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DECLARAÇÕES DO MINISTRO DA EDUCAÇÃO, EM ENTREVISTA, CONFIRMAM:

Os professores não podem baixar a guarda; terão de estar atentos

06 de julho, 2020

 

Mário Nogueira
Secretário-geral da FENPROF

 

Em entrevista ao Expresso, publicada em 4 de julho, o ministro da Educação tenta explicar como se organizará o próximo ano letivo. Tal como aconteceu no dia 3, na conferência de imprensa, e decorre dos dois documentos emitidos pela DGEstE, um deles conjunto com DGE e DGS, o que se percebe é que o enorme esforço que se pede às escolas não irá contar com um reforço proporcional de recursos. Como tal, ficam estas com inúmeras batatas a estalar de quentes nas mãos, cabendo-lhes, em condições pouco diferentes das habituais, tomar decisões de organização capazes de responder a uma realidade que continuará marcada pela excecionalidade.

Aliás, o que se infere do que foi dito e escrito é que: condições de segurança sanitária básicas, como o distanciamento, não serão respeitadas; docentes de grupo de risco poderão não ser protegidos e resguardados; a valorização discursiva do ensino presencial não está a ser correspondida em condições que o permitam na totalidade ou viabilizem sem riscos, parecendo evidente que o 3.º ciclo e o ensino secundário irão manter-se em tele-estudo que, para os docentes, é teletrabalho.

Alguns excertos da entrevista apontam no sentido do que atrás se afirma, nuns casos por palavras, noutros por omissões. Oito notas que constituem outros tantos exemplos: 

  1. 1.       ACREDITARÁ O MINISTRO NAS CONDIÇÕES QUE ESTÁ A CRIAR?

Queremos o regresso ao ensino presencial para todos”, diz o ministro, para, mais à frente, a propósito do EstudoEmCasa, afirmar “O nosso objetivo é poder continuar a ter soluções através da televisão que sejam universais, disponíveis logo a partir do início do ano”. Perguntar-se-á qual a razão para esse objetivo? Para haver mais escola após a escola? Para condicionar o desempenho dos docentes titulares das turmas? Ou porque, apesar das palavras, não estão a ser criadas as condições para o ensino presencial para todos? 

  1. 2.       MAIS TRÊS PROFESSORES POR ESCOLA/AGRUPAMENTO NEM ANTES DA PANDEMIA SERIAM SUFICIENTES

É repetido que “as escolas vão ter mais recursos humanos, por exemplo para fazerem coadjuvações (dois professores numa sala) e dar apoios. E teremos um conjunto de outros professores que vão trabalhar com os alunos com mais dificuldades. Haverá um reforço do apoio tutorial específico. …/… E haverá ainda mais professores para as equipas multidisciplinares de apoio aos alunos que têm necessidades específicas e que são os que mais ficam para trás”. Mais à frente é avançado um número: “Vamos ter um reforço muito substancial de docentes que equivale ao horário integral de cerca de 2500 professores”. Se considerarmos os 811 agrupamentos e escolas não agrupadas, isto significa, em média, 3 docentes por cada um, número que, até antes da pandemia, já ficava aquém das necessidades das escolas. 

  1. 3.       AS POUCO CLARAS CONTAS DO MINISTRO SOBRE AS HORAS DE TRABALHO DOCENTE 

As contas do ministro, porém, são pouco claras. Atente-se: “Pensando que cada professor tem 35 horas de trabalho, são todas essas horas [de 2500 professores] que vamos ter (a mais) nas nossas escolas”. O ministro fala de 87 500 horas de que tipo? Letivas apenas ou distribuídas pelas diversas componentes do horário: letivas, não letivas e, destas, de estabelecimento e individuais? Essa é uma questão importante para saber se o ME vai ou não respeitar a organização do horário que o ECD estabelece. 

  1. 4.       (IN)SEGURANÇA SANITÁRIA

Como passou a acontecer a partir de meados de maio, o ministro reitera uma posição que se situa entre a imprudência e a irresponsabilidade. Apesar de no documento conjunto da DGEstE, DGE e DGS se ler, no ponto 4 do capítulo IV, que “Nas salas, devem ser mantidas as medidas de distanciamento, garantindo a maximização do espaço entre pessoas”, o ministro responde: “Os alunos vão caber todos na mesma sala. Não haverá desdobramento de turmas. A única obrigatoriedade é a máscara a partir do 2º ciclo. O distanciamento (entre alunos) não”. Preocupante… 

  1. 5.       NEGOCIAÇÃO NÃO ENTRA NAS CONTAS DO MINISTRO

Como não podia deixar de ser, porque tem sido essa a postura do ministro, de forma agravada a partir de meio da anterior Legislatura, o desrespeito pelos professores e pelas suas organizações sindicais é evidente. Sem qualquer negociação, apesar de estar em causa uma alteração na organização da atividade docente, o ministro informa: “vamos prolongar o próximo ano letivo até ao final de junho, no jardim de infância, 1º e 2º ciclos”, ao mesmo tempo que anuncia a redução de pausas letivas a que chamou “férias intercalares”. Este como outros aspetos, designadamente os relativos à segurança e saúde no trabalho, exigem processos negociais que não se realizaram. 

  1. 6.       DESRESPEITADOR

Em relação aos docentes de grupo de risco – entre outros, doentes oncológicos, imunodeprimidos, autoimunes, hipertensos, cardíacos, diabéticos… – o ministro diz que “quem esteja em grupo de risco é autorizado a ficar em teletrabalho, se possível”. 

  1. 7.       PROVOCATÓRIO E DEMAGOGO

Confrontado com o reconhecimento a profissionais de outros setores, designadamente no âmbito da saúde, o ministro da Educação, sobre os do setor que tutela afirma “Temos feito o reconhecimento da sua enorme valia também salarialmente…” e continua “…criando condições para que a progressão das carreiras fosse retomada, para o reposicionamento dos contratados e para vincular milhares de docentes”. Será que o ministro já se esqueceu da forma como se descongelaram as progressões ou reposicionaram os que ingressaram nos quadros, em ambos os casos roubados em 6 anos, 6 meses e 23 dias? Esqueceu-se do tratamento desigual que resulta da ultrapassagem na carreira de docentes com maior antiguidade? Esqueceu-se que, após dez anos de salários congelados que se desvalorizaram mais de 16%, em 2020 o “aumento” foi de 0,3%? Claro que não esqueceu... 

  1. 8.       OMISSO

Relativamente à vinculação ainda afirma que “Nestes últimos anos entraram na carreira cerca de 8 mil docentes”. O que o ministro deveria explicar é por que razão continuam em precariedade milhares de docentes, bem mais que oito mil, que dão resposta a necessidades permanentes das escolas e trabalham há 5, 10, 20 ou mais anos. 

Igual a si mesmo, confirma-se que, à falta de medidas adequadas, o ministro decide entrar pelo campo da demagogia, usando números conforme lhe dá jeito, e fugir à pergunta quando não lhe interessa responder. Foi o que aconteceu em relação à exiguidade de 125 milhões para a Educação, que contrasta com os 1200 milhões para a TAP e os 850 milhões para o Novo Banco. Na verdade, como poderia responder a isto: