Nacional
Mário Nogueira, em entrevista à página da FENPROF:

"Do MEC, até o «espírito dialogante» já foi esconjurado"...

16 de setembro, 2012

O Secretário-Geral da FENPROF foi entrevistado para a página eletrónica da Federação, tendo-se procurado, nesta entrevista, abordar os aspetos que marcam o arranque de mais um ano letivo, no caso deste, o mais problemático dos últimos anos, tal a quantidade e dimensão dos problemas que se abatem sobre o país, as escolas e os professores.

 Para além do desemprego dos docentes, que atinge números que Nuno Crato considerava fantasiosos, mas que a realidade confirmou, também as condições de trabalho nas escolas, o impacto das medidas impostas em julho ou as dificuldades das famílias em suportar os custos da educação dos seus filhos, são temas abordados nesta entrevista.

Mário Nogueira afirma que “no MEC, até o espírito dialogante já foi esconjurado”, referindo-se ao facto de Nuno Crato, apesar da dimensão dos problemas e dos insistentes pedidos da FENPROF, continuar sem marcar a reunião solicitada há duas semanas com o objetivo de abordar temas como o desemprego dos professores, a sua vinculação, os horários-zero ou ainda a forma como decorrem as “ofertas de escola”. / JPO

 

Inicia-se mais um ano e com problemas como nunca...
Mário Nogueira (MN): Sim, neste ano com particular violência, como alertámos há muito, fazem-se sentir os efeitos das medidas que resultam dos cortes impostos pelo Orçamento do Estado para 2012.


Medidas que são…
MN: ...entre outras, os novos 150 mega-agrupamentos, a revisão da estrutura curricular imposta pelo OE, o aumento do número de alunos por turma, o encerramento de mais escolas,  a extinção de inúmeros projetos…


Desemprego e instabilidade são, então, as grandes tónicas deste início de ano?
MN: Sim, como confirmam as estatísticas oficiais, com os professores a serem quem apresenta o maior aumento da taxa de desemprego, para além da enorme bolsa de horários-zero criada pelo MEC com o intuito de “despachar” a prazo esses professores.


Isso quer dizer que os números que a FENPROF avançava não eram fantasiosos?
MN: Claro que não. Calculámo-los tendo em conta a redução prevista no OE e o teor das medidas que a concretizavam. O discurso da fantasia foi a invenção de Nuno Crato para evitar falar da realidade, mas esta falou mais alto que o ministro.


O ministro já marcou a reunião que foi pedida pela FENPROF no início do ano escolar?
MN: Não, apesar de já termos reiterado a necessidade de realização dessa reunião. Queremos discutir o problema da vinculação, cuja proposta do MEC não existe, queremos discutir o problema dos horários-zero, fixando uma listagem de atividades que, não sendo aulas, são também atividade letiva, queremos discutir o não pagamento de compensação por caducidade, pois é uma vergonha o MEC continuar a recusar pagar aos professores e, agora, queremos também discutir a forma vergonhosa como decorre o processo de “ofertas de escola”. Acontece, no entanto que, do MEC, até o “espírito dialogante” já foi esconjurado e, ao nosso pedido, não é dada resposta, o que constitui um reprovável desrespeito pelos professores e pela sua organização sindical mais representativa.


Nuno Crato disse que havia professores a mais. É verdade que há?
MN: Claro que não e não é sério o ministro fazer tal afirmação, pois sabe o que fez para eliminar milhares de horários de trabalho e deixar no desemprego os professores. Foi deliberado. Não há professores a mais e o despedimento de milhares de docentes está a fazer com que haja escola a menos. Esse é um problema do país e não apenas dos professores.


