Diversos dirigentes da FENPROF, entre os quais o seu secretário-geral e dirigentes responsáveis por esta frente de intervenção, participaram (18.02.2015) no debate organizado pelo CNE sobre a municipalização da Educação, o qual está decorrer em Aveiro na sua universidade. No final, será distribuído um documento que explicita, embora de modo sucinto, a posição da FENPROF sobre este processo imposto pelo governo/MEC, envolvendo algumas câmaras municipais, sem qualquer envolvimento das comunidades educativas.
SOBRE A DESCENTRALIZAÇÃO/MUNICIPALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
1. A FENPROF defende, há muitos anos, a descentralização da administração educativa para responder de forma contextualizada aos problemas das comunidades locais. Assim, tem denunciado os constrangimentos burocráticos, administrativos e financeiros a que as escolas estão sujeitas, propondo a transferência de competências para o nível local e para as escolas através de órgãos próprios, democraticamente legitimados e com adequada representação escolar e comunitária.
Nesta perspetiva, a FENPROF defende a criação do Conselho Local de Educação. Os CLE seriam órgãos de representação ampla – escolas, autarquia, ação social escolar, interesses económicos, sociais e culturais… – que congregariam esforços em torno da gestão dos recursos locais e da elaboração de projetos de desenvolvimento integradores da comunidade na escola e desta na comunidade. Das competências que lhes devem ser atribuídas fazem parte, por exemplo, a organização da rede escolar e a definição das áreas vocacionais (Ensino Secundário) e das componentes curriculares locais.
A transferência de competências para o nível local e para as escolas realizar-se-ia, assim, pela criação de níveis intermédios de administração, tal como preconiza a Lei de Bases do Sistema Educativo. Contudo, essa nunca foi a opção dos sucessivos governos. A “concessão de escolas aos municípios” surge no Guião da Reforma do Estado a par de outras medidas – criação de escolas independentes, alargamento dos contratos de associação, aplicação do cheque-ensino – que terão forte impacto na desestruturação e desregulação do sistema público de educação, favorecendo a sua privatização e a desresponsabilização do Estado.
Reconhecendo o papel essencial dos municípios, enquanto parceiros, na definição das políticas educativas locais, a FENPROF alerta para os riscos associados à municipalização da educação, num país com diferentes graus de desenvolvimento e com grande diversidade de práticas municipais, por exemplo na elaboração das cartas educativas e na operacionalização das AEC. Por outro lado, por vezes, a identidade partidária e as relações pessoais autarcas-governantes colocam os municípios à mercê de influências e lógicas que nem sempre servem os interesses das comunidades educativas.
Em síntese: defendendo a descentralização, a FENPROF é, no entanto, contra a municipalização da educação – opção questionada em muitos países onde foi adotada, pelos nefastos resultados decorrentes do acentuar de assimetrias entre escolas de diferentes municípios e do descomprometimento do Estado em termos de financiamento e de responsabilidade social, ao que se juntam um reforço do controlo sobre as escolas (sujeitas a uma espécie de centralismo local) e um aumento do clientelismo, do sentimento de insegurança e da desmotivação dos professores.
2. O Programa Aproximar Educação tem vindo a ser desenvolvido com grande secretismo e muitas contradições. Uma delas é negociar a descentralização “por via de delegação contratual”, já que descentralizar poderes de decisão é diferente de delegar competências. A transformação das autarquias numa espécie de serviços desconcentrados do MEC sujeitará as escolas a uma dupla tutela e limitará ainda mais a sua autonomia – nas várias matrizes de competências conhecidas, a autarquia intervém, por exemplo, na “definição de conteúdos, metodologias, atividades e avaliação das componentes curriculares locais”, o que representa uma ingerência na autonomia das escolas e até na autonomia profissional dos professores.
Neste contexto, a FENPROF considera inaceitável a transferência de competências das escolas para as autarquias e o papel de menoridade atribuído às escolas e aos professores, colocados à margem de uma discussão/negociação em que tinham de estar implicados. A consagração, relativamente à matriz de responsabilidades, de que “o Município pode acordar com os AE/E o exercício conjunto ou a subdelegação de competências” confirma a subalternidade atribuída às escolas – quem delega pode, a qualquer momento, avocar essas competências, se não concordar com a forma como estão a ser exercidas.
