Covid-19 Nacional
POSIÇÃO DA FENPROF

Este ano letivo tem de ter medidas excecionais

26 de março, 2020

Estando o normal desenvolvimento do ano letivo comprometido, urge tomar medidas para que se conclua o 2.º período e prepare o 3.º, procurando atenuar os prejuízos que decorrem de uma situação de exceção.

 

O grave problema de saúde pública que se vive em Portugal, como em todo o mundo, provocado pelo coronavírus SARS-CoV-2, também na Educação tem implicações muito negativas. Estas decorrem da necessidade de encerrar os estabelecimentos de educação e ensino, não só agora, como, previsivelmente, durante o 3.º período letivo, eventualmente até final do ano.

No contexto de exceção que se vive, é estranho que os responsáveis do Ministério da Educação continuem sem revelar uma alternativa para tudo o que ainda falta até final do ano em curso  (atividade letiva, implicação da avaliação do 2.º período e avaliação final, bem como provas e exames), limitando-se a afirmar que, em 9 de abril, se avaliará a situação e se decidirá se as escolas reabrirão ou continuarão encerradas. Isto, apesar de as autoridades de saúde pública e o Governo preverem para 14 de abril o pico epidemiológico em Portugal, uma perspetiva que – a ser bem sucedida a estratégia que lhe está subjacente, ou seja, estender a duração do surto no tempo para evitar um pico repentino – implicará o prolongamento da situação de isolamento ou, pelo menos, de contenção social até praticamente ao final do ano letivo, para evitar um novo surto. O próprio Primeiro-Ministro já admitiu que as escolas se manterão encerradas no 3.º período.

 Neste quadro, em que nada poderá ser facilitado, esperava-se que o Ministro da Educação, no mínimo, apontasse um caminho que fosse conhecido, discutido e acompanhado pela comunidade educativa e a sociedade em geral. Contudo, declarações recentes do governante não permitem perceber, com clareza, qual a estratégia que está a ser preparada para o futuro próximo, não indo muito além de algumas frases feitas. O que os professores e as escolas conseguiram fazer na quinzena ainda em curso não poderá, simplesmente, ser replicado, semanas a fio, no 3.º período. O que é necessário é que deste tempo, que foi, essencialmente, de aprendizagem perante um quadro inesperado, se percebam as dificuldades, as limitações, os problemas, para que não se repitam no futuro. E do Ministro da Educação exige-se clareza e assertividade!

 O que aconteceu na semana que passou, prolongando-se para esta, foi muito diferente de escola para escola. As escolas, os professores e a grande maioria dos alunos procuraram dar o seu melhor, mas há problemas que são de difícil superação, desde logo e sem menorizar outros, o da falta de recursos por parte de muitos alunos e de alguns docentes para poderem desenvolver atividade a distância ou a situação de desigualdade de alunos que, mesmo possuindo os equipamentos, não dispensam um apoio individualizado. Esquecer isto é pôr em causa os fundamentos da escola inclusiva.

 Nestes quinze dias em que as escolas têm estado encerradas, em algumas as orientações dadas levaram a que muitos alunos ficassem sobrecarregados com trabalho, daí resultando até dificuldades para as famílias, tantas delas, para além do acompanhamento dos filhos, a terem de se adaptar a uma nova realidade que lhes impõe o teletrabalho e a terem de gerir quem usa o computador, quando há trabalhos escolares que não param de chegar, a par da atividade profissional que não está suspensa. Ao mesmo tempo, houve muitos alunos que não puderam, sequer, ser contactados.

Nestes dias, o Ministério da Educação não assumiu as suas responsabilidades, o que infelizmente não é novo. Limitou-se a divulgar algumas orientações genéricas, via Direção-Geral de Educação, deixando a "batata quente" para as escolas como se o envio de fichas ou propostas de atividades via digital ou, para quem não tem acesso à internet, em dossiê, pudesse assumir-se como  o ato educativo na sua total e  real dimensão. O potencial do processo de ensino-aprendizagem assenta na presença física de professores e alunos e na interação que desenvolvem. Enquanto as escolas se mantiverem encerradas este prejuízo não é reparável, por melhores recursos que sejam usados pelos docentes – e por maior igualdade que houvesse (e não há) no acesso a meios por parte dos alunos e das famílias. Neste contexto, o resto deste ano letivo está irremediavelmente posto em causa: é indispensável e urgente encarar a realidade. Esta não é uma posição especulativa, mas, infelizmente é o quadro real num tempo muito difícil que estamos a enfrentar coletivamente.

Sem entrar, sequer, em outros domínios, importa sublinhar que não é possível substituir de forma instantânea o ensino presencial por ensino a distância, tendo como referência o caráter universal que se exige da Escola Pública: são enormes as desigualdades de acesso e utilização de  ferramentas digitais; são muito diferentes as condições económicas, sociais e também culturais entre as famílias, com a pobreza já a atingir muitas delas, situação que, no atual quadro, tenderá a uma rápida expansão. Por estas razões se exige do Ministério da Educação que, ao mesmo tempo que toma decisões sobre como prosseguirá o ano letivo, garanta a igualdade ou, pelo menos, atenue ao máximo as desigualdades entre os alunos no acesso e condições de sucesso, ainda que o plano educativo se sobreponha ainda mais ao meramente escolar. A FENPROF não pode, de modo algum, aceitar que o novo coronavírus, para além dos seus efeitos em matéria de saúde pública, possa determinar um cavar da desigualdade de oportunidades entre os alunos, também em termos educativos!

