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As horas extraordinárias

15 de novembro, 2024

São de amor e paixão as palavras cantadas de Sérgio Godinho que falam de trabalho sem dar pelo cansaço, em dia que passou num furacão que amainou perante um amor, cuja resposta se procurou num lance de moeda ao ar.

O que se passa com os profissionais e outros trabalhadores a quem são impostas horas e mais horas extraordinárias é muito diferente. São horas, muito para além das que a lei estabelece como adequadas, impostas para resolver problemas criados por políticas que visaram reduzir o número de trabalhadores; são horas que provocam um furacão que nunca amaina e um cansaço que toma conta do físico e da mente, originando um turbilhão de sensações negativas que, em grande número, desaguam nas negras marés de stress e burnout.

Alvos preferenciais destas políticas são os profissionais e, em geral, os trabalhadores de serviços públicos. Serviços que estão a ser vítimas de cortes orçamentais, por vezes, pela obstinada opção de fazer crescer o excedente e, outras vezes, pela mal disfarçada intenção de fragilizar o serviço público, facilitando o recurso à chamada parceria público-privada ou à privatização.

"Esta é a opção de governos

que recusam valorizar as profissões e as respetivas carreiras"

É assim com os médicos, de quem se exige que façam horas extraordinárias em número que ultrapassa, em muito, o que a lei limita; com os enfermeiros, a quem se exige um número elevadíssimo de horas extraordinárias e em relação aos quais os governos vêm acumulando um calote de milhões de euros; com os profissionais do INEM que, em maio, já tinham cumprido as horas extraordinárias a que estão obrigados para o ano todo, insinuando-se, em novembro, que os problemas do serviço se deve à recusa de as cumprir; com os assistentes operacionais dos mais diversos setores daa Administração Pública, que são pau para toda obra e não viram a sua situação melhorar com a transferência de competências para os municípios... e, porque a asneira pega de estaca, o alvo, agora, são os professores que se encharcam com horas extraordinárias para colmatar a falta de profissionais do setor.

Não há escola sem docentes com horas extraordinárias, sendo que, a partir deste ano letivo, em mais de duas centenas, podem ser atribuídas até 10 horas letivas extraordinárias, o que pode significar até mais 5 turmas, ou seja, até mais cerca de 120 alunos (excecionalmente, até ao dobro), com todo o trabalho não letivo que lhe está associado. Significa, ainda, que os limites de horas extraordinárias por ano letivo, para os docentes, estão entre as 200 (5 semanais) e as 400 (10 semanais), o que é uma brutalidade.

Esta é a opção de governos que recusam valorizar as profissões e as respetivas carreiras; de governos que desgovernam quando se trata de defender os serviços públicos e a qualidade das suas respostas; de governos para quem as dificuldades criadas ao público constituem uma oportunidade ao privado que vê, assim, escancaradas as portas do negócio.

Do lado dos profissionais e demais trabalhadores, a aceitação do trabalho extraordinário é de quem teme recusá-lo por ser atribuído por quem tem a faca e o queijo na mão em aspetos como a avaliação que determinará a progressão na carreira. Só que são muitos os que não aguentam e, como se usa dizer, encostam às boxes. Isto significa que, num primeiro momento, o problema da falta de profissionais parece resolvido, contudo, quando o excesso já não se aguenta, disparam as doenças daqueles que deveriam ser cuidadores, cuidando da saúde, da educação ou de outras importantes respostas que são essenciais à vida das pessoas.

Mário Nogueira, Secretário-Geral da FENPROF