A exposição evocativa do centenário do nascimento deste escritor percorre, através dos seus manuscritos e das obras impressas, as facetas de um labor intelectual que incluiu também a pedagogia e a didáctica desenvolvidas ao longo de uma também reconhecida carreira docente.
A Biblioteca Nacional de Portugal evoca a vida e obra de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho (1906-1997), insigne investigador da história das ciências, professor e pedagogo que se tornou alvo de reconhecimento do grande público com o pseudónimo literário de António Gedeão, nomeadamente como autor da muito célebre «Pedra filosofal».
Licenciado em Ciências Físico-Químicas, Rómulo de Carvalho deixou uma obra de pesquisa conhecida a partir de 1959 com o estudo sobre a História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa (1765-1772), que viria a marcar decisivamente os trabalhos sobre a história da ciência em Portugal no século XVIII. Rigoroso e prolífico investigador, a sua História do Ensino em Portugal, com 1ª edição em 1986 sob o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian, constitui um marco na bibliografia da disciplina e, ainda hoje, uma referência obrigatória. Os trabalhos didácticos e pedagógicos, incluindo manuais escolares nos domínios da Física e da Química, seguiram de par com importantes obras de vulgarização de temas das ciências: colaborador da célebre «Biblioteca Cosmos», dirigida por Bento de Jesus Caraça na década de 1940, mais tarde chamado por António Quadros a publicar na colecção «Biblioteca Breve», do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, na década de 1980, ele mesmo dirigiu e quase inteiramente assegurou a colecção «Ciência para a Gente Nova», entre 1952 e 1962, publicada na editora Atlântida, e a série de «Cadernos de Iniciação Científica», entre 1979 e 1981 para a Livraria Sá da Costa.
Movimento Perpétuo, em 1956, foi o título de estreia de António Gedeão, seguido de Linhas de Força, em 1967. Poemas Póstumos e Novos Poemas Póstumos, em 1984 e 1990, concluíram o seu percurso poético original. O lirismo didáctico, debruçado sobre a realidade, numa simultânea apreensão - pode dizer-se correlata - do homem e do universo, funde viagem ao passado e mensagem de esperança, numa riqueza vocabular e de imagens a que a melodia e o ritmo conferem emoção. Através das obras impressas e dos manuscritos e outros documentos originais que compõem o Espólio Literário, generosamente doado à BN pela Família do escritor, com relevo para o universo poético do autor de Teatro do Mundo e de Máquina de Fogo, a exposição procura reflectir a dimensão compósita de Rómulo de Carvalho/António Gedeão, alquimista da palavra, mesmo expressamente, num todo humanístico-científico à maneira renascentista.
Com o patrocínio da REN - Rede Eléctrica Nacional, a exposição é inaugurada no dia 12 de Outubro, pelas 17:30 horas, e estará patente ao público até 6 de Janeiro de 2007.
Poeta da 'Pedra Filosofal' revela-se em exposição
DN, 10/06/2006
Quem não se lembra da Pedra Filosofal, cantada pela primeira vez por Manuel Freire, em 1969, no programa Zip-Zip e tão repetida ao longo dos tempos? (Eles não sabem que o sonho/é uma constante da vida/tão concreta e definida/como outra coisa qualquer...).
'António é o Meu Nome. Rómulo de Carvalho', poderia ter sido a resposta para quem trauteou vezes sem conta a canção, mesmo sem saber o nome do autor. E que também serve de título à exposição organizada pela Biblioteca Nacional (BN) a propósito dos cem anos do seu nascimento (inaugura na quinta-feira e vai até 6 de Janeiro). A mostra parte do espólio do autor, doado por familiares, nomeadamente a viúva Natália Nunes que o organizou, e dá conta de um homem multifacetado (ver caixa).
Falar de Rómulo de Carvalho (1906-1997), ou do seu pseudónimo António Gedeão, não é apenas falar de poesia. Quem acompanhou a sua vida e obra recorda que ele deixou "uma mão-cheia de estudos marcantes", e uma vasta obra como historiador das ciências, tornando-as acessíveis à compreensão de um público vasto.
Licenciado em Físico-Químicas, Rómulo de Carvalho era apaixonado por este universo. Adorava dar aulas no ensino secundário, o que fez durante 40 anos, não trocando o lugar por outro mais prestigiante.
Paixão pela marcenaria
"Não aceitou ser assistente da Faculdade de Ciências do Porto, porque preferia dar aulas a gente mais jovem, para os entusiasmar", recorda, ao DN, o seu filho Frederico Carvalho. Com que imagem ficou do pai enquanto criança? "Com a imagem de uma pessoa extremamente organizada, rigorosa e trabalhadora que me dava muita atenção, levando-me a espectáculos e muitas vezes ao Jardim Zoológico". Mas a memória mais fina remonta talvez ao tempo em que o pai "construiu toda a mobília do seu escritório, desde a secretária às estantes". Frederico Carvalho assegura, o pai confessava-lhe que "se não fosse professor gostava de ser marceneiro".
Rómulo de Carvalho começou a escrever aos 11 anos, mas às escondidas. Queria "continuar" Os Lusíadas, tendo sido publicados poemas seus no Almanache das Senhoras. Mas só se revelou como poeta em 1956 com Movimento Perpétuo, a que se viriam juntar outras obras como Teatro do Mundo (1958), Máquina de Fogo (1961), Poema para Galileu (1964), Linhas de Força (1967) e Poemas Póstumos (1983).
Colaborou em várias revistas (Árvore, Seara Nova, Távola Redonda, Portucale e Colóquio-Letras). Publicou inúmeras obras na área da História das Ciências e da divulgação científica, mas nestes tempos de recordar quem foi Rómulo de Carvalho, a Fundação Gulbenkian decidiu reeditar O Texto Poético como Documento Social , onde o autor analisa a poesia ao longo dos tempos como reflexo do que se passava na sociedade.
Inéditas, estão para sair as suas Memórias, em fase de preparação, a partir de 1100 páginas manuscritas que cobrem quase o período de um século. "Será uma bomba", diz o filho. Mais do que lembrar António Gedeão/Rómulo de Carvalho, a exposição da BN revelará novas facetas do professor e autor.