, efectivados. Todos e todas sabemos que vai uma distância abissal entre o que está escrito e aquilo que, na realidade, se pratica, porque as mentalidades levam muito tempo a mudar.
Só quem é autista é que não vê, no terreno, a verdadeira situação de discriminação existente e a ausência de oportunidades iguais para ambos os sexos, pelo que considero que este debate ainda está no início e, por isso, há que prossegui-lo com determinação e muita dedicação. 
Luísa Cordeiro
 

 

Provavelmente não está tudo dito, nem percepcionado, nem consumado. A liberdade requerida e conquistada a cada dia, a cada pulsar, no que implica de construção individual diferenciada tem encontrado muros, muitas vezes camuflados e invisíveis pelas práticas e padrões culturais estabelecidos.
As mulheres não querem mais do que lhes é legítimo, aspirarem como humanos na consciência do que dignifica e ilumina a própria natureza das suas vivências. Formalmente ou legalmente temos todos/as os mesmos direitos, estatuto ainda não consagrado a outros países e comunidades. O debate continua a justificar-se, possivelmente com novas perspectivas e questões, algumas politicamente incorrectas. Os papéis sexuais, os estereótipos, a ideia de amor romântico e sacrificado, a dependência emocional, a(s) pobreza(s), os baixos índices de escolaridade e de valores democráticos, as políticas educativas, culturais e sociais, a baixa tolerância à frustração, à solidão, às emoções negativas, a ilusão de poder e da afirmação do ego continuam a cada compasso do relógio e na intimidade de cada um a turvar a visão, a moldar a desigualdade de oportunidades, a desigualdade dos direitos humanos, marcados tantas vezes por um bem-estar precário e alucinado.
A cada humano, mulher ou homem é necessária na consequência da alegria colectiva e evolutiva a criação de condições, a aplicação de medidas contundentes que visem a afirmação plena e harmoniosa dos seus projectos individuais e cívicos. É necessário o tempo e o espaço para a reinvenção, para os estímulos e as circunstâncias da descoberta de ser pessoa singular, onde a diferença é um bem e não uma ameaça.
Laíz Vieira - Ilha da Madeira


No meu ponto de vista, continuamos nós Mulheres, a ter uma desigualdade brutal relativamente ao Mundo do "Homem". Faz todo o sentido continuar a batalhar por direitos iguais na medida em que existe ainda muito a fazer...Continuamos a ser "escravizadas" por uma sociedade que não nos confere os mesmos direitos e que descarrega sobre nós uma carga massiva de responsabilidades, sem que tenhamos por isso uma posição mais previligiada.
Mas mesmo assim, aguentamos, resistimos e continuamos na Esperança e na Luta de obter uma igualdade. Nós somos capazes.
Tânia Almeida


Penso que também são desiguais, quererão o respeito pelas diferenças? Confundem-se os conceitos de igualdade de direitos e oportunidades com o respeito pelas diferenças dos sexos e suas vicissitudes, a este facto acrescem os tabus profissionais gerando maiores dificuldades na aplicabilidade da igualdade de direitos, nomeadamente nas profissões tradicionais, como por exemplo aquelas ligadas à construção civil. Uma mulher pedreira(o)? Assim e para cada Profissão deveria existir uma tipificação com base em competências especificas e genéricas que permitisse aferir, independentemente do sexo, a adequação da pessoa à respectiva profissão.
Sónia de Jesus



Resposta tirada do livro referido:

Antes de mais, não se trata de as mulheres quererem mais ou quererem menos. Não se trata de um assunto que só interesse às mulheres, do mesmo modo que a abolição da escravatura não interessou só aos escravos, ou o combate ao racismo não interessa só às comunidades de minorias étnicas.

Trata-se de saber como é que um todo social aceita que sejam postos em prática os valores em que proclama fundar a sua civilização e as normas através das quais, democraticamente, escolheu reger-se.

Trata-se, enfim, de saber qual a importância e a prioridade que um todo social confere ao modo como são prosseguidos, no quotidiano, os objectivos decorrentes das suas opções essenciais.

Constatando-se que em matéria de igualdade de oportunidades ? como adiante se exemplificará ? entre a situação de direito e a situação de facto a distância ainda é grande ? nuns casos, com prejuízo para as mulheres (participação no mercado de trabalho, na gestão empresarial ou na vida pública e política) noutros, com prejuízo para os homens (participação na vida familiar) ? constitui dever de cidadania dos homens e das mulheres, individual e colectivamente, e obrigação do poder político democrático promover tudo quanto esteja ao seu alcance para anular aquela distância.

Em Portugal, como em todo o mundo, existe desigualdade entre mulheres e homens.

Em prejuízo das mulheres:

As mulheres têm menor presença no mercado de trabalho, nos níveis superiores de qualificação profissional, na gestão das empresas, nos cargos dirigentes da Administração Pública.

É maior o seu peso entre as pessoas que não têm oportunidade de frequentar a escola ou não detêm qualquer grau de instrução, nas profissões pior remuneradas, entre as pessoas que auferem salário mínimo, nos contratos a termo, no desemprego ? principalmente nos grupos jovens e nos desempregados de longa duração. No seu conjunto, ganham, em média, menos do que os homens.

No que se refere à participação política, as mulheres constituem 8% no primeiro Parlamento livremente eleito (1975), taxa que ainda decaiu depois, para só vir a subir quase vinte anos mais tarde ? 12,2% em 1995.

A sua presença nos diversos Governos tem sido pouco mais do que simbólica "umas escassas cinco dezenas de mulheres para mais de um milhar de homens" o mesmo se verificando nos órgãos dirigentes dos partidos políticos ou noutras instituições de maior relevo do sistema democrático.

As mulheres, mesmo as que têm actividade profissional, ocupam muito mais tempo do que os homens com tarefas invisíveis, não remuneradas e socialmente desvalorizadas, de apoio à vida familiar.

Em prejuízo dos homens:

Os homens enfrentam grandes resistências à plena concretização do seu direito à vida privada e à família:

- São as entidades patronais que dão como adquirida a sua integral disponibilidade para a actividade profissional;

- É grande parte da sociedade que dificilmente retira todas as consequências do reconhecimento constitucional da igual dignidade social da paternidade e da maternidade.

É pois frequente que os homens se vejam privados de usufruir plenamente a vida familiar e de nela participar activa e permanentemente.

Os homens enfrentam igualmente dificuldades para serem aceites para o desempenho de profissões ditas "femininas", como as ligadas a actividades de secretariado, de educação de crianças ou de cuidados a idosos.

Sobre os ombros dos homens pesa ainda o dever principal de sustentar uma família. E, mais do que sobre os das mulheres, pesa a expectativa social de uma carreira profissional de competição e de sucesso, o que pode constituir factor de limitação da liberdade individual e mesmo de opressão.

Assim, há as leis e há os factos. E os factos demonstram que as leis por si só não chegam se o seu cumprimento não for sempre exigido e se a sua aplicação não for adequada.

Nem as mulheres nem os homens têm tido, de facto, as mesmas oportunidades.

Porém, para as mulheres e qualquer que seja o seu grupo social, as consequências deste facto traduzem-se na sua maior vulnerabilidade, na sua menor autonomia e menor mobilidade, em escolhas profissionais mais limitadas, no seu menor acesso directo ao dinheiro, ao crédito e à propriedade, na menor valorização do trabalho não remunerado que executam e no menor acesso à participação nos processos de decisão económica e política.

E como conjunto de pessoas com interesses próprios decorrentes da desigualdade estrutural, as mulheres, apesar de constituírem a maioria da população, não têm suficiente visibilidade, nem peso bastante para contarem de modo significativo como ?clientes? ou destinatárias das opções e dos investimentos inerentes à organização social.

Em termos mundiais, a avaliação realizada para a Conferência de Pequim - IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres - demonstra que a desigualdade em desfavor das mulheres subsiste.

Algumas das áreas-chave em que tal é patente são, por exemplo, a educação, a saúde e a participação na vida económica e na vida política.

Assim, embora o nível educacional das mulheres tenha aumentado nas últimas décadas em todo o mundo, elas são ainda a maioria da população analfabeta ? cerca de 2/3 do total ? e acedem de modo desigual aos vários patamares de educação. Esta desigualdade tem consequências não apenas na sua situação, mas, também, na das suas famílias e na própria sociedade. É hoje claramente reconhecido que o nível de instrução das mulheres tem reflexos profundos no número de filhos, na taxa de mortalidade e na saúde infantil, na participação no mercado de trabalho e no crescimento económico.

