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Aplaudir quem trabalha, valorizar (mesmo) os trabalhadores

13 de abril, 2020

JLouceiro

 

João Louceiro, Secretariado Nacional da FENPROF

Na canção de Chico Buarque, Geni era desprezada, cuspida e apedrejada. Mas quando só ela podia salvar a cidade, ecoaram pedidos e louvores: a cidade “foi beijar a sua mão/o perfeito de joelhos/o bispo de olhos vermelhos/e o banqueiro com um milhão”. Salvou-se a cidade… E tudo voltou ao que era: Geni desprezada, cuspida e apedrejada.

Por estes dias, os aplausos aos profissionais da saúde são imprescindíveis em qualquer serviço noticioso. Anónimos, mas também – por ora – de todos os quadrantes políticos, sem exceção, de autoridades e de órgãos de comunicação social. A valorização é justa e traduz um reconhecimento geral: aqueles trabalhadores são a alma, a fibra e, mais do que todos os outros indispensáveis recursos, são a capacidade do nosso SNS.

Em diferentes funções, umas agora consideradas essenciais e tantas outras também imprescindíveis, a epidemia está a sublinhar com dramatismo a importância insubstituível dos trabalhadores. Faz-nos recuperar, precisamente, a ideia central na luta dos professores nos últimos largos anos: valorizar o (seu) trabalho e a (sua) profissão.

Na voz de alguns governantes (outros nem para isso parecem ter préstimo), nos jornais, rádios e televisões, não deixamos de sentir o aroma de alguma (?!) hipocrisia. A constatação pode melindrar a ordem unida em que marcha a comoção coletiva, mas a emergência não nos há de subtrair a memória…

Muita daquela gente, hoje inexcedível em louvores, tem-se afincado em rebaixar a condição de quem trabalha. A depreciação salarial, o desmantelamento das carreiras, a paulatina destruição de direitos, o desrespeito pelas carreiras contributivas, a precariedade laboral são matérias concretas que fazem torcer o nariz aos panegíricos que passámos a ouvir a todo o momento. Mesmo a comunicação social dominante, agora farta em admiração e respeito por quem trabalha para nos salvar da epidemia, não faz muito tempo, ocultava ou vilipendiava, de uma forma geral, as lutas necessárias pela valorização e dignificação dos trabalhadores.

Não estávamos preparados para isto, para o estado de emergência, o confinamento social, para as escolas encerradas, o ano letivo suspenso abruptamente, as crianças e os alunos em casa, alguns perdidos, sem apoios e sem recursos… Os professores estão a dar o melhor de si, como tantas vezes já fizeram, reinventando-se na passada, às vezes até exagerando, mantendo as ligações com as suas turmas, os jovens, as famílias; procuram preservar a conexão entre cada aluno e o espaço fundamental de vida e de crescimento que é a sua escola.

Os encómios de circunstância não vão substituir a imprescindível valorização da condição dos trabalhadores. É com medidas concretas que isso se faz. No caso dos professores, não haverá valorização que possa deixar pelo caminho o respeito pelo seu tempo de serviço, a normalização da sua maltratada carreira, a aposentação dos mais velhos e a entrada de mais novos, horários de trabalho sem abusos e ilegalidades e a vinculação dos que respondem a necessidades permanentes.

Os tempos são de emergência. Regressa o argumento da crise. Mas nós não esquecemos. Ultrapassaremos os tempos difíceis e prosseguiremos a luta.

E, por enquanto, em rigoroso confinamento, voltemos a ouvir “Geni e o Zepelim”…

Grande Chico Buarque!