 Face ao que antes se afirma, torna-se necessário que o Ministério da Educação assuma, como justifica o estado de emergência que se vive, a responsabilidade de conduzir um processo educativo excecional, assegurando que ele não irá decorrer ao sabor de meras "criatividades"; o Ministério tem a obrigação de garantir um mínimo de equidade na resposta em todo o território nacional. É necessário que as soluções encontradas preservem a dignidade inerente a qualquer processo educativo, sem, contudo, desvalorizar o ato educativo que elas pretendem substituir, e, no que respeita à avaliação dos alunos, compreendendo que a avaliação a distância, na sequência de um trabalho didático, também ele a distância, não passa pela mimetização de uma realidade que não pode ser reproduzida.

 Os professores estão de quarentena ou em isolamento social e precisam de tempo para se moverem neste contexto novo, para estudar soluções, mas também para, como todos os Portugueses, realizar tarefas básicas de sobrevivência, cuidar dos outros e, até, manter a sanidade mental. Os professores não podem estar permanentemente mergulhados na rede a gerir tarefas, emails, telefonemas, plataformas, canais alternativos, informação, medos...  

Procurando contribuir para a solução, que, sem dúvida, é difícil, mas não pode deixar de ser procurada e encontrada, a FENPROF, consciente de todos os constrangimentos que antes se referem e com os múltiplos contactos que tem mantido com professores, apresenta as seguintes propostas:

- A avaliação do 2.º período deverá corresponder a isso mesmo (tal como aconteceu com a do 1.º semestre, nas escolas que assim se organizam), isto é, não poderá ser atribuída como sendo final ou, pior que isso, nuns casos ser considerada como final e, em outros, como intermédia. Deve ficar claro que, mesmo com limitação de alguns elementos de avaliação, esta é a avaliação do 2.º período. Isto significa que, independentemente do que vier a acontecer no 3.º período letivo, os conselhos de docentes/turma deverão realizar, a seu tempo, a avaliação de final de ano, procedendo a uma análise global do aproveitamento dos alunos ao longo de todo o ano e das circunstâncias excecionais a que o processo de ensino/aprendizagem esteve sujeito;

- As reuniões de conselhos de turma e de docentes para esta avaliação deverão, em todas as escolas, ser realizadas em regime de teletrabalho, que, aliás, é obrigatório sempre que possível;

- Como o regresso às escolas parece estar comprometido até final do ano letivo ou próximo dele, a única alternativa é o apoio a distância por parte dos professores aos seus alunos, mesmo reconhecendo os problemas reais que tal suscita. Fica, contudo, claro que esse recurso é absolutamente excecional e não se confunde, em momento algum, com o normal desenvolvimento de atividades letivas. As limitações desse trabalho são claras e têm de ser assumidas, competindo ao ME encontrar soluções de recurso no plano educativo, onde também poderá constar a eventual utilização da televisão como recurso informativo e de eventual reforço de aprendizagens até agora realizadas. Neste quadro de grande complexidade, deverá competir a cada professor a gestão deste processo com os alunos, procurando, em cada turma, gerir o tempo e os materiais necessários, de forma a não tornar insustentável a situação para as famílias;

- Terão de ser criadas condições para que todos os alunos possam ser envolvidos e comprometidos no trabalho a desenvolver, sendo necessário, nesse sentido, que: i) todos os professores tenham os recursos indispensáveis para ensino a distância; ii) garantir que todos os alunos têm acesso aos documentos que são disponibilizados pelos professores, cabendo a escolas e entidades públicas locais garantir que isso acontecerá;

- A FENPROF não concorda com eventuais passagens administrativas, mas entende que as provas e exames de final de ano terão de ser repensados, nuns casos quanto à sua realização e, em outros, quanto ao momento de se realizarem, defendendo-se, nesse sentido, que:

. Nas atuais circunstâncias, vivendo nós um ano letivo em condições que espera mos que não se repitam, não teria sentido manterem-se as provas de aferição, até porque nada do que for aferido será comparável;

. Em relação às provas de final do 3.º ciclo (9.º ano), que não são exames, também não faz sentido a sua realização, devendo a avaliação final dos alunos ser a que resultar da avaliação interna que é da responsabilidade dos professores;

. Quanto ao ensino secundário, não sendo este o tempo para repensar o acesso ao ensino superior (debate cuja necessidade as atuais circunstâncias reforçam), é imperiosa a recalendarização dos exames, podendo  admitir-se a possibilidade de, no limite, terem lugar nos finais de setembro ou início de outubro, ainda que, para isso, sejam necessárias adaptações no calendário escolar do próximo ano letivo. A alternativa poderá ser a criação, para o próximo ano letivo, de um regime especial de acesso ao ensino superior.

- Logo que a situação de saúde pública permitir que os alunos regressem às escolas, será imprescindível garantir o reforço dos apoios pedagógicos a todos os alunos que deles necessitem, o que implicará a contratação de docentes para esse efeito.

Estes são contributos da FENPROF para as decisões a tomar. É indispensável que, já nos próximos dias, se conheçam essas decisões e sejam criadas as condições necessárias e o clima de trabalho possível nas atuais circunstâncias, salvaguardando sempre o direito à educação e a igualdade de oportunidades na Escola Pública.

 

O Secretariado Nacional

 

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