Nacional
Público, 6/07/2010

"Código laboral não impede trabalho de menores"

06 de julho, 2010

 

Ao permitir a participação de menores de 16 anos em actividades culturais ou publicitárias, o Código de Trabalho fere a Constituição. A crítica é feita pela Confederação Nacional de Acção Sobre o Trabalho Infantil (CNASTI), que esteve a analisar, nos últimos meses, o novo quadro legal. Num documento divulgado ontem, em Braga, aquele organismo considera que, com as mudanças feitas na lei, o Estado está a legitimar o trabalho infantil.

A confederação apresentou ontem um documento em que analisa o código laboral no que à participação de menores em actividades artísticas e publicitárias diz respeito e exige que a lei seja revista.

O parecer jurídico pedido pela CNASTI será entregue ao provedor de Justiça para que este se pronuncie sobre a sua implicação na regulação do trabalho de menores. O documento foi também endereçado ao Presidente da República, ao Governo e aos partidos com assento na Assembleia da República.

A confederação quer que o assunto volte a ser discutido pelos políticos e que possa ser trabalhada uma nova solução. "Esta legislação permite o trabalho infantil de forma legal. Na prática, é possível contratar uma criança com um ano de idade e isso é contrário aos direitos dos menores que são constitucionalmente consagrados", considera José Manuel Silva, presidente da CNASTI. "Trata-se de uma agressão brutal aos direitos dos menores", acusa ainda.

A confederação entende que o menor pode ser usado para fins que não se harmonizam com os seus interesses, defendendo que a lei devia incluir limites negativos à participação de crianças em espectáculos e publicidade.

A forma de contratação prevista na lei assemelha-se à de um contrato de trabalho, considera o mesmo organismo, advertindo que, ainda que a actividade seja remunerada, a lei é omissa quanto à preservação da remuneração. "Têm vindo a público situações em que os pais, ou os legais representantes, se aproveitam das retribuições pagas e dos direitos de autor do menor", lembra a CNASTI, defendendo que a lei devia "contemplar mecanismos eficazes de defesa dos direitos patrimoniais dos menores".

Um vazio legal detectado pela CNASTI pode também impedir a assistência aos menores em caso de acidente de trabalho. "A designação é infeliz, mas é a que está na lei", critica José Manuel Silva, prevendo que as companhias seguradores terão dificuldades em activar os seguros de acidentes caso estes aconteçam com uma criança.

Crise pode fazer ressurgir
o trabalho infantil


A CNASTI acredita que a crise pode fazer ressurgir casos de trabalho infantil. Aquele organismo voltou a registar, no ano passado, casos de crianças a laborar em empresas portuguesas. A confederação adianta que, nos últimos meses, tem recebido diversas denúncias de professores, preocupados com o abandono escolar de vários alunos.

"À medida que o ano lectivo se ia aproximando do final, fomos recebendo cada vez mais denúncias", afirma José Manuel Silva. A entrada dos filhos no mercado de trabalho volta a ser olhada como uma forma de fazer face à diminuição dos rendimentos das famílias. "Com a crise, as crianças estão mais expostas a situações de pobreza", avalia o presidente da CNASTI.

No último ano, a confederação detectou dois casos de trabalho infantil, em empresas do distrito de Braga, que foram comunicadas à Autoridade para as Condições de Trabalho, mas admite que existam mais situações que não estão a ser denunciadas, em particular nesta região do país.