Na área da saúde, os dados mostram que o investimento na saúde das raparigas e mulheres é ainda insatisfatório e que, embora a esperança de vida seja maior e as taxas de fertilidade e de mortalidade infantil tenham diminuído, a taxa de mortalidade materna mantém-se elevada. Por outro lado, cerca de 300 milhões de mulheres continuam sem acesso a um planeamento familiar de qualidade.

Os dados mostram ainda que, em certas regiões do mundo, as crianças do sexo feminino são discriminadas em cuidados de saúde e nutrição e que há novas formas de discriminação que as afectam particularmente. Como é o caso da selecção sexual pré-natal, do aborto e infanticídio praticados contra seres do sexo feminino, como forma de controlo da população. As estatísticas apontam já claramente um desequilíbrio demográfico futuro de consequências gravíssimas no conjunto da sociedade.

No que se refere à vida económica, os números demonstram que a melhoria da situação das mulheres é limitada, apesar da sua progressiva entrada no mercado de trabalho formal. Embora as mulheres representem cerca de 41% dos trabalhadores nos países desenvolvidos e 34% em todo o mundo, ganham em média 30 a 40% menos que os homens. São, por outro lado, aquelas que mais facilmente e por mais tempo ficam desempregadas.

Importa ainda ter em conta que as mulheres estão largamente representadas no chamado sector informal da economia exercendo actividades frequentemente não visíveis, não valorizadas nem sequer contabilizadas e desprovidas de protecção social.

Na vida política e na partilha do poder de decisão é patente a persistência de desigualdade pesem embora todas as declarações políticas a favor da igualdade. Como se de um bastião masculino se tratasse, a vida política permanece quase inexpugnável à participação das mulheres.

O que deveria ser a normalidade da vida democrática, isto é, a igual participação política de homens e de mulheres, é apenas a excepção. Uma excepção que teima em não evoluir mas antes em manter-se a todo o custo.

Efectivamente, de 1975 para 1994, a participação das mulheres nos Parlamentos a nível mundial desceu de 12,5% para cerca de 10%, após um máximo(!) de 14,8% em 1988. Em 1997, as mulheres representavam apenas 11,7% do total dos parlamentares a nível mundial. A participação das mulheres nos Governos é inferior a metade deste valor.

Não obstante uma tomada de consciência e uma evolução social que valorizam a participação enquanto requisito democrático, nas últimas décadas não parece haver evolução digna de registo no que respeita ao acesso das mulheres à vida política.

O aumento da participação na educação e na vida económica, social e cultural não teve reflexo equivalente na vida política, como se esta fosse um reduto inatingível ou um obstáculo intransponível para a metade feminina da Humanidade. Os exemplos de sucesso que a História regista não passam de excepções a uma regra que se mantém inalterada.


  

3ª Pergunta - Se, em concreto, os papéis duns e doutras são diferentes, não é natural que haja desigualdades na situação real dos homens e das mulheres? 

Respostas Recebidas:

As mulheres e os homens são diferentes, mas as tarefas a desempenhar podem ser iguais ou equivalentes. Por uma questão cultural somado às necessidades actuais da mulher trabalhar fora de casa e se achar legitimamente com direito a carreira e não depender economicamente de outrem. A mulher tem menos direitos porque trabalha mais horas e normalmente assume as tarefas, além do seu emprego, as domésticas e gestão da casa e filhos.

Os homens ainda estão pouco sensibilizados para esta realidade e sentem que é obrigação da mulher realizá-las.

Isabel Branco Pires


 

