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João Cunha Serra. Direcção do SPGL e SN da FENPROF

Apresentação da proposta de Programa de Acção - "Professor Solidário Actor de uma Escola Democrática e de uma Sociedade Justa"

19 de março, 2004

Caras e caros Colegas, delegadas e delegados. Caros convidados.

Não é possível no pouco tempo de que disponho percorrer com detalhe o texto do Programa de Acção que em nome do Secretariado Nacional me coube a responsabilidade de vos apresentar. Vou assim limitar-me a abordar as linhas de força mais relevantes para o debate a realizar nesta grande assembleia.

O nosso Congresso realiza-se no contexto de um processo acelerado de globalização neoliberal capitalista, impulsionado pelas novas tecnologias da informação e da comunicação, posto em prática não para resolver os problemas da humanidade, não para combater a fome, a pobreza, a exclusão social, as disparidades sociais, as desigualdades no acesso a bens essenciais como a educação, a saúde, a água, o saneamento básico; não para promover a paz e para defender a qualidade do ambiente e o desenvolvimento sustentável, mas para fazer aumentar os lucros que permitem a um punhado de habitantes deste planeta obter proventos anuais superiores ao PIB do conjunto de muitos países com milhões de cidadãos.

Cresce a competição entre países e entre blocos de países, bem como entre as grandes empresas transnacionais, pelo controlo das maiores fatias de mercado. Assiste-se à tentativa de submissão de toda a actividade humana à doutrina do mercado, pretendendo-se reduzir tudo a mercadoria.

Neste quadro altamente competitivo o conhecimento desempenha um papel crescente. A iniciativa privada depressa se apercebeu disso. Muitos países também. A fuga de cérebros está a depauperar as nações em vias de desenvolvimento e a caça aos cérebros é um ?desporto? que não conhece períodos de defeso. A OMC procura persistentemente criar um mercado da educação. Por todo o mundo os Governos abrem portas à privatização dos sistemas de ensino, reduzem o financiamento do ensino público, apoiam a iniciativa privada e fazem pagar às famílias de uma forma crescente os custos do ensino. O ensino transnacional muito desenvolvido no ensino superior ameaça a qualidade e a independência cultural dos países menos desenvolvidos.

Em 2000 foi aprovada a chamada Estratégia de Lisboa que visa até 2010 tornar a União Europeia na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo. Trata-se uma meta muito ambiciosa que se encontra muito longe de ser alcançada. Se bem que alguns países europeus estejam em condições de contribuir significativamente para este desafio, a realidade é que em Portugal o panorama é cada vez mais negro pondo em causa as possibilidades de serem alcançadas as médias europeias quanto a rendimento per capita, a qualificação da população activa, a investigação e a inovação.

O nosso país desinveste na educação e na investigação, e põe em causa as condições sócio-profissionais daqueles que são os principais trabalhadores do conhecimento: os professores e os investigadores.

Este Governo elegeu como alvo na educação aqueles com quem precisaria de contar se para alguma coisa lhe interessasse a elevação da qualificação da nossa população condição essencial ao desenvolvimento social, económico e cultural sustentável do país.

Têm que ser, assim, os professores a ter que se mobilizar e mobilizar a sociedade e os restantes trabalhadores para inverter a actual política para a educação, que se encontra subordinada aos ditames de um Programa de Estabilidade e Crescimento cada vez com menos adeptos. Novos desafios se colocam, assim, aos professores.

Na educação pré-escolar pelas tentativas de privatização da rede; nos ensinos básico e secundário, pela via do encerramento de escolas, da extinção de vagas dos quadros e da condenação de muitos professores contratados ao desemprego; e no ensino superior, pela via da asfixia orçamental, dos despedimentos e da redução compulsiva das vagas de acesso dos estudantes, assiste-se a uma política deliberada de atrofia do sistema público de ensino, enquanto se apoia e incentiva o ensino privado. Entretanto o país continua com vergonhosas taxas de iliteracia, de abandono e de insucesso escolares que tolhem o desenvolvimento do nosso país e remetem milhares de trabalhadores para tarefas menos qualificadas na União Europeia.

Os professores de qualquer nível de ensino são trabalhadores que devem lutar e que lutam colectivamente pela defesa, pelo cumprimento e pelo alargamento dos seus direitos apoiados e apoiando-se nas suas organizações representativas onde sobressai naturalmente a FENPROF. Muitos destes direitos, contudo, não se encontram desligados da essencial acção dos professores no terreno privilegiado que hoje cada vez mais é a educação, numa sociedade em que o conhecimento se vai transformando no factor de produção mais importante. Sem menosprezar outros importantes factores, a educação, o ensino, a investigação e a ligação destes à sociedade são, no período histórico que atravessamos, pilares estruturais em que pode e deve assentar a democratização social e cultural da sociedade, a promoção da igualdade de oportunidades, o combate às desigualdades e a elevação da qualidade de vida dos portugueses.