O contexto de desorçamentação da educação pública em que o programa se insere é também motivo de preocupação – veja-se a proposta (escandalosa) de atribuir prémios financeiros às câmaras que trabalhem com um número de docentes inferior ao tido como necessário. E se as cláusulas 40ª a 42ª, relativas aos coeficientes de eficiência, foram eliminadas na segunda versão do contrato, por força da contestação que suscitaram, não é menos verdade que os “incentivos à eficiência” continuam a fazer parte do clausulado, numa redação ainda mais perigosa – qualquer que seja o corte no financiamento da educação no município, o MEC atribui à câmara “50% do produto das poupanças”, sendo que para este efeito seria tido em conta qualquer corte: pessoal docente, ação social escolar, cantinas, aquecimento…
Estamos, pois, perante uma delegação de responsabilidades que, alegando visar maior eficácia e eficiência, não só recusa a possibilidade de maiores investimentos, como procura responsabilizar os municípios por ganhos de racionalização. No entanto, em Portugal, o histórico da transferência de competências para as autarquias traduziu-se sempre em problemas de financiamento, resultando em insuficiência de recursos humanos e materiais e em fragilidade nas respostas autárquicas. Neste contexto, importa também ter em conta a experiência de outros países, onde, por dificuldades financeiras, os municípios acabaram por entregar a gestão das escolas – ou concessionar importantes componentes do serviço educativo – a empresas privadas.
A FENPROF contesta também a pretensão de alargar a gestão dos recursos humanos ao pessoal docente, através da “possibilidade de contratação pelo município, na oferta específica de base local” – ainda que “na inexistência de pessoal do quadro de AE/E ou QZP” – ou da consagração de que “o município articula com os AE/E para que estes procedam, nos termos da legislação aplicável, à afetação entre si dos recursos docentes disponíveis”. Ora, convém não esquecer que estes projetos incluem 25% da componente local do currículo, as AEC e toda a oferta de cursos profissionalizantes (CEF, Vocacionais, Profissionais). Ou seja, a prazo, a autarquia recrutará quase metade dos docentes, algo que é inequivocamente rejeitado pelos professores e pela Fenprof.
Concluindo: a segunda versão do contrato para a municipalização da educação, apesar de procurar responder às fortes críticas de professores, dirigentes escolares e autarcas, em nada altera o essencial, pelo que a FENPROF apela aos professores, órgãos de direção e gestão das escolas, pais e autarcas para que aprofundem a análise das suas implicações e recusem a concretização de medidas que visam reduzir ao mínimo as funções sociais do Estado.
3. Neste contexto, a FENPROF sublinha a importância da petição Professores Contestam a Municipalização da Educação, lançada no início de novembro, que em poucas semanas recolheu mais de 20 mil assinaturas. Os subscritores reclamam a suspensão do processo, contestam a ingerência das autarquias na organização curricular e pedagógica, rejeitam a transferência de qualquer competência relativa ao pessoal docente e exigem que, por se tratar de uma reconfiguração do sistema educativo, a transferência de novas responsabilidades para o Poder Local seja objeto de debate público e de negociação com as organizações representativas da comunidade educativa, designadamente dos docentes.
Contribuindo para esse debate, a FENPROF promove, já no dia 28 de fevereiro, no Porto (FPCEUP), uma iniciativa que contará com a presença de autarcas de diversos quadrantes políticos e de dois reconhecidos investigadores: Luiz Fernandes Dourado, da Universidade de Goiás e membro do Conselho Nacional de Educação do Brasil, e Licínio Lima, da Universidade do Minho. A FENPROF espera que o cruzamento dos diferentes pontos de vista favoreça o aprofundamento da reflexão e da ação sobre uma matéria de grande relevância para o sistema educativo e para o futuro da Escola Pública e dos seus profissionais.
O Secretariado Nacional da FENPROF
18/02/2015