Nacional
Reitor da UTL

Entrevista com o Prof. José Lopes da Silva

07 de abril, 2003

JF/Sup Que balanço faz do mandato que agora está a terminar, como Reitor da Universidade Técnica de Lisboa?
Prof. José Lopes da Silva (JLS) Este mandato decorreu numa conjuntura marcada  por vários desafios colocados à Universidade. Os  mais importantes foram, sem dúvida, os de natureza financeira , com o deslizamento do OE ao longo destes anos e nomeadamente em 2002, que foi um ano de crescimento nulo, prevendo-se para 2003 um crescimento negativo.
É evidente que outros desafios se apresentaram, como por exemplo, os da redução demográfica, com a vincada diminuição do número de alunos, o que, aliás, também tem consequências no plano financeiro e ao nível da vida e da dinâmica da Universidade.
Nestes últimos anos assistiu-se a uma maior oferta de cursos e também a alguma concorrência, em condições desiguais, uma vez  que as exigências também não são iguais...

JF/Sup O que é que mudou na UTL nos últimos anos?
JLS Estes quatro anos permitiram dar um reforço institucional à Universidade, na sequência de uma política já iniciada e posta em marcha por reitores anteriores. Foi possível contribuir para uma maior aproximação entre as várias escolas da Universidade, apostando no trabalho, na reflexão e em projectos conjuntos. Refiro-me a projectos de natureza gestionária, de natureza pedagógica e de natureza científica. Foram alargados os âmbitos em termos científicos. Abriu-se aos alunos a possibilidade de se inscreverem em cadeiras de opção noutros estabelecimentos de ensino da Universidade.
Foi possível estabelecer esquemas de gestão abrangendo mais do que uma escola, em particular na rede de bibliotecas e de informática, para citar algumas áreas. No caso do Polo da Ajuda fizemos contratos globais, rentabilizando equipamentos e estruturas.
Ao nível da Reitoria, fizemos um esforço de melhoria da gestão, aproximando dois departamentos a Acção Social Escolar e os serviços específicos da Reitoria. Embora mantendo as suas estruturas e os seus quadros, optámos por uma só direcção de pessoal, uma só tesouraria, uma só contabilidade, um só serviço de obras, tendo como objectivo central a rentabilização e um melhor aproveitamento de recursos.

JF/Sup Escolha-nos uma matéria que considere mais relevante, olhando para a vida da UTL nos últimos anos
JLS O ponto mais importante deste mandato terá sido, em vários domínios, a aproximação de escolas e a sua participação em acções conjuntas, perspectiva que poderá ser reforçada no futuro.
Continuaremos a trabalhar para a criação de um observatório do sucesso e do insucesso educativo, o que só não se concluiu por dificuldades financeiras. É um projecto que está de pé e que poderá vir a desempenhar um papel pedagógico muito importante para a UTL.
Gostaria de lembrar o conjunto de actividades inseridas nos 70 anos da Universidade Técnica de Lisboa. Essas actividades também concorreram  para aproximar as escolas, para dar a conhecer melhor a Universidade ao exterior e as capacidades culturais e desportivas da própria Universidade.
Já está no terreno uma associação de funcionários da UTL, constituída por docentes e não-docentes. Por seu turno, as associações de estudantes criaram a Associação Académica da UTL, que tem realizado algumas iniciativas. Pela primeira vez tivemos equipas representativas da Universidade em provas desportivas. Posso sublinhar o caso da vela, com a participação em competições internacionais universitárias e temos este ano uma equipa de futsal que concorre ao campeonato nacional universitário.
Salientamos ainda as actividades do Grupo de Teatro, com actuações no país e no estrangeiro  (recentemente esteve em Grenoble) e do Coro da Universidade. Ambos os agrupamentos reúnem alunos, funcionários e docentes.
No campo das infra-estruturas foi possível concretizar alguns dos planos previstos foram os casos das novas instalações para a Faculdade de Medicina Veterinária, para o ISCSP, para o IST (na Alameda e no Tagus Parque), para o ISEG (está quase concluído o projecto de recuperação do Convento das Inglesinhas) e fizeram-se as infraestruturas do Polo da Ajuda.

