Nacional
Uma sentença exemplar e uma vitória pela liberdade académica / Nuno Rilo*

"Caso da Química", Universidade de Coimbra

13 de novembro, 2003

Na sequência de uma queixa apresentada ao Ministério Público por membros da Unidade de Química-Fisica Molecular da Universidade de Coimbra, o Tribunal Criminal de Coimbra condenou no passado dia 7 de Julho o Professor Catedrático Doutor António Rocha Gonçalves, então Presidente do Conselho Directivo do Departamento de Química da FCTUC, por um crime de abuso de poder.

O conhecido ?caso da Química? existe naquele Departamento há demasiados anos e radica em concepções diferentes de organizar a investigação e percorrer a carreira académica. O que é normal na generalidade das nossas instituições académicas e geralmente até constitui um estímulo positivo nas suas vidas internas. Neste caso porém, deu origem a acções graves de perseguição e discriminações muito variadas por parte dos detentores do poder em relação a um grupo minoritário discordante das opções dominantes.

Essas atitudes têm-se mantido com maior ou menor gravidade até hoje e têm causado danos irreparáveis, quer aos colegas alvo destas acções, quer ao Departamento e à Universidade. Lembra-se apenas que diversos investigadores brilhantes, entre os quais um professor catedrático, abandonaram a Universidade.

Porém, o auge das acções persecutórias atingiu-se após o Coordenador da Unidade de Química-Física, Professor Teixeira Dias, se ter transferido para a Universidade de Aveiro. Então o Presidente do Conselho Directivo do Departamento de Química ordenou o a substituição da fechadura do Laboratório de Espectroscopia Vibracional, afecto aquela Unidade, e o corte de energia eléctrica a diversas salas e gabinetes de docentes e investigadores da Unidade.

Foi então que os colegas se dirigiram ao Sindicato, que acompanhava o processo e já havia por diversas vezes intervido publicamente e junto das autoridades académicas, para que fosse feita queixa ao Ministério Público por crime de abuso de poder. O nosso advogado, Dr. Carlos Fraião, acompanhou os colegas na elaboração da participação ao Ministério Público, que a julgou procedente e remeteu para julgamento. As vítimas daquelas atitudes, Professores Teixeira Dias, Paulo Ribeiro Claro, Luís Alberto Carvalho e Arminda Pedrosa, foram depois aceites como assistentes do processo e representadas pelo nosso advogado.

Coragem

Ainda que a condenação se traduza apenas numa multa de 4725 euros e, subsidiariamente, em 180 dias de prisão e ainda seja alvo de recurso, cuja resposta está a ser elaborada pelos nossos serviços jurídicos, esta sentença constitui um exemplo único na luta pela liberdade académica. Pela coragem dos colegas que ousaram processar os responsáveis, pela sentença cujos fundamentos são apresentados de forma sóbria e clara, assim como a própria leitura da sentença.

A Juíza, Doutora Helena Lamas, leu toda a sentença e no final teceu para o réu um breve comentário. No essencial a juíza começou por referir que, contrariamente ao que algumas testemunhas tinham afirmado, aquelas acções não deviam ser redimidas no ?fórum da justiça universitária?, que havia terminado há duzentos anos. Eles não deveriam era ter acontecido! E particularmente entre os ?melhores?, os mais preparados, os mais cultos que para resolver problemas comuns assumiam procedimentos inaceitáveis!

Como se referiu a sentença ainda não transitou em julgado e foi alvo de recurso cuja resposta está a ser cuidadosamente preparada pelo nosso advogado. Porém, ela já constitui uma referência no meio académico para casos semelhantes que estão a decorrer noutras escolas, mas é especialmente um grande estímulo para aqueles que têm sido vítimas da prepotência e da discriminação.

 * Membro da Direcção do SPRC e do Departamento do Ensino Superior da FENPROF