Nacional
O que está em cima da mesa

Debate sobre a LBSE organizado pela FENPROF

17 de novembro, 2003

No âmbito da intensa actividade de esclarecimento, debate e reflexão que a FENPROF e os seus Sindicatos estão a dinamizar um pouco por todo o País, decorreu no passado dia 25 de Setembro, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação  (FPCE) de Lisboa, ao longo do dia, um debate que reuniu na sessão da manhã deputados de forças políticas com assento parlamentar e três personalidades de reconhecido mérito no universo das Ciências da Educação, na sessão da tarde. Dos partidos convidados, apenas o Bloco de Esquerda não compareceu a esta iniciativa.

Fernando Charrua (PSD)

Coube a Fernando Charrua, deputado do PSD, a responsabilidade de fazer a defesa do projecto do Governo. Sublinhou a necessidade de se alterar a Lei de Bases do Sistema Educativo, com o argumento-base de ?não está adequada às circunstâncias? da sociedade portuguesa.

Charrua considera necessário um debate que envolva os diversos parceiros, que se alargue à sociedade portuguesa e que prepare as condições para a aprovação de uma lei que tenha um vigência longa, pelo menos tão longa quanto a que corresponderá a duas legislaturas, ou seja, 8 a 10 anos, pois o consenso político tem de ser consentâneo com o consenso social, afirmou o representante da maioria parlamentar.

O PSD pretende integrar o sistema de formação vocacional e profissional em articulação com a vertente de Educação, e não manter um sistema como o actual, em que parte da formação dos cidadãos está dependente de regulamentação e tutela específicas derivadas das políticas de emprego e não das políticas educativas, declarou Fernando Charrua.

Outras vertentes essenciais são, na óptica do PSD, as que se relacionam com a adopção das recomendações de Bolonha, readaptando-lhe a Lei de Bases do Sistema Educativo.

Conferir ao ensino privado, particular e  cooperativo, uma qualidade que não obteve em 1986, deixando de ser supletivo e passando a ser efectivamente concorrente com o ensino público e as suas redes; e defender avaliação pública do sistema, em sistema aberto, com influência na atribuição de financiamento às escolas ? são objectivos centrais da proposta governamental.

Fernando Charrua destacou ainda aquilo que considera inovações nas propostas do Governo: a criação de um ano de indução para os jovens professores recentemente profissionalizados, para além de alterações em matéria relacionada com formação de professores, ensino artístico e ensino de indivíduos privados de liberdade.

A rentabilização de recursos humanos, físicos e financeiros, com referência ao que designou por desperdício de pessoal não docente e de recursos físicos; a garantia de oferta educativa à totalidade do território nacional, com uma cobertura de 100%; o ensino básico de 6 anos; a reorganização da escola conduzindo à adopção de uma nova filosofia de integração de ciclos de escolaridade (educação pré-escolar, 1.º ciclo e 2.º ciclo); a recolocação do 3.º ciclo do ensino básico nas escolas secundárias; a adopção de orçamentos que premeiem a qualidade e profissionalização da gestão ? foram algumas das questões abordadas por Fernando Charrua em matéria de gestão de recursos.

Isabel Pires de Lima (PS)

Isabel Pires de Lima, deputada do Partido Socialista, deu a entender que o seu partido poderá a vir a viabilizar politicamente, com a abstenção da bancada socialista, a aprovação do projecto de diploma do Governo.

O PS considerou que a imposição da maioria que sustenta o Governo, de que a votação na globalidade deveria ser feita rapidamente, sem debate prévio e sem envolvimento de toda a comunidade educativa, prejudicou o debate sobre a Lei de Bases e condicionou a estrutura da própria lei. Para Isabel Pires de Lima, a própria designação da lei será, provavelmente, inalterável.

A parlamentar fez questão de salientar, numa rápida intervenção, que as prioridades do PS para revisão da Lei 46/86 incidem nos seguintes aspectos:

Direito à Educação/Formação ao Longo da Vida

O ensino deve ser qualificante, abrindo caminhos para certificar competências, com respostas integradas de formação vocacional. Deve abrir-se a novos públicos. Deve reforçar a articulação entre educação e formação vocacional. O PS aposta na criação, não de uma simples rede de ofertas educativas, mas sim de uma rede nacional de educação e formação, em que deve ser uma efectiva prioridade a criação de uma rede pública de formação e educação, financiada pelo Estado.

Identidade própria do Ensino Secundário

Referiu ser esta uma tónica central da proposta do PS. Com pedagogias diferenciadas, com um enriquecimento das diferentes vias de formação, e contra a precocidade de opção entre essas vias.