JF/Sup Qual é a situação das residências para estudantes?
JLS Estamos muito aquém do desejado e do que foi projectado em matéria de residências estudantis. É assunto inscrito no PIDDAC. Contamos ter condições para concretizar obra dentro de um ano, ou seja a construção de três residências, duplicando assim a oferta actual.
Concluímos a cantina da Ajuda. Penso que é hoje a melhor cantina de estudantes a nível nacional e criámos um restaurante nesse edifício.
Está concluído um pavilhão desportivo na Ajuda, que ainda não foi inaugurado por dificuldades financeiras. Queremos pô-lo a funcionar muito em breve. Vamos criar aí um centro desportivo e de saúde destinado aos membros da Universidade mas que ficará igualmente aberto à comunidade local.
Temos contactos com a Câmara e há um protocolo para essa colaboração e para a definição da construção da malha urbana que vai enquadrar o polo universitário, não só em termos de edifícios a construir pela EPUL, mas também para a construção, pelo Município, de outros equipamentos desportivos.

JF/Sup Sabemos que a UTL possui um Colégio de Estudos Integrados. Quais sãos os seus objectivos?
JLS Trata-se de uma iniciativa que ainda não está a avançar como nós desejávamos, mas que é já uma realidade. É um centro destinado a promover a análise e o estudo de problemas emergentes da sociedade e realizar trabalhos prospectivos que possam interessar à Universidade, a qualquer empresa ou instituição, pública ou privada. É um centro de debate, de estudo, de ensino e de incentivo à investigação. As primeiras acções deste Colégio destinaram-se ao lançamento de dois concursos: um para um projecto de investigação na área do urbanismo e outro para um concurso de ideias para projectos de investigação aberto a toda a comunidade universitária, individualmente ou em grupo. Os dois primeiros classificados terão financiamento garantido para custear a concretização dessas ideias.
No âmbito da internacionalização e da cooperação, gostava de referir que a UTL está empenhada num projecto solicitado pelo Governo da Província de Benguela, para o desenvolvimento de uma segunda Universidade pública em Angola. Trata-se de um projecto de extrema importância, para o qual o Governo angolano já terá destacado verbas significativas.

JF/Sup As Universidades estão a viver uma fase marcada por dificuldades financeiras e por vários desafios no plano nacional e internacional. Como é que o senhor Reitor caracteriza este momento?
JLS Colocam-se hoje às Universidades vários desafios, num cenário marcada por algumas contradições.
O Conselho Europeu de Lisboa entendeu que a União Europeia devia ser a maior economia mundial e a mais competitiva. Mas para que isso acontecesse era preciso sustentar essa aposta no desenvolvimento das capacidades e dos sistemas, incluindo os educativos e científicos. É natural que o Ensino Superior seja uma componente fundamenta e estratégica, nessa perspectiva. Este é, pois, um desafio que nos foi lançado. A Universidade é uma instituição com um papel muito importante nesses objectivos de desenvolvimento.
Mas também temos outros desafios, que temos de procurar vencer. Como a Declaração de Bolonha. E temos ainda o desafio da Organização Mundial do Comércio, que discute o Ensino Superior como se fosse uma mercadoria qualquer.
Por seu lado, o Programa de Estabilidade e Crescimento aponta, em Portugal, para a diminuição de verbas para o Ensino Superior. Não conheço ainda uma versão final do documento mas segundo as informações que vieram a público é para aí que se aponta.
É inegável: nós temos dificuldades financeiras nas escolas, numas mais do que noutras. Os orçamentos aproximam-se cada vez mais do valor dos salários; em média, estão a 90 por cento (há escolas em que esta percentagem é ainda maior).
No caso da UTL temos unidades que não estão incluídas na actual fórmula. Por exemplo: a Tapada da Ajuda, o Jardim Botânico, o próprio Hospital escolar. São unidades cujo funcionamento não depende do número de alunos; não é indexável ao número de alunos. A fórmula não vê estas unidades de uma forma correcta. Mas também há outras situações como o TagusParque: tem despesas fixas como se estivesse já com o número máximo de alunos, mas ainda não chegou aí... São situações que a fórmula não contempla e que arrastam consequências financeiras para a vida das instituições.
Conseguimos obter um reforço financeiro em Novembro e em Dezembro, para além da dotação inicial, o que nos permitiu equilibrar de alguma maneira as contas. Mas é evidente que temos de recorrer a receitas próprias em maior percentagem do que pretendíamos. Gostaríamos muito mais de pegar nas receitas próprias e aplicá-las no desenvolvimento de outras actividades importantes para o cumprimento das missões atribuídas à Universidade.

