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Revista de imprensa

Câmaras sem dinheiro para pagar salários: Associação de Municípios conta 30 com a "corda na garganta"

01 de maio, 2014

JN | 27 de Abril

Governo atrasa fundo de apoio para ajudar as autarquias que estão falidas

A asfixia em que vivem cerca de 30 câmaras é “dramática” e põe em risco o pagamento de salários em algumas. Mas o Governo tarda em avançar com o Fundo de Apoio Municipal, acusam os autarcas.

“Esta derrapagem de prazos pelo Governo começa a ser inaceitável, o processo arrasta-se de forma inexplicável” e está a criar “situações insustentáveis”, acusa Rui Solheíro, secretário-geral da Associação de Municípios (ANMP). O responsável refere-se à regulamentação do Fundo de Apoio Municipal que, espera, virá socorrer as cerca de 30 autarquias em “asfixia financeira”, a ponto de algumas terem os salários em risco a muito curto prazo.

O fundo está previsto na Lei das Finanças Locais, em vigor desde janeiro deste ano, mas ainda não avançou.

Fevereiro foi o primeiro prazo prometido pelo Governo para apresentar uma proposta de regulamento, para discussão com a ANMP, disse Rui Solheiro. Mas fevereiro passou e, em março, o ministro da tutela, Poiares Maduro, prometeu ao conselho diretivo da associação enviar o documento até ao final desse mês. Falhado também esse prazo, contou Rui Solheiro, foi avançado um novo: o fim de abril – a próxima quarta-feira.

A este ritmo, suspeita o dirigente associativo, não será em julho que o fundo estará acessível aos municípios.

Pressão, sem resultado

Enquanto isso, há autarcas confrontados com graves problemas financeiros. Entre os apontados como tendo a situação mais grave estão três municípios que elegeram um novo presidente, em setembro do ano passado: Gaia, onde Eduardo Vítor Rodrigues sucedeu a Luís Filipe Menezes; Aveiro, com Alberto Souto a ser substituído por Ribau Esteves; e Portimão, onde Isilda Gomes ocupa a cadeira de Manuel da Luz.

Destes, só Gaia aderiu ao PAEL (ler definição ao lado), ao abrigo do qual os municípios têm acesso a um empréstimo para pagar contas a fornecedores em atraso. Portimão ainda aguarda o visto do Tribunal de Contas e o anterior presidente de Aveiro optou por ficar de fora. No total, entre 30 e 33 municípios estão numa “situação financeira dramática”, calcula Rui Solheiro.

O JN perguntou ao Ministério Adjunto e do Desenvolvimento Regional, que tutela o Poder Local, as razões do atraso e a data em que o documento será apresentado, mas não teve resposta. Também a ANMP não tem tido resposta positiva, mas não por falta de pressão, “pessoalmente, por telefone e por escrito”, diz Rui Solheiro.

O que é o PAEL?

O Programa de Apoio à Economia Local empresta dinheiro para que as autarquias saldem dívidas a fornecedores em atraso há mais de 90 dias. Os municípios têm de dar prova de capacidade para devolver o dinheiro e cumprir planos de reestruturação financeira.

O que é o FAM?

Previsto na Lei das Finanças Locais, o Fundo de Apoio Municipal vai apoiar financeiramente os municípios em dificuldades. As condições de acesso e pagamento do empréstimo só serão conhecidas com a proposta de regulamento.

Oito à espera de visto

Para aceder ao PAEL, um terço das câmaras do país (102) pediu visto ao Tribunal de Contas. Um foi recusado, dois cancelados e oito estão em análise: Portimão, Celorico da Beira, Nazaré, Cartaxo, Ourique, Montemor-o-Velho, Santa Comba Dão e V. N. Poiares,

VILA NOVA DE GAIA

“Displicente e vingativa”

HERDOU uma dívida de 316 milhões de euros, face a uma receita anual efetiva de 125 milhões. A par de Aveiro e Portimão, Gaia é o município em pior situação – apesar de já ter recebido 22,8 milhões do PAEL. Eduardo Vítor Rodrigues espera aceder ao FAM, mas teme que seja um presente envenenado, olhando à postura da comissão que o Governo encarregou de reunir com as autarquias, em fevereiro. O tom foi “displicente e vingativo” apesar de, “na esmagadora maioria dos casos, a dívida não resultar da gestão dos atuais autarcas”, disse. Rodrigues garante haver “uma convicção generalizada de que o fundo será de bloqueio e amputação e não de apoio”, e suspeita que o atraso seja uma “estratégia para deixar os municípios tão desesperados que aceitarão qualquer coisa”. Mas admite: “Se for um mecanismo de apoio, serei o primeiro a aplaudir”.

PORTIMÃO

“Duvido que chegue ao verão”

É UM DOS CASOS mais aflitivos. “Estamos numa situação caótica”, até para “garantir o pagamento dos vencimentos”, diz a autarca de Portimão, Isilda Gomes. A câmara tem vivido do dinheiro libertado por uma empresa municipal, mas o balão de oxigénio não dura para sempre. Isilda Gomes duvida, mesmo, que chegue até ao verão.

Em agosto de 2013, solicitou visto para aderir ao PAEL, mas o Tribunal de Contas tem feito sucessivos (mas “legítimos”, realça) pedidos de informação. Agora, “a alimentação das crianças nas escolas não pode estar em risco, mas há serviços vitais, como transporte público, que estão”, afirma. Isilda Gomes recebeu de Manuel da Luz uma dívida de 145 milhões. Em fevereiro, discutiu com Passos Coelho a situação dramática em que encontrou Portimão.

AVEIRO

Nem para a conta da luz

COMPLETA o trio dos municípios dados como tendo os maiores problemas financeiros: a Câmara de Aveiro soma uma dívida de 140 milhões de euros, que terá de pagar com receitas de 44 milhões. O JN não conseguiu chegar à fala com Ribau Esteves para este trabalho, mas há uma semana o autarca veio a público dar mais um exemplo da asfixia em que vive a autarquia: a EDP ameaçou cortar a luz aos edifícios camarários por falta de pagamento. O corte foi evitado graças a uma renegociação das faturas em atraso. “Estamos num estado muito mau”, disse, citado pela Lusa. O autarca pretendia apresentar as linhas mestras do plano de reestruturação financeira durante o primeiro meio ano de mandato, mas não vai cumprir o prazo “porque o Governo ainda não apresentou sequer a primeira versão do Fundo de Apoio Municipal”, justificou, na altura.

Alexandra Figueira
Jornal Notícias | Domingo, 27 Abril 2014