Para que os professores possam estar à altura deste seu papel histórico importa contrariar a actual desmotivação que o estado a que o sistema educativo foi conduzido por sucessivos governos lhes provocou. Com base numa análise crítica da profissão e das condições do seu exercício, os professores estão em condições de colectivamente, com o apoio da FENPROF, definir um projecto mobilizador que reconstrua a esperança e impeça que venham a ser desvalorizados e transformados em profissionais a quem foi roubada a liberdade de criação e de crítica e a possibilidade despertar nos jovens os valores da paz, da liberdade e da solidariedade; a importância do cultivo da dúvida metódica e da reavaliação continuada da ciência feita; a necessidade do empenhamento cívico individual e colectivo para a resolução dos problemas sociais, transformando os valores em acção; a constante procura do aperfeiçoamento pessoal, em contraponto ao defendido pelo neoliberalismo que favorece a lei do mais forte e as orientações pedagógicas da competição ? não as de uma competição saudável mas as do esmagamento do outro, transformando em questão de pouco valor a inter-ajuda e a solidariedade.

Desta monta são as ameaças, mas igualmente os desafios com que os professores se confrontam neste início de século.

  • Quando os professores e a FENPROF defendem uma rede pública de estabelecimentos de ensino que cubra as necessidades de toda a população, como a Constituição exige, em vez da eufemista ?rede de ofertas educativas? que tenta encobrir o propósito de favorecer o ensino privado e de desresponsabilizar o Estado;
  • Quando reclamam a gratuitidade da frequência de toda a escolaridade até ao superior, inclusive, e esquemas sólidos de acção social escolar, em oposição à política de sucessivos governos que onera as famílias e contribui para o afastamento da escola dos filhos das famílias de menores rendimentos;
  • Quando os professores e a FENPROF defendem que se combatam as discriminações verificáveis durante o percurso escolar dos alunos, contra a insensibilidade dos ministérios a esta questão;
  • Quando exigem que a educação seja uma prioridade em sede de Orçamento de Estado e não uma despesa a reduzir o mais possível;
  • Quando os professores e a FENPROF exigem quadros de pessoal de apoio devidamente qualificado que, numa perspectiva de inclusão, ajude à integração e recuperação de alunos com problemas;
  • Quando defendem a autonomia dos estabelecimentos de educação e ensino, e recusam o reforço dos poderes e do controlo do Governo sobre as escolas e os professores;
  • Quando os professores e a FENPROF defendem a gestão democrática das escolas e a prevalência de critérios pedagógicos sobre critérios administrativos, contra a imposição de gestores profissionais, ou de directores plenipotenciários;
  • Quando recusam os mega-agrupamentos e lhes contrapõem associações de escolas cuja constituição envolva todos os parceiros educativos e que potenciem novas dinâmicas de trabalho pedagógico e o desenvolvimento de projectos educativos comuns;
  • Quando os professores e a FENPROF rejeitam os rankings como falsas, perversas e demagógicas pseudo-avaliações sumativas das escolas e defendem uma avaliação séria que se baseie na auto-avaliação e que permita identificar os constrangimentos existentes no funcionamento das escolas e ajude a compreender quais são da sua responsabilidade e quais decorrem de decisões de política educativa de forma a comprometer as instâncias responsáveis por esses constrangimentos na sua superação;
  • Quando reclamam apoios efectivos ao ensino ao longo da vida contra uma política de encerramento de cursos nocturnos;
  • Quando os professores e a FENPROF reclamam a disponibilização aos docentes do ensino superior de cursos de formação pedagógica adequadamente considerados na progressão nas carreiras, a par da valorização para o mesmo efeito da actividade pedagógica dos docentes;
  • Quando defendem uma profunda renovação da formação inicial e um novo quadro legal de habilitações para a docência e a formação contínua adequadas à construção de uma escola renovada democrática e de qualidade;
  • Quando os professores e a FENPROF reclamam a estabilidade emprego e profissional do corpo docente, condição para o investimento na profissão e para a garantia das liberdades de criação e de expressão da opinião;

estão a defender os direitos dos professores e a elevação da sua dignidade profissional mas estão também a defender directa ou indirectamente o interesse do desenvolvimento cultural, social e económico do país que depende fortemente do aumento das qualificações da população activa (quanto a conhecimentos, a competências e a capacidades, na perspectiva do alcance da ?cultura integral do indivíduo?, como dizia Bento de Jesus Caraça) aumento que apenas será assegurado através do reforço da escola pública de qualidade, democrática no seu acesso e com as condições necessárias para o sucesso de todas as crianças, jovens e adultos do país.

A FENPROF é a única organização sindical dos professores que tem sido capaz de aliar a defesa dos direitos e dos interesses dos docentes às necessidades do desenvolvimento de um sistema educativo que responda às exigências do futuro, com vista à edificação de um país melhor: política, económica, social e culturalmente e de mostrar que não há contradição alguma entre estas duas vertentes do sua acção. Elas completam-se e reforçam-se ? são inseparáveis.

É este o caminho que com os professores a FENPROF continuará a trilhar!

J. Cunha Serra