Nacional
"Público", 29/12/2006

Aumentos de preços para 2007 debilitam saúde financeira dos portugueses

15 de fevereiro, 2007

Com o ano novo as subidas de preço são inevitáveis. Rendas, electricidade, portagens ou tabaco são apenas alguns desses exemplos  
 
 Menor capacidade para consumir ou para poupar e maior dificuldade para gerir as dívidas contraídas junto da banca. É este o panorama que a generalidade dos portugueses terá de enfrentar a partir do dia 1 de Janeiro. Como é habitual, ao ano novo correspondem preços novos, e 2007 não será diferente. Em paralelo, a situação económica e financeira do pais não permite grande aumento de salários e o resultado será um novo apertar de cinto.  
 
A partir de dia 1 de Janeiro são vários os bens e serviços que obrigarão os portugueses a desembolsar mais dinheiro, a começar pela electricidade. A conta da luz vai aumentar seis por cento para os 5,3 milhões de consumidores domésticos em Portugal continental. Quanto aos preços do gás, que variam trimestralmente, os consumidores terão de esperar pelo final de Janeiro para saberem quanto irão pagar a mais. A estes aumentos somam-se ainda um agravamento dos custos com a saúde, mas a escalada não se fica apenas por bens essenciais. Também o tabaco, em resultado do aumento dos impostos específicos, sofrerá um novo agravamento.  
 
As rendas contratadas após 1968 e as portagens nas auto-estradas também irão pesar mais nas carteiras no início de 2007. Mas ao nível da habitação, a factura farse-á sentir de forma bastante mais severa para os portugueses que se endividaram. A subida de taxas de juro encetada pelo Banco Central Europeu poderá ainda não ter terminado e as consequências far-se-ão sentir.  
 
A somar aos preços vêm as modestas subidas de salários programadas, primeiro, na administração pública, com aumentos de apenas 1,5 por cento. Depois virão os privados que, normalmente, seguem este referencial.  
 
O próximo ano deverá ser, assim, mais um ano em que os portugueses vão recorrer à Deco, depois de este ano o gabinete de apoio ao sobreendividado desta associação ter recebido o maior número de pedidos de apoio desde 2000, ano em que começou a disponibilizar este serviço (ver texto na página ao lado). .  
 
Número de famílias em apuro financeiro aumentou seis vezes desde 2000  
 
São cada vez mais os casos de pessoas com rendimentos elevados com problemas de sobreendividamento  
 
A família-tipo sobreendividada portuguesa tem três elementos e um rendimento mensal à volta de mil euros. Os cônjuges têm entre os 35 e os 45 anos e habilitações académicas ao nível do ensino secundário.  
 
O desemprego de pelo menos um dos elementos do casal é a causa principal das dificuldades em continuar o pagamento dos créditos contraídos - também há situações geradas por doença ou divórcio - e que leva as pessoas em causa a pedir apoio à Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco). Pedidos de apoio disparam O número de processos abertos pela Deco entre 2000 e o final do passado mês de Novembro foi de 3437. Faltando contabilizar ainda os dados de Dezembro, o número provisório de casos abertos em 2006 é de 840, ou seja, quase seis vezes mais do que os pedidos de apoio formulados em 2000 (152), primeiro ano em que funcionou o gabinete de apoio ao sobreendividado daquela associação. Ao longo dos anos, o número de processos tem crescido sempre: 241 em 2001; 379 em 2002; 515 em 2003; 573 em 2004; e 737 em 2005. A distribuição geográfica das famílias em apuros abrange todo o território nacional, com natural predominância nas áreas da Grande Lisboa e do Grande Porto. Há agregados familiares operários sobreendividados, mas também de professores, médicos ou economistas. A tendência mais recente é para o aparecimento de famílias com rendimentos elevados, na ordem dos 2500 euros mensais.  
 
