Nacional
António Vicente Figueiredo deve demitir-se quando terminar o inquérito. Queixas repetem-se na Região Centro

Director regional adjunto admite interferência pessoal na colocação da professora de Viseu

12 de agosto, 2003

António Vicente Figueiredo, o director regional adjunto da Educação do Centro que orientou os processos de destacamento das professoras para as Escolas EB 2, 3 Aires Barbosa, em Aveiro, e Azeredo Perdigão, em Viseu, deve demitir-se quando terminar o inquérito instaurado pela secretaria de Estado da Administração Educativa.

"Já tenho uma decisão tomada que será do conhecimento geral assim que a inspecção acabar", garantiu ao PÚBLICO. Vicente escusou-se a comentar as declarações de Maria de Lurdes Cró, directora Regional de Educação do Centro (DREC), que remeteu a responsabilidade e os esclarecimentos dos processos para ele. "Posso apenas dizer que essas palavras causaram grande mal estar nos serviços [da DREC]", contou.

Seguro de que tudo foi feito "na mais absoluta legalidade", o director regional adjunto admite ter intervindo no caso do destacamento da docente Susana Boloto - cunhada do deputado Pedro Alves, do PSD Viseu - , para a EB 23 Azeredo Perdigão. Sublinha, no entanto, ter sido a escola a pedir à DREC a professora em questão. "Há uma mãe que vem ter comigo preocupada porque a filha tinha uma gravidez de risco", ilustrou, "o que é que nós, que estamos em cargos públicos, havemos de fazer senão ajudar uma mãe preocupada com a filha?".

Vincando que o deputado Pedro Alves "não teve qualquer interferência no processo", Vicente Figueiredo aconselhou Susana Boloto a propor à Azeredo Perdigão que a destacasse, "uma vez que na escola já havia um projecto de gestão flexível de currículo desde 1999". "A escola pediu à DREC uma professora, e eu autorizei", elucida. De "consciência tranquila", o director regional adjunto acredita que o caso teve "um grande" aproveitamento político, e diz que mal o inquérito chegue ao fim, vai tornar pública a decisão que já tomou.

Governo preparado para "assumir responsabilidades"

O ministro da Educação, David Justino, e o secretário de Estado da Administração Educativa, Abílio Morgado, garantiram ontem um "total esclarecimento" sobre as suspeitas de alegadas irregularidades no destacamento de professores para escolas de Aveiro e Viseu. David Justino assegurou ainda, perante a comissão parlamentar de Educação, que está preparado para "assumir responsabilidades" caso o inquérito da Inspecção Geral da Educação (IGE) confirme a existência de ilegalidades na colocação dos docentes.

Também Abílio Morgado, que assinou os despachos relativos aos dois processos, manifestou a intenção de clarificar as suspeitas que envolvem a Direcção Regional de Educação do Centro (DREC) e asseverou que está "preparado para todas as consequências". "Dê por onde der, isto tem de ficar claro", afirmou o governante, admitindo ter "dúvidas" sobre as explicações já prestadas pela DREC. Refira-se que Morgado ordenou a instauração do inquérito no último sábado, estando previsto um prazo de 30 dias para o apuramento de responsabilidades. Na reunião de ontem, João Teixeira Lopes, dirigente do Bloco de Esquerda (BE), manifestou algumas reticências em relação à imparcialidade da Inspecção Geral da Educação, apontando que o inquérito devia ser realizado por uma "entidade independente, como a Procuradoria Geral da República".

Atendendo às desconfianças suscitadas pelos casos noticiados no PÚBLICO, Ana Benavente, do PS, e Luísa Mesquita, do PCP, exigiram a David Justino e a Abílio Morgado explicações plausíveis sobre a alegada "desorganização" dos serviços do Ministério da Educação. O ministro respondeu, porém, que pretende aguardar pelas conclusões do relatório da IGE, mas avançou com duas justificações: ou existem efectivamente irregularidades ou tudo não passa de "ataques político-partidários por parte dos sindicatos", disse.

Justino admitiu que podem ter existido "limitações ou erros", mas sublinhou que classifica as denúncias de eventuais "cunhas" na colocação dos professores como um "problema político". "O Ministério da Educação está a ser alvo de um ataque sistemático de alguns sindicatos", culpabilizou, acrescentando que a actual polémica "foi claramente alimentada pela Fenprof". Estas declarações provocaram alguma inquietação aos deputados do PCP e do BE, que consideraram os argumentos do ministro como "perniciosos".Novos destacamentos duspeitos em Santarém, Castelo Branco e Coimbra
Avolumam-se as denúncias de casos de destacamentos suspeitos de professores. No dia em que David Justino e Abílio Morgado foram à Comissão Parlamentar de Educação explicar os casos de Viseu e Aveiro, surgem histórias com contornos semelhantes em Santarém, Coimbra, Castelo Branco e Covilhã.