O ministro também disse que não havia contestação dos professores e que estes compreendiam o que estava a ser feito…
MN: Nuno Crato sabe que isso é falso. Tanto sabe, que, pela primeira vez, a semana de abertura do ano letivo decorreu sem que alguém do governo visitasse alguma escola, tendo sido anuladas algumas iniciativas previstas. O ministro sabia o que o esperava…


O ano ficou muito marcado pelos problemas que se abateram sobre os professores, mas, para além disso…
MN: Para além disso temos as dificuldades enormes que se colocam às escolas que estão em mega-agrupamento, as dificuldades financeiras da generalidade das escolas, as dificuldades dos pais para suportarem os custos do ensino ainda mais num momento em que o empobrecimento das famílias é acelerado. Sinceramente, não sei como, nestas condições, as escolas chegarão ao final do ano, ainda mais se tivermos em conta que já se anunciaram novos cortes orçamentais para 2013… não serão possíveis.

 

Para além das questões concretas do setor da Educação, os professores são ainda vítimas de medidas mais gerais impostas aos portugueses. Como reagem a esta situação?
MN: Com uma grande indignação e revolta. São os cortes nos salários que se arrastam, o roubo dos subsídios, uma carga fiscal fortíssima, o aumento generalizado do custo de vida… é grande a insatisfação que se sente nas escolas, pelo que voltar à rua é fundamental.


E estão já marcadas ações …
MN: Sim, dia 29 de setembro será fundamental que os professores marquem uma forte presença na grande manifestação que levará todos a Lisboa; dia 1 de outubro, será dia de muitas reuniões e plenários um pouco por todo o país; dia 5 de outubro teremos, com ações descentralizadas, a comemoração de um dia muito especial para todos nós, o Dia Mundial dos Professores; entre 5 e 13 de outubro, pelas razões que se compreendem, é muito importante que os professores deem grande visibilidade à sua presença na Marcha contra o Desemprego. E a partir daí, vamos discutir e decidir o que fazer, mas tudo está em cima da mesa…

 

As organizações sindicais, e não só, têm pedido a demissão do governo e também da equipa do MEC. Passará por aí a resolução dos atuais problemas?
MN: A resolução dos problemas do país, da Escola Pública e dos professores, enquanto trabalhadores e cidadãos, só se resolverão com uma profunda mudança de políticas. A atual política de direita não são saída para os problemas, como já se confirmou, com os custos que todos conhecemos. Quanto mais ela se aprofunda, mais os problemas se agravam. Acontece, no entanto, que ninguém acredita que este governo seja capaz ou queira cortar com o caminho que decidiu percorrer. Além disso, os atuais governantes desrespeitam os portugueses. Dei, há pouco, o exemplo de Crato que provoca desemprego e depois diz que o problema é haver professores a mais, mas posso também dar de Passos Coelho: disse que restituía um subsídio aos funcionários públicos, em doze meses, para que estes pudessem fazer face aos problemas que vivem de gestão dos seus orçamentos familiares… no mesmo discurso ficou a saber-se que afinal essa “reposição” mensal seria de novo roubada e de forma agravada. Isto é mais do que desrespeito pelas pessoas, isto é gozar com quem vive do seu trabalho. Também por isso, estes governantes deixaram de reunir condições para governarem. Eles mesmos se transformaram num grave problema.


E a troika?
MN: A troika tem também de ser derrotada. Há quem queira fazer passar a ideia, que é perigosa, de que o problema, agora, é só a questão da TSU. É um problema, sim, mas há muitos mais. Ainda que esse problema fosse resolvido, manter-se-iam outros gravíssimos como o desemprego, a precariedade, o roubo dos subsídios, o corte dos salários, o aumento dos impostos, os cortes nas pensões de reforma, o aumento da utilização dos serviços públicos… tudo isso resulta das imposições da troika. Portanto, o acordo com a troika continua a ser o problema de fundo, sendo justíssimo que se grite “FMI fora daqui”, mas também o BCE e a UE da senhora Merkl, e que se diga que não queremos mais governos comprometidos com a troika, com as políticas de direita que estão a destruir o país e o futuro dos portugueses.

Faz falta um novo 25 de Abril…
MN: …25 de Abril, Sempre!