Embora reconheçamos as diferenças naturais de ambos os sexos e os diferentes papéis que assumem na nossa sociedade, e não queremos que sejam, de forma alguma esquecidas, mas sim, sempre que possível, valorizadas, achamos que a questão tem de se centrar no direito à Igualdade de Oportunidades. A reevindicação tem de se focalizar na questão no direito de aceder a tudo aquilo que, até agora, estava confinado ao mundo no masculino, quer por questões sociais, quer por questões culturais, quer até por questões históricas, tradicionais e até, por que não dizê-lo, por posições economicistas e polítcas masculinizadas. A luta não é fácil, dado a própria mulher ser, muitas vezes, o seu maior inimigo, por isso a necessidade de trabalhar, informar, alertar, despertar as consciências dos/as jovens para a realidade do nosso país, que, pertencendo a um continente, por tradição, considerado de cultura e sociedade de 1º mundo, muitas vezes não corresponde a estes mesmos ideias, encobrindo um atraso de décadas em relação a outras nações, nesta matéria, através de uma atitude puramente masculina de condescendência  paternalista. Nós não queremos concessões, queremos direitos iguais e oportunidades iguais. Gostaríamos, pelo menos, de poder escolher o nosso próprio futuro e percurso de vida.
Judite Barros Costa Cardoso
Escola Secundária da Ribeira Grande   S, Miguel Açores



Resposta tirada do livro referido:

 

Só nos aspectos biológicos ligados à maternidade e à paternidade, os papéis das mulheres e dos homens são naturalmente distintos. No que respeita aos papéis sociais, não existem diferenças naturais ou sequer diferenças inevitáveis.

Como atrás se referiu, os diferentes papéis sociais atribuídos às mulheres e aos homens foram construídos com base nas diferenças biológicas entre os sexos; porém, tal não significa que se deva continuar a aceitar e a perpetuar acriticamente estes papéis, sobretudo quando o direito deixou de discriminar as mulheres e reconhece a igualdade de oportunidades em todos os domínios da vida.

De facto, estes papéis sociais não nasceram espontaneamente. Não são naturais.

São modelos de comportamento individual e de relacionamento colectivo socialmente construídos.

Foram determinados pela organização social, que também não é natural mas artificial e construída.

É conhecido que a organização social aprofundou as diferenças entre homens e mulheres e os confinou em mundos diferentes, com fronteiras rígidas: o espaço público para os homens, o espaço privado para as mulheres. Considerava-se que o trabalho dos homens era fora de casa: cabia-lhes decidir sobre a organização social, definir um código de conduta e ganhar dinheiro para sustentar a família. O trabalho das mulheres era dentro de casa: cabia-lhes tratar da organização do quotidiano doméstico e cuidar dos filhos. O seu acesso ao domínio público, e ao dinheiro ? salvo nos casos em que tinha rendimentos próprios e direito a os administrar ? realizava-se através do marido.

Os homens detiveram assim o poder do espaço público e por isso foram determinando toda a organização social à medida da sua interpretação do mundo, segundo os seus padrões e as suas expectativas, reproduzindo as suas concepções e os seus interesses, definindo e fixando à sua maneira e pela sua perspectiva o que deveria ou não ser considerado ?natural?.

Com a autonomia jurídica reduzida e sem independência económica, onde estava a igualdade das mulheres, como parte, neste contrato social de género?

Entretanto, por motivos que se prenderam essencialmente com a ocupação dos homens na guerra, as mulheres passaram a trabalhar fora de casa e a intervir no espaço público. Um espaço que não contava com elas, que não tinha sido organizado para elas e a cujo modelo tiveram de se submeter. E as mulheres ? confrontadas simultaneamente com a necessidade de adaptação unilateral a um espaço que lhes era estranho e a obrigação de continuar a desempenhar o papel que sempre lhes fora e continuava a ser exigido ? pagaram um preço desmedido, que só elas conhecem, pelo direito ao exercício de trabalho remunerado e à autonomia económica. Em contrapartida, os desempenhos sociais concretos das mulheres e dos homens começaram a deixar de coincidir com papéis fixos. E a organização social que segregara essa fixidez deixou de responder às expectativas e às necessidades das comunidades de hoje.

Actualmente, como já se referiu, a lei reconhece às mulheres e aos homens, em igualdade de oportunidades e de responsabilidades, quer o direito ao trabalho remunerado ? que garante a autonomia e a independência económica ? quer o direito à vida familiar que garante o equilíbrio emocional e a gestão harmoniosa dos afectos.

Não há, portanto, justificação para que tanto às mulheres como aos homens não seja pacificamente reconhecido o direito que têm a que nenhum dos mundos lhes seja estranho ou hostil. O direito que têm a construir ambos os mundos e a fazê-los seus, sem redutos de exclusão nem papéis menores.

