O tempo de crise, profunda crise que vivemos, teve e continua a ter grandes implicações no mundo do trabalho. Os efeitos de uma globalização capitalista e a ganância sem fim do capital servida por políticos sem escrúpulos ou coluna vertebral agravam os problemas e dificultam a sua superação. Temos em Passos Coelho, no nosso país, um dos exemplares mais perfeitos dessa estirpe de políticos, afirmou Mário Nogueira, em Coimbra (12/09/2013). O Secretário Geral da FENPROF falava no debate sobre "Trabalho e Sindicalismo", organizado pelo CES da Universidade de Coimbra.
A situação que vivemos é muito marcada por um violento ataque aos salários, aos direitos laborais, ao emprego, à estabilidade dos trabalhadores com profundos reflexos na sua vida pessoal e organização familiar. Somos permanentemente bombardeados pelo discurso do fim do emprego para a vida, pelas virtudes do chamado empreendedorismo e por outras tiradas inscritas no catecismo neoliberal da responsabilidade de escribas ao serviço de quem se acha dono do mundo, praticado pelos governantes de países como o nosso e vendido a toda a hora por uma comunicação social completamente controlada e servida por trabalhadores sujeitos a todas as pressões e chantagens que se colocam aos demais trabalhadores.
Estas políticas e estes discursos são desenvolvidos, com maior ou menor intensidade, por governos marcadamente de direita, como o que existe atualmente no nosso país, mas também por outros, da dita área social-democrata e socialista, sendo, por norma, pelas portas que estes últimos abrem que os primeiros entram, se instalam e convidam os “visitantes” a servirem-se.
Consequências desta política
de desastre
O resultado é o que, infelizmente, todos temos à vista: instabilidade geral, precariedade fortíssima, desemprego a atingir níveis brutais, pobreza, exclusão, fuga para o estrangeiro… esta situação que vivemos e se agrava é geradora de dependências cada vez maiores, de pressões enormes e de um clima de chantagem que se instala e leva a comportamentos de subserviência, com os trabalhadores, muitas vezes, a reconhecerem falta de dignidade ao trabalho mas, como diz o povo, a comerem e calarem.
No grupo profissional a que pertenço e em que exerço atividade sindical isso sente-se muito. Temos um grupo de classe média que por vezes se revolta e manifesta, mas que não protesta como era de esperar, no dia a dia, quando lhe roubam mais salário, quando lhe tiram subsídios de férias e Natal, quando agravam a aposentação, quando aumentam os horários de trabalho, quando degradam a resposta de saúde… agarrando-se cada vez mais ao que ainda sobra, ao emprego que ainda há, à atividade, por exemplo, nas AEC mesmo quando é paga a poucos euros à hora. Ter o emprego, entendem, é quase um bem que apesar de tudo é mantido, mesmo quando a despesa para poder trabalhar ultrapassa o salário recebido ou quando a família se desestrutura. Começa a ser uma luta pela sobrevivência que retira lucidez, capacidade de reação e, sobretudo, capacidade para agir. O medo e a resignação são sentimentos omnipresentes e isso sente-se e até se consegue ver.
O ataque começa logo
na escola...
No atual contexto político, social e económico que vivemos, vemos aprofundarem-se problemas que era suposto estarem em fase de resolução, tais como a pobreza, o desemprego, o agravamento das já tão profundas desigualdades que têm marcado a sociedade portuguesa, a emigração, o completo desprezo pelos jovens e pelo seu futuro. O ataque começa logo na escola com as crianças e jovens a serem atirados para grandes ajuntamentos escolares, com os currículos a desvalorizarem-se, com a elitização da escola a tomar posição e a querer arrasar a escola democrática.
Para gerirem o problema e salvarem a pele, os governantes procuram provocar e agudizar divergências entre as pessoas, os trabalhadores, falando nos jovens que são sacrificados em favor dos velhos privilegiados ou nos funcionários do Estado com privilégios inaceitáveis versus os desgraçados do privado. Este é o discurso à conta do qual os governantes vão sempre impondo a medida mais negativa em nome de uma alegada igualdade de tratamento
As leis que protegem direitos, as normas legais que garantem a democracia (como a lei eleitoral) e a própria CR são combatidas e permanentemente violadas por quem se acha no direito de fazer o que entende ainda que de forma marginal, achando que as leis deverão permitir todas as malfeitorias e não os malfeitores, que devem cuidar do que fazem para não desrespeitarem o que as leis impõem. Já agora, acrescente-se, leis que eles mesmos aprovaram mas que agora já não lhes servem.
Depois são as reformas, as tais reformas para modernizar o Estado, o país e tudo o que lhes apetecer tornar moderno. Essas reformas que, algumas vezes, até são legitimadas por quem teria outras obrigações perseguem sempre os mesmos objetivos: desvalorizar o público, privatizar, despedir, reduzir direitos e remunerações, encher os bolsos aos que vivem sugando o sangue fresco da manada, como cantou o Zeca.
As faces de Coelho...