Os casos que a Deco aceita apoiar são os de sobreendividamento passivo, isto é, consumidores que contrataram de boa fé e querem pagar o que devem, mas nao conseguem. Como as instituições de crédito têm igualmente interesse na resolução dos casos, não surpreende que cerca de 80 por cento dos processos recebidos dêem lugar a um processo de renegociação da divida. O tempo médio de resolução é muito variável, dependendo em grande medida da complexidade dos processos - há casos em que estão em jogo 15 ou 20 créditos diferentes, envolvendo numerosas instituições financeiras.  
 
"O grande problema e o peso dos créditos no orçamento familiar", diz Natália Nunes, coordenadora do gabinete de apoio ao sobreendividado da Deco. Esta jurista considera que o aumento das taxas de juro à habitação, por exemplo, não afecta as famílias que se endividam de forma responsável", ou seja, as que respeitam a taxa de esforço, que estabelece que os encargos não devem ultrapassar 40 por cento dos rendimentos familiares. O problema, acrescenta, é que "há famílias com créditos pessoais de 50 ou 60 mil euros.  
 
Como é que tais situações de endividamento excessivo podem acontecer? "Há hoje uma maior facilidade no acesso ao crédito pessoal", responde Natália Nunes. "Mas o consumidor português não está preparado para lidar com esta realidade", acrescenta. Como a educação financeira dos cidadãos é quase inexistente, aquela responsável acredita que o sobreendividamento "continuará a aumentar".  
 
 
Educação lidera subida de preços desde 2002  
 
Num contexto em que os preços em Portugal continuam a subir a um ritmo mais elevado que na zona euro, entre Janeiro de 2002 e Novembro de 2006, só mesmo nas comunicações é que os preços recuaram. Do lado contrário estão a educação, bebidas alcoólicas e tabaco, e transportes que foram, por esta ordem, os agrupamentos de produtos cuja evolução acumulada dos preços mais se fez sentir na carteira dos portugueses.  
 
Os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que, em termos acumulados e desde Janeiro de 2002, os preços dos serviços postais, de equipamento telefónico ou os serviços telefónicos, em conjunto, custam menos hoje do que custavam há quase cinco anos. Nos produtos relacionados com a educação passou-se precisamente o contrário. Em quase cinco anos os preços de produtos relacionados com os vários tipos de ensino aumentaram mais de 34 por cento. Em segundo lugar surge o agrupamento bebidas alcoólicas e tabaco com uma subida de 27,8 por cento. Na terceira linha de aumentos surgem os produtos ligados aos transportes: um conjunto vasto que vai desde a aquisição e reparação de veículos a todo o tipo de serviços de transporte de passageiros. No total, estes produtos levaram um aumento de 23,7 por cento.  
 
O que é contabilizado na taxa de inflação  
 
Mas com aumentos desta ordem de grandeza - todos acima de 20 por cento - qual a razão para que a taxa de inflação divulgada pelo INE só apresente variações de dois ou três por cento ao longo dos últimos anos? Primeiro porque o INE não divulga as variações de preços acumuladas ao longo de vários anos; por outro lado, porque nem todos os produtos têm o mesmo peso no Índice de Preços no Consumidor, o indicador que é divulgado pelo instituto. Assim, tal como se pode ver no gráfico nesta página, a classe de produtos que mais pesa no bolso dos consumidores é a dos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas, representando pouco mais de um quinto do Índice. E nesta classe, por exemplo, a subida acumulada dos preços desde Janeiro de 2002 apenas atingiu os sete por cento. Só depois surge a classe dos transportes e depois a dos restaurantes e hotéis, esta última com um peso superior a 10 por cento. Mas também nesta classe a subida acumulada de preços não ultrapassou os 21,1 por cento.  
 
A habitação, água, electricidade, gás e outros combustíveis é a classe que se segue em termos de importância para o cálculo de inflação divulgado pelo INE. Representa 10 por cento do Índice e registou um incremento de 17,8 por cento desde Janeiro de 2002.  
 
Em 2007 as pressões para a subida da inflação são muitas, em particular devido à subida das taxas de juro e ao consequente impacto que terão nos custos com a habitação. Ainda assim, as estimativas conhecidas apontam para que a inflação não ultrapasse os 2,1 por cento no próximo ano, devendo ficar nos 2,9 por cento este ano.

"Público", 29/12/2006