E porque para ambos estes mundos deverão, pois, mulheres e homens, contribuir com as suas capacidades e talentos, com o seu trabalho e com os seus saberes, em efectiva igualdade de oportunidades, haverá que, coerentemente, possibilitar a todos ? sejam homens ou mulheres ? competências de idêntica natureza para o ?saber estar? e o ?saber fazer? em cada um destes mundos. Não é admissível continuar a limitar ou a pré-determinar as pessoas segundo padrões ultrapassados ? porque ?sempre assim foi e há-de ser?, porque assim é que ?deve ser? ? ou segundo vontades e interesses que ninguém cuidou de saber se eram gerais.

Dar asas para a vida, às mulheres e aos homens Do mesmo tamanho e com a mesma capacidade de adaptação. Porque só assim a direcção e o alcance do voo são uma escolha. Não uma fatalidade. Ou uma culpa. Por violação de áreas interditas ou por incumprimento de obrigações exclusivas.

É tempo de retirar da lei todas as suas consequências.

 


4ª Pergunta -  Não será preferível deixar que os comportamentos evoluam naturalmente? Afinal porque se mantém a situação? E quem quererá alterá-la?

Resposta tirada do livro referido:

A evolução dos comportamentos nas sociedades não se faz "naturalmente", mas através de tomadas de consciência, da participação dos cidadãos, de reformas ou de revoluções.
Toda a mudança é introduzida "artificialmente" na ordem social.
Quando lascou a primeira pedra, acendeu a primeira fogueira, articulou o primeiro som dotado de significação ou lançou o inconformismo e alterou o que parecia "natural"!
As cidades, os regimes políticos, as tecnologias, o progresso material, intelectual e moral, o simples crescimento populacional, só têm vindo a aprofundar esta via.
As instituições políticas as circunscrições eleitorais, o método da representatividade ou de financiamento dos partidos políticos? - nada têm de "natural".
A própria Democracia é uma invenção dos seres humanos. Não resulta de uma evolução "natural", pelo contrário, é mais uma manifestação de inconformismo.Não tem pois grande sentido continuar a argumentar que é necessário "dar tempo ao tempo". Como se a evolução das civilizações fosse um dado natural e prosseguisse inelutavelmente à margem da vontade das pessoas.

Quem ganha e quem perde com esta inércia?Não parece que haja ganhadores.

Não empregar mulheres porque têm ou podem vir a ter filhos, limitar-lhes a progressão profissional ou desrespeitar a norma de salário igual para trabalho de igual valor, além de ilegal e injusto, é desperdiçar recursos humanos que podem traduzir-se numa mais valia para a competitividade das empresas e numa riqueza acrescida para a comunidade. É exercer um constrangimento inadmissível à reposição das gerações numa negação absurda da existência de todos e cada um de nós.

É hipotecar criminosamente o futuro de toda a sociedade.

Assumir que os homens não têm direito à vida familiar e que estão sempre disponíveis para o trabalho, além de ilegal e injusto, é retirar às empresas dimensão humana e, consequentemente, a qualidade total indispensável à sua sustentabilidade.

Considerar que o apoio à vida familiar é "tarefa para as mulheres" e "das mulheres" - mesmo quando estas também contribuem para o rendimento familiar com o seu trabalho remunerado - é falta de respeito pelo esforço quotidiano e pelo valor do trabalho invisível e não remunerado que mantém a vida da família. É falta de respeito pelo direito ao tempo livre da mulher com quem se partilha um laço fundado no afecto e no respeito mútuo entre seres livres com direito a igual autonomia e auto determinação. E priva as crianças de cuidados indispensáveis ao seu desenvolvimento harmonioso. E os idosos de apoios com que teriam direito a contar.

Perpetua modelos de comportamento desajustados no tempo e objectivamente injustos. Cria condições para a desestabilização da família, para o desfazer dos laços afectivos e para a sua desagregação.

E pode ser ilegal. Por violação dos deveres de partilha proporcional de responsabilidades familiares do contrato conjugal.

Numa sociedade democrática, quem abusa da posição dominante não pode ser considerado um ganhador. É um prepotente que não tem qualidade humana sequer para saber partilhar a vida com quem escolheu.

Mas, se há ganhadores, há, seguramente, perdedores.

