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ESCLARECIMENTO: FENPROF rejeita polémicas e aguarda investigação do Ministério Público para saber o que é importante

Havendo uma relação entre sobretrabalho e adoecimento, qual a causa da morte de docentes em trabalho, por colapso?

30 de julho, 2019

A FENPROF é a maior e mais representativa organização sindical de docentes em Portugal. Por esse motivo, tem responsabilidades acrescidas – que assume! – na defesa dos direitos, das condições de trabalho e do bem-estar destes profissionais que têm sido vítimas de políticas que tomam a Educação como área de poupança, aplicando medidas que se repercutem muito negativamente, desde logo nas condições de trabalho.

Um dos problemas com que os professores hoje se confrontam é o “sobretrabalho” que resulta da redução de trabalhadores nas escolas (docentes e não docentes), muito para além do que seria, alegadamente, explicável pela tão badalada diminuição do número de alunos. Atividade letiva acrescida que é imposta na componente não letiva, trabalho burocrático, reuniões e formação contínua obrigatórias fora do horário de trabalho estabelecido, são alguns dos motivos que impõem aos docentes, na realidade, horários semanais médios próximos das 50 horas, muito acima das 35 horas que a lei prevê. Tudo isto num quadro de sobrecarga e de dispersão de tarefas e funções que, amiúde, extravasam os conteúdos funcionais da profissão.

Como têm afirmado os responsáveis do estudo elaborado pela Universidade Nova de Lisboa em parceria com a FENPROF, existe uma “relação entre sobretrabalho e adoecimento”. Tem sido documentado que, em casos limites, poderá mesmo provocar a morte de trabalhadores. No Japão, a morte em trabalho por colapso (“karoshi” – morte por excesso de trabalho) já é reconhecida e constitui uma preocupação. Em França decorre o julgamento que associa os suicídios na France Telecom com a gestão e organização do trabalho nesta empresa, processo no qual estão envolvidos membros e colaboradores da equipa internacional que tem colaborado com os investigadores da Universidade Nova de Lisboa. De entre aqueles especialistas, destacam-se o Professor e Psiquiatra Christophe Déjours ou o professor Duarte Rolo, da Universidade Paris Descartes.

Foi com natural preocupação que a FENPROF tomou conhecimento da morte em trabalho, por colapso, de quatro docentes portugueses/as num curto período de tempo do ano letivo. Conhecendo o quadro de desgaste e exaustão que se verifica, a FENPROF entendeu solicitar ao Ministério Público que averiguasse as causas destas mortes. A FENPROF, como referiu na informação enviada à comunicação social, não fez qualquer acusação nem denúncia. Apenas constatou as ocorrências, solicitando a intervenção das entidades competentes, como regista o texto divulgado em 18 de julho, p.p.:

A FENPROF não conhece as causas da morte destes docentes, nem se está relacionada com a tremenda sobrecarga horária e de trabalho a que os docentes estão obrigados, mas estranha que estes casos tivessem surgido precisamente no momento do ano em que, comprovadamente, as situações de cansaço, desgaste, stress e burnout mais se acentuam. Como tal, quer saber as causas destas mortes e apurar da eventual existência de responsabilidades pelas mesmas.”…/… “Poderá ter sido coincidência, ou não, pelo que a FENPROF entendeu que deverão ser apuradas as causas para que se possam inferir razões que provocaram a morte súbita destes quatro docentes. Foi nesse sentido que a FENPROF se dirigiu à Procuradoria-Geral da República”.

O que posteriormente alguma comunicação social decidiu fazer é completamente alheio à FENPROF, designadamente a divulgação de nomes e fotos dos docentes que faleceram e contactos com as suas famílias. Ademais, é de lamentar que, para alguns desses órgãos, a notícia para ser considerada como tal, tenha de ser sensacionalista, especulativa ou violar áreas que devem ser reserva dos cidadãos. Como é lamentável que esta situação tenha servido a alguns para parodiar.

Instada por alguns jornalistas, a FENPROF recusou fornecer dados de identificação dos/das docentes, pelo que os contactos que tenham sido feitos por órgãos de comunicação social não decorrem de qualquer identificação fornecida por esta federação. Lamentando as mortes e o luto das famílias, a FENPROF regista uma coincidência que importa investigar entre o desgaste e a exaustão emocional a que a generalidade dos professores tem vindo a ser submetida, nomeadamente em resultado de sobrecargas e exigências que lhes são impostas, e o falecimento de docentes em contexto de trabalho.

A FENPROF recebeu relatos e testemunhos de colegas dos docentes, de familiares e de outras pessoas que, conhecendo as situações, se lhe dirigiram, tendo considerado esta como uma questão que tem incidência socioprofissional que não poderia passar em claro, tratando-a com a reserva devida em relação à identificação dos docentes e das famílias. Perante uma hipótese razoável de relação entre os factos, a FENPROF pediu – entendendo ser essa a sua obrigação – a intervenção do Ministério Público para a investigação das situações. A confirmar-se a hipótese, haverá responsabilidades a apurar e, naturalmente, medidas a tomar para futuro.

Na sequência das situações em apreço, a própria coordenadora do estudo elaborado sobre o desgaste dos docentes em Portugal, Raquel Varela, contactou a FENPROF escrevendo: “Cremos que nos casos citados é muito importante envolver especialistas em psicodinâmica do trabalho – estamos naturalmente dispostos a colaborar com quem na nossa equipa pode ajudar, desde logo o Professor Duarte Rolo, que trabalha com o Prof Déjours, entre outros médicos psiquiatras que estão envolvidos no estudo, como o Prof Coimbra de Matos e vários colegas da área da saúde no trabalho. Reitero também que depois do estudo quantitativo que fizemos para a FENPROF a partir da Universidade Nova de Lisboa realizámos agora – tendo terminado este mês – o estudo dos grupos focais, qualitativos, no Norte de Portugal, que confirmam as hipóteses que colocámos sobre ambiente de trabalho hostil, competição, ausência de reconhecimento e sofrimento ético como causas diretas do adoecimento”.

Este é o esclarecimento que a FENPROF entende dar na sequência da polémica que, entretanto, foi instalada, deixando claro que o assunto é demasiado sério e importante para que sejam alimentadas discussões que desviam a questão do que lhe é essencial. A FENPROF aguarda, agora, os resultados da investigação solicitada à Senhora Procuradora-Geral da República, convicta de que os mesmos contribuirão para o esclarecimento cabal das preocupações que levaram ao pedido de intervenção e ao pronunciamento público.

O Secretariado Nacional

 

NOTA: Com o assunto “Pedido de averiguação sobre causa(s) de mortes de docentes em pleno desenvolvimento da sua atividade” e data de 30.07.2019, a FENPROF recebeu informação do Ministério Público – PGR que dá conta de o pedido em apreço ter sido encaminhado “aos Senhores Magistrados do Ministério Público Coordenadores das Comarcas territorialmente competentes para a averiguação das causas dos óbitos comunicados”. Confirma-se, assim, que o pedido feito pela FENPROF foi atendido e serão promovidas as indispensáveis diligências, com vista ao apuramento dos óbitos, por colapso, de docentes durante o exercício da sua atividade profissional.