Como é do conhecimento público o país está em recessão, só que alguns ainda não se aperceberam que a recessão mais grave não é a económica mas a democrática, isto porque a democracia está atada a um modelo económico que só encontra na delapidação dos direitos democráticos e no agravamento da injustiça social o antídoto para a superação das crises em que ciclicamente se vê mergulhado. É um modelo onde tudo gira em função de um único valor, o lucro, e no qual tudo o que não dá lucro não tem valor. É com base nestes princípios que o Governo da República procura argumentos para pôr em causa a gestão democrática das escolas, afirmando que ?Portugal tem uma despesa em educação, em percentagem do PIB, superior à média europeia e uma eficiência do sistema educativo inferior a essa média?. Como se pode concluir o principal problema da educação em Portugal, para este governo, é de natureza económica e não de natureza social ou cultural.
A modernização da administração educativa, tal como é preconizada, não só corre o risco de por em causa objectivos estruturantes do próprio sistema educativo, subjugando a critérios económicos o primado dos critérios pedagógicos e científicos, como compromete e corrói a própria democracia portuguesa ao por em causa os princípios da elegibilidade, colegialidade e democraticidade, em suma, o direito de participação activa não só dos professores como também de toda a comunidade educativa, nos mais diversos órgãos de gestão da escola, ao ser-lhes confiscado todo o poder deliberativo.
Importa, contudo, salientar que a vitalidade e as virtudes da democracia não dependem só dos outros, dependem também muito de nós, das nossas atitudes, dos nossos comportamentos, da forma como implicamos e gerimos a vontade colectiva. Muitas das decisões que emanam dos órgãos democraticamente eleitos nas nossas escolas nem sempre resultam de uma reflexão global dos professores nos diversos grupos ou departamentos, dos alunos e dos pais ou encarregados de educação nas suas associações, da comunidade educativa nas suas múltiplas organizações. É preciso que os eleitos não se autonomizem face aos eleitores e tomem consciência que a democracia representativa não deve transformar-se em oligarquias de poder exercido por aqueles que se acham no direito de decidir, em nome dos outros, sem ter em consideração a vontade e o sentir de quem os elegeu.
A gestão democrática das escolas não pode ser vista numa perspectiva meramente formal, ela tem de se consubstanciar na prática. O que neste momento está em jogo não é uma mera questão de forma mas de conteúdo. Não basta respeitar o princípio da elegibilidade na constituição dos diversos órgãos, sejam eles Assembleia de Escola, Conselho Pedagógico, Conselho Executivo ou outros de gestão intermédia, é preciso fazer respeitar, quer no plano interno quer externo, a colegialidade e a democraticidade das decisões. Se assim não procedermos estamos, nós próprios, a contribuir para a descredibilização do actual modelo e a abrir as portas à gestão unipessoal e autoritária, porque a eficiência e eficácia que poderia resultar de uma gestão democrática assente na confiança, no respeito mútuo, no envolvimento das pessoas em projectos que emanem da vontade colectiva, onde o querer se alia ao poder, essa mais valia humana, essa capacidade de realização espontânea fica comprometida e dá lugar ao descrédito e à indiferença, criando-se, assim, condições óptimas para que o governo justifique, perante a opinião pública, a razão dos seus propósitos.
Enquanto nos permitirem, temos de ser nós os primeiros a cultivar e a acreditar nas virtudes da gestão democrática, não deixando, como por vezes acontece, lugares desertos que são facilmente aproveitados para tentar demonstrar a nossa incapacidade para gerir o sistema. Além disso, temos que dar o exemplo de como esta gestão deve ser exercida não só de direito mas também de facto. A escola, como instituição educativa, tem o dever e a obrigação de promover a cidadania e a cultura democrática, demonstrando aos jovens que só há verdadeira democracia se ela for vivenciada aos mais diversos níveis, no espaço escolar, na família, nos clubes, nas associações, enfim, nas múltiplas estruturas que compõe esta sociedade.
Para conhecimento dos congressistas presentes, cumpre-me dizer que esta ameaça à gestão democrática das escolas tem cambiantes diferentes no espaço nacional e regional, nomeadamente na Região Autónoma dos Açores. A luta que se tem travado a nível nacional face à criação de mega-agrupamentos de escolas, à eventual introdução da figura do gestor não professor no espaço escolar, à descredibilização do actual sistema de administração e gestão, pelo poder político instituído, constitui uma realidade que não tem paralelo nos Açores na medida em que, pelo que tem sido dito e, por vezes, feito, a interpretação do poder regional nesta matéria é de sinal contrário. A este propósito diz o Sr. Secretário Regional da Educação e Cultura: ?o actual modelo de gestão escolar em vigor nos Açores não está esgotado, temos obtido por eleição óptimos dirigentes e duvido que através de qualquer outro método conseguissemos melhores resultados do que os que temos vindo a obter até agora?.
Devo referir que a criação dos agrupamentos horizontais e verticais nos Açores remontam a 1998 e que os fundamentos que presidiram à sua criação tiveram em conta critérios de gestão pedagógica nomeadamente o número de alunos, o número de lugares docentes, a dispersão e a descontinuidade geográfica, tendo, para o efeito, sido ouvidas as organizações sindicais de professores. Contudo, isto não significa que estamos a dormir o ?sono dos justos? porque se é verdade que, neste domínio, não está a ser posta em causa a forma, ou seja, o processo democrático de eleição, não raras vezes o Sr. Secretário, Álamo de Meneses, tem ameaçado a substância, atentando contra a autonomia das escolas e desrespeitando as suas deliberações, mesmo quando aprovadas em Conselho Local de Educação.
Por estas e por outras já nada nos surpreende, porque na Região Açores, sobretudo ao nível da educação, o conceito de democracia é um conceito de banda estreita, dado que a proliferação de normativos não só dão muito pouca margem à referida autonomia das escolas, como também visam, quase sempre, cercear os direitos da classe docente. Daí que, para nós sindicalistas, a consciência do dever cumprido nunca se tranquiliza, porque acreditamos que é sempre possível fazer mais e melhor em defesa da nossa dignidade profissional e de uma sociedade verdadeiramente democrática, justa e solidária.
Armando Dutra