Nacional
Práticas, contextos e problemas

A situação do aborto em Portugal

02 de fevereiro, 2007

PRÁTICAS, CONTEXTOS E PROBLEMAS

Estudo realizado pela Associação para o Planeamento Familiar (APF) com o apoio do Inovation Fund da IPPF International Planned Presenthood Federation (Federação Internacional de Planeamento Familiar)

CONCLUSÕES

  1. As mulheres inquiridas são utentes regulares dos serviços de saúde e mais de metade recorre pelo menos uma vez por ano às consultas existentes e realiza exames médicos.

  2. A grande maioria das mulheres inquiridas usa contracepção segura e eficaz e, por isso, está posta de parte a utilização do aborto como forma regular de controlo de fecundidade.

  3. A grande maioria das mulheres que não utilizam contracepção ou não têm actividade sexual, ou estão grávidas ou à espera de engravidar, ou têm problemas de infertilidade ou estão na menopausa. Mas há uma franja minoritária mas significativa de mulheres - 29% das não utilizadoras de contracepção, correspondente a 8% do total da amostra, que estão em risco de gravidez não desejada, porque sendo sexualmente activas e não se encontrando em nenhuma das situações anteriores, não usam contracepção.

  4. O estudo revela ainda que há um uso moderado da contracepção de emergência, que não substitui o uso regular de outro tipo de contraceptivos.

  5. O aborto provocado é um problema que afecta centenas de milhares (cerca de 354 000 segundo o estudo) de mulheres portuguesas, ainda que seja praticado por uma minoria das mulheres (14,5%).

  6. O aborto ocorre em mulheres de todas as idades e, tomando como indicador social o grau de instrução, acontece em mulheres de todas as condições sociais e sobretudo em mulheres casadas. Portanto o aborto não é um fenómeno que toca somente as mulheres mais jovens, sós, e mais pobres.

  7. A grande maioria das mulheres abortou uma vez, confirmando-se aqui de novo, a ideia de que actualmente o aborto não é uma forma regular de controlo da natalidade, antes acontecendo de forma esporádica e pontual na vida de uma mulher.

  8. Na sua grande maioria, em mais de 70% dos casos, os abortos foram realizados até às 10 semanas (89% até às 12 semanas) pelo que, mesmo em condições de clandestinidade, estamos perante uma situação de abortos precoces.

  9. As mulheres mais religiosas, recorrem menos ao aborto mas, quando tal acontece, fazem-no mais tardiamente.

  10. A maior parte das mulheres engravidou sem o desejar porque não estava a usar contracepção ou não estava a usar um método seguro pelo que existe aqui uma margem possível de prevenção e de redução do aborto.

  11.  As dificuldades no acesso à contracepção não são indicadas como um motivo significativo de não uso. Apenas 6% das mulheres que não estavam a usar contraceptivos estavam à espera de uma consulta.

  12. Mas 1 em cada 5 mulheres que abortaram estava a usar contracepção, o que contraria a ideia de que, hoje em dia, "só engravida quem quer".

  13. A maior parte das mulheres - mais de 90% - que decide abortar fá-lo por motivos não contemplados na actual legislação e declara que foi uma decisão muito difícil, contrariando-se aqui a ideia de que, no caso de a IVG vir a ser despenalizada a pedido da mulher, as mulheres vão facilmente abortar.

  14. O estudo revela que a grande maioria dos abortos provocados aconteceram em Portugal (85%), em estabelecimentos ou locais não autorizados para a prática de IVG como casas, clínicas ou consultórios particulares, e foram realizados por profissionais de saúde. As mulheres avaliam de forma razoável as condições da prática da IVG e o desempenho dos profissionais envolvidos. Pelo que estamos em situações não satisfatórias, mas também que parecem não ser caracterizadas por elevados níveis de precaridade característicos de épocas anteriores.

  15. O estudo revela ainda que as mulheres fazem abortos com muito pouca informação prévia, sobretudo assente em pessoas amigas e pagando preços que consideram muito caros.

  16. 1 em cada 5 mulheres que aborta teve complicações graves após o aborto. Aplicando as percentagens encontradas ao universo estimado de abortos verificamos que cerca de 19 000 mulheres tiveram de ser internadas devido a complicações de aborto cirúrgico. Comparando estes dados com países onde o aborto é legal, comprovam-se aqui maiores níveis de insegurança na prática do aborto em Portugal.

  17. Os sentimentos referidos logo após a realização do aborto são diversos - alívio, dúvidas, culpa e outros sentimentos de tipo negativo. Mesmo assim, a grande maioria (cerca de 93%) das mulheres afirma que não ficou com problemas por ter realizado o aborto, o que contraria a ideia por vezes apresentada de que as mulheres que abortam ficam "traumatizadas para o resto da vida".

  18. Por último, só uma minoria de mulheres recebeu aconselhamento contraceptivo após o aborto pelo que as condições em que se realizam os abortos não previnem a sua potencial repetição.

  19. Sendo sobretudo favoráveis a ocorrência de IVG nos casos já previstos na lei, mais de metade das mulheres concordam com a IVG quando a mulher "não deseja a gravidez". Esta última posição aumenta nas mulheres menos religiosas ou que já fizeram um aborto.

  20. Em consonância do que atrás foi referido, mais de 60% das mulheres defende o alargamento das condições legais da prática de IVG, a maioria das mulheres - cerca de 56% - votará SIM no próximo referendo, 22% votará NÃO e 21% não tenciona ir votar.


Nota
: Há alguns anos, e em consequência do referendo de 1998, a Assembleia da República aprovou a realização de um estudo sobre o aborto e a saúde reprodutiva em Portugal. Mas de forma incompreensível, este estudo nunca foi sequer objecto de concurso e, portanto nunca chegou a ser realizado.