Sistema Binário do Ensino Superior

Sem justificar, contudo, Isabel Pires de Lima defendeu a manutenção de um sistema binário do Ensino Superior, que aprofunde as decisões de Bolonha e em que seja conferida às instituições maior responsabilidade na definição das condições de acesso ao ensino superior.

Luisa Mesquita (PCP)

 

A deputada Luísa Mesquita esteve desde o primeiro momento na coordenação do teatro das operações da elaboração da proposta do PCP. Considera que é uma obrigação da esquerda votar contra a proposta do Governo.

O PCP considera  que a actual Lei de Bases merece avaliação  e ajustamentos. Tal não significa, no entanto, que tenha sido alguma vez obstáculo para que os Governos apresentassem todas as iniciativas legislativas que quisessem para melhorar o sistema educativo português. As bases do sistema foram aprovadas em 1986 com grande consenso da sociedade portuguesa e se, hoje, há problemas no acesso à educação e ao ensino, de sucesso educativo e de abandono escolar, tal deve-se a políticas que não tiveram em conta os objectivos que a Lei 46/86 preconiza.

Sintoma de que os governos não quiseram alterar as más condições em que o sistema se desenvolve, é o facto de terem estado mais preocupados em impor políticas contrárias aos interesses democráticos do país. Exemplo: a alteração à Lei da Autonomia do ensino superior contraria a Lei de Bases do Sistema Educativo e a Constituição da República. O Governo precisa de rever a LBSE para dar cobertura às suas políticas, comentou a deputada.

O sistema educativo não está democratizado. O processo democrático não está construído. É preciso que a Lei de Bases garanta: combate ao analfabetismo, ao insucesso escolar, ao abandono escolar. Estas debilidades são sintomáticas do caminho por percorrer no processo de democratização do ensino, realçou Luísa Mesquita.

O PCP defende ensino gratuito e de qualidade para todos ? bastando para tal que se cumpra e transcreva para a lei o texto constitucional e não confunde direitos liberdades e garantias e por isso defende uma separação conceptual entre ensino público e ensino privado. As atribuições do Estado em relação ao primeiro são totais, enquanto o ensino privado deve depender essencialmente das responsabilidades que pertencem aos seus promotores privados. Não há equiparação possível, assim como também não é possível integrá-los na mesma rede.

A bancada comunista defende uma escolaridade obrigatória de 12 anos, ao mesmo tempo que não suporta qualquer redução da escolaridade básica. Hoje, ainda, o abandono escolar antes dos 9 anos é enorme e tal deve ser corrigido. Deve ser garantido o seu cumprimento a 100% para se partir para o alargamento para 12 anos de obrigatoriedade escolar.

Para o PCP a educação pré-escolar deve ser considerada como a primeira etapa da educação básica, ao mesmo tempo que deve ser combatida a tendência de a desvalorizar quando lhe é conferida uma função, apenas, de guarda e assistencial. Obrigatoriedade no ano que antecede o ingresso no 1.º ciclo.

Um sistema único de ensino superior, pertencendo a cada instituição a função de definir a diferenciação necessária, entre cada uma e entre os cursos que oferecem. Defende uma relação efectiva entre ensino e investigação e a melhoria das condições de financiamento. Eliminação progressiva do numerus clausus.

Grandes preocupações com os apoios educativos e o ensino especial. Esta oferta não é uma caridade. É uma necessidade, é um direito, é uma obrigação do Estado. Criar essa dinâmica é a intenção do projecto do PCP.

Relativamente às opções vocacionais, Luísa Mesquita não defende a sua precocidade nem a sua adopção como desvio da escolaridade básica, como é feito com o projecto do Governo. A proposta do PCP responde a duas preocupações: manter os alunos no sistema, cumprindo a escolaridade básica e a obrigatória, e estabelecer uma ligação de qualidade com a formação para a vida activa.

No que toca à gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino, deve ser democrática, com a participação da comunidade educativa, com órgãos colegiais e eleitos, a todos os níveis da Administração e Gestão das escolas, e em que prevaleçam critérios de natureza pedagógica.

Isabel Castro (PEV)

Isabel Castro, deputada o PEV, considerou uma bizarria que o debate da Lei de Bases esteja a ser feito depois da sua aprovação na generalidade.

Para o PEV a arrogância do Governo e da maioria que o sustenta está evidente na forma como não sentem qualquer impedimento ao aprovarem leis contra a Lei 46/86 e contra a Constituição da República, preparando o caminho para uma Lei nova que ainda não está aprovada.

Isabel Castro considera ser uma obrigação do Estado a formação e a qualificação dos cidadãos, a qual não pode constituir qualquer vantagem individual ou das famílias, mas sim das sociedades.

O PEV defende maior investimento na educação especial e nos apoios educativos e uma especial atenção em relação à educação pré-escolar, como forma de contribuir para o objectivo da qualificação e da democratização do sistema educativo.