Perde a sociedade em geral - em ideal de justiça, em prática democrática, em exercício generalizado da cidadania, em consciência cívica, em desenvolvimento, em dignificação dos seres humanos, em força de trabalho, em talentos, em diversidade, em inovação, em recursos, em competitividade, em cobrança de impostos, em financiamento para os sistemas de segurança social, em prestações sociais para as quais não houve descontos, em progresso, em bem-estar.

E, com uma situação concreta que lhes limita direitos e não lhes alivia as obrigações, continuam a perder as mulheres.

A situação manter-se-á enquanto as pessoas e os detentores do poder político a suportarem. E cada vez menos as pessoas estão dispostas a aceitar que a sua vida e a sua autonomia sejam determinadas por aqueles que não respeitam a autonomia dos outros seus iguais.

E quem quer alterar este estado de coisas?

Em termos colectivos, diversas Organizações Não Governamentais desenvolvem actividades que visam contribuir para uma sociedade que confira igual dignidade ao exercício da cidadania pelos homens e pelas mulheres. Muitas vezes com êxito, quase sempre com grandes dificuldades, sobretudo no que se refere à visibilidade das suas acções.

E os detentores do poder político investem adequadamente para alterar a situação?

Resolvida na lei a questão da igualdade formal de todos os seres humanos, os detentores do poder político só muito lenta e timidamente têm reconhecido a necessidade de serem criadas condições para a concretização da igualdade real. Os indicadores estatísticos provam-no à saciedade. E embora nos Estados de Direito todas as leis sejam para cumprir, umas cumprem-se mais que outras.

Em Portugal, no entanto, foram dados recentemente passos importantes que as pessoas e as organizações interessadas na mudança devem apoiar. Assim, na revisão constitucional de 1997,

a promoção da igualdade entre homens e mulheres passou a integrar as tarefas fundamentais do Estado;

foi incluído, no âmbito dos direitos, liberdades e garantias individuais, o direito à protecção do Estado contra todas as formas de discriminação;

aos trabalhadores, passou a ser reconhecido, sem distinção designadamente de sexo, o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;

foi acrescentado à disposição sobre Paternidade e Maternidade um novo um número, nos termos do qual, a lei regulará a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar;

foi expressamente consagrado que a participação directa e activa de homens e mulheres na vida política é condição e instrumento fundamental do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo na acesso a cargos políticos.

Com estas emendas, a Constituição reforça caminhos para a concretização da igualdade e reconhece que a democracia só se alcança se poderes e direitos forem exercidos em igualdade, e se os deveres forem partilhados, em igualdade, pelos homens e pelas mulheres.

Importa ter presente que, para todos os efeitos, a categorização dos sexos e a sua hierarquização com base nas diferenças biológicas, a atribuição social ao longo dos tempos de papéis específicos e imutáveis a cada um, gerou diferenças de género, nas concepções, nos interesses, nos padrões e nas opções.

Se, apesar da população ser maioritariamente constituída por mulheres, o poder político continuar a ser quase exclusivamente exercido por homens, continuarão a ser estes a definir o "interesse geral" a partir da sua perspectiva unilateral. O que obviamente não assegura que aquele "interesse geral" inclua e respeite, de modo equivalente, os interesses das mulheres consideradas como um conjunto, tanto mais que até agora têm sido sempre os homens a definir esses interesses.

Sendo a promoção do respeito pelo interesse geral e do bem estar social fundamento de legitimação do poder politico nas sociedades democráticas, a introdução de garantias que assegurem uma perspectiva verdadeiramente global e não falaciosamente neutra, só pode melhorar a qualidade da democracia e, também por isso, a qualidade de vida.


5ª Pergunta -  Obrigar por lei os homens e as mulheres a partilharem os poderes e os deveres de diversa natureza não viola a liberdade individual? Não cria situações de injustiça? Não prejudica quem possa ter mais mérito?

Resposta tirada do livro referido:

Numa sociedade que se pretende justa e democrática, todos devem ter as mesmas oportunidades para aceder ao poder.

Não é justo nem democrático que para metade da sociedade exista, ao arrepio da lei, a expectativa social de que deverá exercer as tarefas da vida privada indispensáveis à sobrevivência do todo, para que a outra metade, aliviada desse encargo, se possa dedicar às tarefas da vida pública, designadamente ao exercício do poder.

