1. A actual crise financeira revela uma profunda hipocrisia política. Nas últimas décadas, os responsáveis políticos: promoveram o sector financeiro em detrimento da economia real; ignoraram as consequências da prevalência de critérios de rentabilidade imediata em prejuízo do investimento e da criação de emprego e da sua estabilidade; recusaram regulações eficazes com o argumento de que o Estado não deveria intervir e privatizaram a todo o custo; aceitaram a especulação desenfreada, o enriquecimento fácil, o aumento das desigualdades, em nome do mercado; impuseram precariedades no trabalho, degradação de salários e de pensões de reforma.
Agora, face a uma situação de crise que poderá, de um modo mais intenso, propagar-se à economia real, utiliza-se o Estado, antes tão vilipendiado, para salvar o sistema, e sacodem-se responsabilidades.
Quando muito, apontam o dedo a gestores do sector financeiro, sobretudo os que abandonam estas instituições com reformas de ouro, enquanto os responsáveis políticos procuram passar junto da opinião pública a mensagem de que são eles o salvadores (com o dinheiro dos contribuintes) da presente situação, da qual pretendem não ter qualquer culpa.
2. Para a CGTP-IN, a crise financeira, cujos desenvolvimentos são ainda imprevisíveis, deverá constituir um ponto de viragem sobre o modelo de sociedade
5. Atacou-se o Estado enquanto Estado Social, isto é enquanto Estado que desenvolve importantes funções sociais em áreas como a educação, a saúde, a segurança social, a justiça, ou a luta contra a pobreza. Mas reforçou-se o papel interventor do Estado a favor dos ricos e dos poderosos. A despesa pública foi vista como uma inimiga ao mesmo tempo que se defendiam todas as formas de apoio ao capital privado. Esta mesma dualidade é hoje evidente: os Estados, agora, intervêm com dinheiro dos contribuintes para salvar bancos e instituições financeiras, sem sequer assegurar que são postos de lado os processos especulativos.
8. Por isso, a CGTP-IN considera que é preciso retirar lições da crise
9.As medidas ontem tomadas pelos países da zona euro centram-se no sacrifício dos cidadãos, sem clarificação dos instrumentos de responsabilização e controlo e com ausência de contrapartidas concretas no plano social (em particular, no que diz respeito ao emprego e à retribuição do trabalho) e no que se refere à implementação das actividades produtivas de bens e serviços.
É preciso agir para superar o impacto da crise na economia portuguesa
10. O impacto da crise em Portugal foi e continua a ser minimizado pelo Governo (e também por empresários oportunistas e por formadores de opinião de serviço), apesar de hoje assumir uma posição mais cautelosa e de o Ministro das Finanças ter, de um modo inopinado, garantido a cobertura dos depósitos. A CGTP-IN considera que o impacto da crise não pode ser minimizado:
- A crise acresce a um quadro económico de muito baixo crescimento, que já vem desde o início da presente década;
- De acordo com as perspectivas económicas mais recentes (as do FMI), os principais países para onde se destinam as nossas exportações estão ou em estagnação, ou em recessão, como em Espanha;
- A nossa economia apresenta debilidades estruturais fortes em resultados de políticas que sempre privilegiaram o ajustamento nominal com a União Europeia e a redução do défice público;
- O nível de endividamento das famílias e das empresas é muito elevado pelo que o sistema financeiro apresenta vulnerabilidades que não se podem pura e simplesmente ignorar.
11. O poder de compra dos trabalhadores está em baixa devido não só aos baixos aumentos salariais que, em muitos casos, não acompanharam a inflação, mas também e sobretudo ao aumento dos encargos com os empréstimos à habitação. Um elevado número de famílias (42%) tem dívidas ao sistema bancário, sobretudo para fins de habitação, e o endividamento representa 129% do rendimento disponível. Com o aumento das taxas de juro (a taxa Euribor, que era de 2,6% em 2005, está agora em 5,4%), aumentaram os encargos com o serviço da dívida o que penaliza fortemente as pessoas com mais baixos rendimentos e os escalões etários mais jovens (onde, recorde-se, a precariedade de emprego é mais acentuada). Esta redução do poder de compra não permite dinamizar a procura interna.