Como principais objectivos dos Verdes destaquem-se:

- o combate à iliteracia e ao analfabetismo;

- a criação de condições para que o acesso ao ensino superior seja mais generalizado.

Debate  com Sérgio Niza, A. Janela Afonso

e Rogério Fernandes

As principais referências de Sérgio Niza à revisão da Lei de Bases incidiram nos apoios educativos e na educação especial. A escola inclusiva deve percorrer, no entender do professor do Movimento da Escola Moderna, toda a Lei. Para Sérgio Niza, ?a questão da inclusão é uma questão de direitos humanos? e se os professores, os políticos, ?se todos queremos a inclusão é porque não queremos a exclusão?. Niza faz estas afirmações para questionar a contradição que existe entre esta formulação e optar-se, na lei, por criar um espaço próprio para abordar o problema da educação especial, quando, diz Sérgio Niza, tal deveria ?integrar o capítulo destinado a complementos e apoios educativos?.

Mais adiante, o professor universitário defendeu que o que entendermos sobre exclusão é fundamental para percebermos quanto isto é importante para o desenvolvimento sócio-moral do sistema. Para Sérgio Niza, a prática de hoje é discriminatória em democracia. O investigador defende uma orientação para o Sistema que assente em três aspectos fundamentais para a sua democratização: colaborar, cooperar, correlacionar.

Almerindo Janela Afonso, do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, desferiu um forte ataque à política do Governo e à proposta que este pretende fazer aprovar. Fez questão de salientar a sua forte oposição ao esbatimento do papel do Estado, à hipervalorização do indivíduo em detrimento do desenvolvimento colectivo das sociedades, e à construção de uma Lei de Bases para dar cobertura a intenções e projectos já revelados pelo governo, mas que não têm cobertura legal.

Janela Afonso, alertou para instâncias supranacionais que, não tendo em conta uma tradição progressista emancipatória, tentam hipervalorizar as vias informais da educação para justificar a falência da Escola. Um discurso perigoso, mas que serve os interesses de um neoliberalismo que procura abrir caminho, enraizar-se e desenvolver-se.

Dando como exemplo do desvio da função fiscalizadora, do Estado para o indivíduo, referiu a avaliação pública dos estabelecimentos de ensino e dos seus profissionais. ?Não é possível que agora todos vão dar palpites sobre o que se deveria fazer?, recusou.

Para Almerindo Janela Afonso, ?fazer coincidir o ensino básico com a sua universalidade e estes com a sua obrigatoriedade, foi uma conquista histórica? da actual Lei da Educação e entende que a evolução do básico e obrigatório deve ser feita à medida que as sociedades evoluem. Tratando-se de uma conquista da democracia, fazer recuar a duração do ensino básico corresponde a um retrocesso.

O docente universitário referiu algumas suas preocupações para a futura lei fundamental do sistema educativo:

- A supressão das desigualdades que o ensino produz;

- O aumento das desigualdades que decorrem da sociedade da informação e da sociedade da comunicação

- A garantia do direito à educação das crianças internadas  por razões clínicas;

- O aprofundamento da escola democrática como facto de lhe conferir maior qualidade.

Por último, Rogério Fernandes, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, entende que a lei actual está adequada às necessidades do país, contrariando a necessidade da sua revisão. Referiu que o Governo nunca foi capaz de explanar os motivos porque reputa a actual lei de estar falida e desligada da realidade.

E defendeu a escolaridade obrigatória de 12 anos com uma efectiva fiscalização do cumprimento dos 9 anos de ensino básico.

Rogério Fernandes atacou as intenções manifestadas no projecto do governo de sugerir a precocidade de opção vocacional. Criticou, neste âmbito, o espírito segmentador do projecto do Governo, defendendo que qualquer mudança que pretenda conferir à formação profissional e vocacional maior importância deveria ser precedida de uma avaliação aturada do caminho já percorrido.

O docente universitário criticou o facto de o Governo defender a desvalorização da educação pré-escolar, sem preocupação de estabelecer uma ligação com o futuro percurso escolar das crianças e manifestou preocupação com as  intenções de Justino em relação ao anunciado ano de indução. ?É sancionatório? Se não é, em que é diferente do período probatório??

Por fim, referiu o facto negativo de a proposta do Governo não ter quaisquer referências efectivas à função democrática da Escola. ?Não há ensino democrático sem escola democrática e com práticas antidemocráticas?.

Lançou ainda um repto às escolas para que no plano imediato se manifestem em relação à proposta do Governo:

 ?Seria desejável que esta proposta de lei fosse discutida nas escolas e que estas enviassem posições para a Comissão de educação da Assembleia da República onde, entre outras coisas, se exija a participação ampla nesta discussão, com tempo, em favor da construção de consensos?.