O caso de uma professora de História, residente em Santarém, que sofre de uma doença crónica incurável, foi denunciado pela própria em carta endereçada ao Presidente da República, primeiro-ministro e aos grupos parlamentares. Numa extensa missiva, a docente explica que, com o lugar 841 da lista de graduações, não conseguiu nenhuma das três vagas das escolas de Santarém, tendo sido ultrapassada por docentes que ocupavam os lugares 1592, 1595 e 1734.

Com uma incapacidade física de 74,6 por cento, comprovada por uma declaração médica, explica que lhe é doloroso conduzir diariamente cerca de cem quilómetros até Mira D'Aire, onde está colocada. Segundo Luísa Mesquita, do grupo parlamentar do PCP, a professora explica que após ter tido conhecimento desta situação pediu esclarecimentos à tutela, em carta datada de 8 de Setembro. Como não recebeu resposta, a 30 de Outubro contactou telefonicamente a Direcção Geral de Administração Educativa (DGAE). "Foi-lhe dito, e estou a citar, que 'reclamasse se achava que tinha razão, mas que todos os processos do despacho 37/94 [sobre a mobilidade de docentes] tinham sido arquivados por ordem superior independentemente da razão'. Acrescenta que também lhe disseram que, se não podia [deslocar-se à escola onde lecciona], que metesse atestado médico", relatou Luísa Mesquita.

A deputada do PCP disse ao PÚBLICO que este caso prova que é "falsa" a leitura política, feita por Abílio Morgado e David Justino, das denúncias dos casos de Viseu e Aveiro. "Santarém não se inclui na área abrangida pelo Sindicato de Professores da Região Centro (SPRC). E note-se que se alegam ordem superiores", reiterou.

Queixas repetem-se no Centro

Também ontem, surgiram novas denúncias de casos suspeitos na região Centro. Margarida Costa, professora de matemática, residente em Coimbra, ficou colocada no lugar 19 da lista de graduação, mas foi a docente Paula Cotrim, no lugar 23, que ocupou a vaga da escola de Condeixa. A 3 de Setembro nenhuma das docentes conseguiu destacamento, pelo que, a 5 de Setembro, ambas escreveram uma carta à DGAE expondo os seus casos. "A professora no número 19 enviou o documento pelo correio. Ao contrário, a docente número 23 terá feito chegar a carta em mão, por um familiar que trabalha na Direcção Regional de Educação de Lisboa, ao Ministério. Esta, no dia 12 de Setembro, foi colocada em Condeixa", que também tinha sido uma das opções de Margarida Costa, explicou Mário Nogueira, dirigente do SPRC. Acrescenta que a Escola Básica 2,3 de Condeixa não tinha declarado a existência de qualquer horário disponível. À reclamação de Margarida Costa, a DGAE respondeu que não foi possível colocá-la "por ausência de horário completo" nas escolas.

"Este ano não foram respeitados os critérios dos concursos públicos, penso que podemos concluir que não houve transparência. Houve uma desorganização e descontrole totais, uma vez que não houve respeito pela ordem da lista. Ou então há compadrio ou favoritismo pessoal", desabafou Margarida Costa.

Caso considerado "estranho" é também o de uma professora de educação física, residente em Belmonte e que prefere o anonimato por "medo de represálias", que não ficou com a vaga na Escola Básica 2, 3 de Tortosendo. O lugar foi ocupado por um professor contratado que estava 1380 lugares abaixo na lista de graduações. A 3 de Setembro a professora não ficou colocada. A 13 de Outubro, apareceu uma vaga na escola de Tortosendo, porque uma colega pediu dispensa de componente lectiva para todo o ano. Por isso, a docente dirigiu-se à DGAE onde lhe disseram que, "como a vaga tinha sido publicitada nos 'sites' da DREC (Direcção Regional de Educação do Centro) e do CAE (Centro da Área Educativa) de Castelo Branco, tinha de ser para um professor contratado". "Perguntei onde é que isso estava escrito e ninguém sabia", contou a professora.

Dulce Pinheiro, coordenadora distrital do SPRC de Castelo Branco, conta ainda o caso de uma professora colocada numa escola da Covilhã e "inexplicavelmente recolocada no Fundão, onde ela reside". "Uma investigaçãozita e soubemos que tinha sido recolocada por intermédio da DGAE. Um ofício dizia que por incumbência do Secretário de Estado a professora era colocada numa vaga que a escola dizia existir e para esta não voltar a pôr a tal vaga a concurso", explicou.

"Público", 27/11/2003

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(...)O Director Regional Adjunto da Educação do Centro admitiu ter interferido pessoalmente na colocação de dois professores, mas não considera ter agido à margem da lei(...)

"Rádio Renascença", 27/11/2003

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O ministro da Educação, David Justino, garantiu que não houve, da sua parte ou do secretário de Estado da Administração Educativa, Abílio Morgado, favorecimento ou «cunhas» no processo de colocação de professores.  Mas afirmou que, se do inquérito que está em curso, forem apurados «erros» no seu gabinete ou no de Morgado, ambos extrairão «responsabilidades políticas», apresentando a demissão. Uma hipótese que David Justino considerou ser remota(...)

"Diário de Notícias", 27/11/2003