12. O Governo admite que o objectivo de alcançar um défice público de 1,5% em 2009 não seja alcançado, devido ao abrandamento económico (com consequências em menores receitas e em maiores despesas) e a medidas de política económica (como a baixa de impostos para as empresas). Mas a mensagem económica dominante continua a ser a das contas públicas quando o problema é, como a CGTP-IN insistentemente tem chamado a atenção, a economia real.
O sector produtivo está debilitado, o nível de produtividade é baixo e o défice da balança corrente é insustentável (foi de 9,9% em 2007 mas passará e 12% e a 12,7% em 2008 e 2009, se as previsões do FMI se confirmarem). É uma ilusão pensar que pode haver contas públicas "sãs" numa economia "no charco". Por isso, a CGTP-IN é crítica face às regras do Programa de Estabilidade e de Crescimento, que o Governo apoia.
13. As previsões económicas apontam para o abrandamento das economias europeias, havendo mesmo recessão nalguns países, e para um crescimento em Portugal mais baixo que a média da União Europeia.
O País não pode contar em 2009 com a procura externa, que impulsiona as exportações, para melhorar a situação económica. Os principais países de destino das exportações poderão estar ou em recessão (Espanha e Reino Unido) ou em estagnação (Alemanha) ou em baixo crescimento (França). Neste quadro, há mais razões para dinamizar a procura interna por via dos salários, das pensões e dos apoios às famílias, em particular as de rendimentos mais baixos e com mais elevados encargos à banca, devido a empréstimos à habitação. Por isso, a CGTP-IN propõe que se introduza um novo regime de crédito à habitação dirigido às famílias de menores recursos. Defende ainda que devem ser revistas as regras de actualização das pensões, através do Indexante dos Apoios Sociais.
14. No actual contexto, o país tem de reforçar a aposta na economia real. Um dos problemas centrais é o do baixo nível de produtividade das empresas, o que é devido a factores como a do elevado grau de economia clandestina, a deficiências de organização e de gestão das empresas, a baixas qualificações dos trabalhadores e dos empresários e à falta de inovação. A valorização do trabalho tem um papel determinante. Estudos realizados em economias inovadoras demonstram que esta depende menos da tecnologias e mais da inovação social, o que implica actuar em factores como a organização do trabalho, as condições de trabalho, a formação, a qualificação, a participação e a motivação.
15. Estes factores que estão ausentes das preocupações dos gestores da esmagadora maioria das empresas, como o Governo constata no Livro Branco das Relações Laborais. Porém, ao invés de actuar nesta direcção, o Governo, através da revisão do Código de Trabalho, coloca-se ao lado do patronato mais retrógrado para pôr em causa o direito de contratação colectiva, para reduzir os custos com o trabalho e para "legalizar" a precariedade laboral. A CGTP-IN considera que ainda se está a tempo de fazer uma inversão de marcha suspendendo o processo de aprovação do Código de Trabalho e encetando um processo sério e participado de alterações, à cabeça das quais deve estar a salvaguarda de direitos colectivos essenciais, sindicais e de negociação colectiva.
17.A CGTP-IN defende que são necessárias medidas de resposta à situação social e de apoio às famílias, nomeadamente as que apresentou na sua proposta de Política Reivindicativa para 2009, sem prejuízo de medidas profundas de natureza estrutural. Essa medidas passam por:
- Melhoria dos salários e das pensões;
- Baixa das taxas de juros;
- Criação de um regime de bonificação do crédito dirigido às famílias de mais baixos rendimentos;
- Prolongamento do subsídio social de desemprego;
- Apoio a famílias de mais baixos rendimentos com utilização dos vários instrumentos da política social
- Eliminação das condições restritivas de acesso ao complemento solidário para idosos.
- Reorientação das disponibilidades financeiras,
- Adequação dos Planos Nacionais de Reforma e do Emprego 2008-2010, com vista a atacar os principais problemas do emprego e da economia real;
- Apoio e responsabilização das pequenas e médias empresas;
- Aprovar e aplicar um Plano Nacional de Acção para a Inclusão 2008-2010 ambicioso de modo a responder de um modo efectivo aos problemas da pobreza e da exclusão social;
- Incorporação de medidas e de recursos orçamentais no âmbito do Orçamento de Estado para 2009.
CGTP-IN em conferência de imprensa,
Lisboa, 13 de Outubro de 2008