A mentira e a pouca-vergonha andam à solta e são parte da matriz da atual governação. Passos Coelho consegue afirmar, como fez ontem, que se sente orgulhoso pela forma como abriu um ano letivo que está a ser marcada por grandes incertezas, desemprego de profissionais que fazem falta às escolas, ilegalidades, desorçamentação das escolas que as obriga a pedir aos alunos que levem uma resma de papel A4 ou uns quantos rolos de papel higiénico, falta de pessoal, velhos contentores não substituídos, turmas com inúmeros alunos com necessidades educativas especiais, mega-agrupamentos em barda, currículos empobrecidos…
Mas não nos podemos surpreender por esse discurso, pois foi ele, Passos Coelho, que se mostrou indignado quando lhe perguntaram se o seu partido pensava cortar nos subsídios dos funcionários; foi ele, com o seu irrevogável parceiro, quem afirmou que as reformas eram sagradas; foi ele quem exigiu a responsabilização civil e criminal de quem impunha sacrifícios ao povo e delapidava a economia portuguesa, porque esses não podiam andar por aí de espinha direita. Mas esse senhor continua a andar de espinha direita, apesar dos gravíssimos crimes sociais de que é autor moral e material.
Dizia há dias, Passos Coelho, que ninguém no seu perfeito juízo governaria para empobrecer o seu país. Decerto, terá feito essa afirmação num raro momento de lucidez, pois a sua governação é, assumidamente, de empobrecimento, que, aliás, já assumiu. Coelho está a tornar-se perigoso, até num discurso que começa a apresentar laivos fascistas. Dizia, há dias, que deveria perguntar-se aos desempregados no que é que a CR já os ajudou. Só falta, a seguir, pedir que perguntem aos pobres e excluídos em que é que a Democracia já lhes serviu. Esconde, assim, que quem não serve aos pobres, aos desempregados, aos excluídos em geral é o seu governo e a sua política. Mas esta forma de esconder a natureza dos problemas, esta retórica, esconde também outros perigos para os quais estamos obrigados a chamar a atenção neste tempo em que ainda é tempo.
Ser Sindicato do novo tempo
Como agir o movimento sindical num tempo em que a solidariedade começa a ser um valor fragilizado, em que alguns problemas novos exigem respostas também elas renovadas e em que as políticas, sendo nacionais, estão envolvidas em contextos internacionais que as condicionam? Eu diria: ser Sindicato deste novo tempo. E ser Sindicato do novo tempo não significa negar nenhum dos princípios do sindicalismo de massas, de envolvimento, de participação, um sindicalismo que não nega a luta de classes, antes compreende que ela está aí, com toda a sua pujança. Um sindicalismo que desenvolve a ação centrada nos locais de trabalho, fazendo deles a sua verdadeira sede; que não cede na representação dos trabalhadores e sabe que é esse o lado em que deverá posicionar-se. Um sindicalismo que protesta mas também propõe, que negoceia mas não cede a interesses que não são os dos trabalhadores; um sindicalismo que mobiliza para a luta enquanto negoceia por saber que é aí que poderá residir a sua força, desequilibrando em seu favor os pratos da balança da correlação de forças.
Um sindicalismo que não substitui a ação nacional pela internacional, argumentado que as coisas hoje são globais e aliviando, assim, a pressão sobre os responsáveis locais. Mas também um sindicalismo que não se esgota no nacional e, por essa razão, dá importância à atividade internacional, onde é frequente encontrarmos carreiristas, mas também muita gente boa. A FENPROF é membro da IE, integra os órgãos da CSEE, comité da CES, tem relações muito fortes com organizações europeias, africanas e da América Latina não sendo estranho a esse facto a presença de mais de 60 representantes estrangeiros no nosso recente congresso. Na greve geral de 14N, participámos em ações em Madrid e contámos com os companheiros de Espanha em ações connosco, em Lisboa.
As grandes manifestações de professores que se realizaram, e irão realizar, foram possíveis porque convergimos criando plataformas de trabalho e ação, porque chamámos outros que, ainda que não sendo organizações sindicais, têm presença no setor (associações profissionais e científicas, movimentos diversos, enfim todos os que queriam). Nunca abdicámos nem abdicaremos da nossa identidade, mas entendemos a grande importância da convergência, não apenas para descermos a Avenida, mas na definição de objetivos de luta comuns e convergentes.
As trevas não duram sempre...
Como é natural, não deixámos de dizer o que e como pensamos, não passámos a ter outro discurso, nem outra prática, não perdemos a nossa autonomia e também não exigimos que outros perdessem a sua. Temos pena que, em alguns momentos, interesses mais altos se levantassem para algumas organizações de professores que se afastam da convergência, eventualmente, para não provocarem desagrados e/ou não causarem mal-entendidos. Mas estou convencido que, sendo a unidade das organizações, um produto da unidade que se gera nos locais de trabalho, que iremos continuar unidos, juntos e convictos na nossa razão e da capacidade que temos para ultrapassar este mau tempo que atravessamos.
Diz o povo e bem, mais uma vez, que as trevas não duram sempre. E diz também a história do nosso povo que os invasores que nos agridem sempre acabaram expulsos e, com eles, corridos os “miguéis de vasconcelos”. Seríamos maus portugueses se não honrássemos o nosso passado.
Mário Nogueira
Secretário-geral da FENPROF