Se apenas as mulheres sem responsabilidades nas tarefas da vida privada, e estas são a minoria, puderem aceder à vida pública, não há igualdade de oportunidades. E o direito de gozo reconhecido a todos. É de exercício impossível para a maioria das mulheres.

Então conclua por si perante estes factos:

Em Portugal, em cada 100 pessoas, 52 são mulheres e 48 homens.

Todavia:

Em 1992, por cada 100 portugueses filiados nos principais partidos parlamentares, cerca de 25 eram mulheres.

Em 1995, por cada 100 deputados eleitos para a Assembleia da República apenas 12 eram mulheres.

Em 1995, dos 58 membros do Governo então empossados apenas 5 eram mulheres: 3 ministras e duas secretárias de Estado. Actualmente há apenas 2 ministras e 4 secretárias de Estado.

Em 1997, nas eleições autárquicas, dos 305 presidentes de Câmara eleitos só 12 eram mulheres.

Em 1994, na quota portuguesa para o Parlamento Europeu, que corresponde a 25 pessoas, foram apenas eleitas 2 mulheres.

E já agora, abordando a questão das quotas, acharia bem que sendo Portugal um Estado membro da União Europeia, não tivesse direito a determinado número de deputados no Parlamento Europeu? É uma quota!

Achava normal que não houvesse um Comissário português? É uma quota!

Ou que não houvesse um determinado número de funcionária(o)s portuguesa(e)s a trabalhar em Bruxelas ou no Luxemburgo? É uma quota!

E porquê mais deputados pelo Minho do que pelo Alentejo? Simplesmente porque há mais população no Minho. É uma quota!

Porquê reivindicar que haja tantas mulheres quantos homens no poder político?

Simplesmente porque elas são mais de metade da população.

Ninguém gosta de não ser escolhido. A esta não é uma questão individual, é uma questão de sociedade. E é legítimo que, em certos casos, a sociedade procure mecanismos reguladores para atingir equilíbrios que são essenciais para o bem da própria sociedade no seu conjunto.

Aliás, toda a organização social assenta numa lógica de quotas. Das quotas nas trocas comerciais ao acesso ao ensino superior, da exploração dos mares às ondas hertzianas, das organizações internacionais à divisão dos círculos eleitorais?

Mas voltando às quotas, e porque é um argumento habitual, se fosse consigo, acharia bem não ser escolhido num concurso profissional porque a sua quota estava esgotada?

De qualquer modo, e por injusto que pareça, não ser escolhido acontece no dia a dia de todos nós. Quando há promoções num serviço, se houver apenas uma vaga e dois candidatos, só um pode ser escolhido. E até podem ambos ter muito mérito.

Mas um qualquer critério promoveu e preteriu o outro. Porque nem todos podem ter tudo, embora as aspirações sejam sempre legítimas. Agora o que não podem é ser sempre os mesmos a ter tudo.

De resto a nossa vida profissional é, toda ela, condicionada por "quotas", sejam elas quadros de pessoal, vagas, concursos, ou a mera vontade de quem decide.

Existem quotas invisíveis, não escritas, não de direito mas de facto, inconscientes ou subliminares. Só na vida política aos homens continua a corresponder uma quota de facto que ronda os 90% ou mesmo mais. Porque é que estas situações não levantam o mesmo tipo de protestos? Nem levantam as questões do mérito, ou o sarcasmo e a humilhação de que se ocupa um posto pela quota e não pelo mérito?

Queremos acreditar que é porque se tem reflectido pouco sobre estes temas.

Hoje existe a convicção de que é preciso mudar: O que ontem foi progresso hoje deixou de satisfazer.

Repare-se na relevância que agora têm as questões ambientais. Quem é que há uns anos atrás se preocupava com a separação do lixo por "categorias", com a camada do ozono ou com o desperdício da água?

Também hoje aproveitar todos os recursos humanos, com o seu potencial de diversidade e de inovação, é indispensável para a salvaguarda da democracia e dos valores da justiça e solidariedade, para a concretização dos direitos humanos e para o combate a todas as formas de exclusão social e política - racismo, xenofobia, fundamentalismo, obscurantismo, sexismo.

 

6ª Pergunta -  Será possível interessar os homens e as mulheres por este objectivo?

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