JF/Sup O dinheiro vai chegar para 2003?
JLS Não, o actual orçamento não vai chegar. O Conselho de Reitores já solicitou às escolas para que, o mais tardar em Março, tenhamos uma previsão séria e objectiva da situação. Em carta dirigida ao CRUP, o senhor Primeiro Ministro disse que as Universidades não deixariam de ter o dinheiro que fosse necessário para funcionarem. Deu a entender que iria acompanhar o funcionamento e os gastos das Universidades. Pessoalmente, esta situação não me agrada. Julgo que é preferível ter uma dotação baseada em critérios rigorosos aceites por todos, de uma forma transparente. Cada um cumpre, dentro desses parâmetros. É a ideia da fórmula, que, assim, tem a vantagem de impedir que quem berra mais alto tenha mais dinheiro...
A UTL admite perfeitamente que a actual fórmula esteja desajustada. O custo por aluno de uma determinada escola de uma Universidade não é o mesmo de uma escola de outra Universidade. Mas há outros aspectos que não estão contemplados na actual fórmula.  No nosso caso, temos o exemplo do Tagus Parque (temos custos ainda não cobertos pelo número de alunos, como já referir anteriormente).
A fórmula precisa de ser renovada. Deve-se ter em conta o número de alunos mas também se devem introduzir, com justiça, índices de qualidade na prestação do ensino, mas que não sejam fomentadores da ideia do passa toda a gente para termos mais dinheiro. É preciso equilíbrio. Deve-se contemplar, no fundamental, qualidade do desempenho na investigação, na componente pedagógica e também na capacidade de empreender. Mesmo a capacidade de gerar receitas próprias deve ser compensada no orçamento, deve ser incentivada.
Por outro lado e isto é uma coisa que alguns professores não gostam de ouvir o Estado quando precisa do apoio da Universidade deve fazê-lo institucionalmente e não através de pessoas da Universidade. Tive ocasião de dizer isto ao Primeiro Ministro anterior. E continuo a defender esta perspectiva, que não atenta contra os legítimos interesses do professor; naturalmente, pode ter uma compensação financeira suplementar por um trabalho suplementar que prestou, mas a Escola a que ele pertence também deve receber algo. A Escola também tem a ver com as capacidades desse docente. O Estado não tem seguido muito esta política.

Destaque:
As Universidades não são torres de marfim. Têm de integrar na sua missão o apoio à sociedade e este pode revestir-se de várias formas. Mas deve ter sempre uma componente de inovação. Não deve ser uma simples prestação de serviços. Compete à Universidade inovar e transferir conhecimentos. Não estou a ver aqui o fenómeno da concorrência com empresas. É uma prestação de serviços qualificada pela mais-valia de conhecimento e de inovação.
As Universidades devem ter uma posição, um sentido de Estado. Mas o Estado também não pode aproveitar-se dessa posição e demitir-se de financiar aquilo que lhe compete.

Prof. José Lopes da Silva, Reitor da UTL