Nacional
Entrevista Mário Nogueira (Parte II)

“Há mais luta para além da carreira e do tempo de serviço!”

29 de abril, 2019

JF: A luta dos professores, apesar da enorme importância que tem a recuperação do tempo de serviço, tem outros objetivos, quais são?

MN: Sim, há mais luta para além da carreira e do tempo de serviço! Quanto aos objetivos, uns relacionam-se com a profissão e as condições em que esta é hoje exercida, outros com a vida das escolas e o próprio sistema educativo. E há ainda objetivos, mais específicos, de determinados grupos de professores ou de quem exerce funções, por exemplo, em instituições de ensino superior ou no setor privado.

JF: Vamos, então, por partes. Quais as questões que destacas no setor público comuns ao pré-escolar, básico e secundário?

MN: Destaco o problema do envelhecimento dos profissionais, que deveria ser combatido com um regime específico de aposentação; o desgaste que afeta a esmagadora maioria dos professores e que decorre de fatores a que não são alheias as políticas economicistas dos governos, em particular na última década e meia; a precariedade que continua a abater-se sobre milhares de professores. Para além destes três grandes problemas, outros que também geram forte instabilidade no exercício profissional dos docentes e deverão ser resolvidos, uns pela revisão do regime de concursos, outros por medidas mais específicas que tardam.

JF: Alguma vez, por exemplo, o governo reconheceu o envelhecimento como um problema dos professores?

MN: Várias vezes, até em fóruns internacionais, e assumiu compromissos no sentido de reverter a situação. Mas nada fez. Quando confrontado com a necessidade de criar um regime específico de aposentação, o governo recusou negociá-lo; quando propusemos a possibilidade de recuperação de anos do congelamento por via da aposentação, também recusou, apesar de o próprio Primeiro-ministro o ter admitido em entrevista; quando foi publicado o regime de pré-reforma para a Função Pública, Mário Centeno veio dizer que era só para inglês ver...

JF: O envelhecimento dos docentes é um problema do nosso país ou também de outros?

MN: Praticamente em todos os países há um envelhecimento dos professores, devido ao agravamento da idade da reforma, mas em Portugal está a acontecer de forma muito acelerada. É já o segundo mais velho da Europa, atrás da Itália, e o segundo com menos jovens, só batido pela Grécia.

JF: Falaste do desgaste…

MN: Esse é outro grave problema, confirmado pelo estudo que a FENPROF, em parceria com a Universidade Nova de Lisboa, pediu a uma equipa de investigadores sociais. Metade dos docentes encontra-se em burnout, sendo que cerca de um quarto já num nível de gravidade acentuado. Cerca de 75% dos professores vive uma situação de exaustão emocional e são cada vez mais os que afirmam que, se pudessem, se reformavam já. Segundo o estudo realizado, 86% dos professores pensa assim, valor semelhante aos de docentes com 40 ou mais anos….

JF: E isso também resulta do envelhecimento da profissão?

MN: Não só. Esse é um dos fatores, mas há outros que contribuem para isso. Por exemplo, os anos que os professores passam em situação de precariedade laboral, as colocações a centenas de quilómetros da família, as turmas com um número muito elevado de alunos e a falta dos apoios adequados a muitos deles ou, com grande relevância, o problema do horário de trabalho. Os horários dos professores são ilegais. Os professores trabalham mais de 46 horas semanais e essa sobrecarga deve-se à redução do número de docentes nas escolas que, percentualmente, triplicou a de alunos.

JF: Isso quer dizer que há falta de professores nas escolas?

MN: Faltam professores nas escolas sim, muitos, e a forma encontrada destas darem todas as respostas a que estão obrigadas tem sido sobrecarregando, para além dos limites legais, os professores no ativo.

JF: Fala-se de precariedade, mas não foram vinculados 7 000 professores nos últimos 4 anos?

MN: Foram, e mais 4 000 nos quatro anteriores, mas não resolveu o problema da precariedade, tal a dimensão que atingiu. Continuamos a ter docentes com 10 e 15 anos de serviço em situação de precariedade laboral; temos necessidades permanentes das escolas, desde há anos, a ser preenchidas por docentes contratados; temos as AEC em que milhares de professores ainda trabalham a recibo verde. E temos no ensino superior e na investigação milhares e milhares de “precários” a quem as instituições recusam uma situação de estabilidade, com o PREVPAP, programa criado pelo governo, a afirmar-se, cada vez mais, como um logro.

JF: Mas o programa do atual governo não definia como objetivo para a legislatura o combate decidido à precariedade?

MN: Definia, pois. É só mais um dos compromissos que o governo não cumpriu. Houve um combate à precariedade mas, na maior parte das vezes, envergonhado e não decidido.

JF: Olhando agora para as escolas, quais os problemas que, para a FENPROF, mais afetam o seu regular funcionamento?

MN: Eu diria que dois principais: a falta de recursos e o regime de gestão autocrático que continua a marcar a sua vida e organização interna.

JF: A falta de recursos que se reflete em que aspetos da vida das escolas?

MN: Por exemplo, na dificuldade que têm em promover uma efetiva educação inclusiva, se bem que, dada a natureza do regime legal, seria sempre difícil a sua promoção; na dificuldade em concretizar uma adequada flexibilidade curricular ou em desenvolver projetos que resultem do exercício de uma verdadeira autonomia pedagógica das escolas; na falta de apoios especializados que pertençam à escola, isto para só falar de recursos humanos.

JF: E quanto à gestão?

MN: Em relação à gestão, mantém-se inalterado o regime imposto no mandato de Lurdes Rodrigues, aproveitado por Nuno Crato e que, agora, Brandão Rodrigues tem achado estupendo. Curiosamente, todos os ministros com o mesmo argumento que é o da necessidade de as escolas terem lideranças fortes, como se as lideranças, para serem fortes, não pudessem respeitar princípios como os da elegibilidade e colegialidade, isto é, não pudessem ser democráticas. Aliás, nem se percebe como se pode continuar a afirmar que a escola deverá incutir valores democráticos nos jovens, ajudando-os a construir competências para o exercício da cidadania quando ela, não se organizando democraticamente, não é exemplo para esses mesmos jovens.

JF: E como estamos de municipalização?

MN: Eis aí outra grande preocupação dos professores. As experiências de países que foram por aí resultou num desastre, mas os nossos governantes recusam olhar para elas. O governo chama-lhe descentralização, mas só não vê quem não quer que não é disso que se trata. Estamos perante um processo de transferência de competências, nuns casos sem a respetiva transferência de recursos, desde logo financeiros, noutros retirando às escolas competências que deverão continuar a ser suas. Os pequenos poderzinhos locais e a corrida aos fundos comunitários parecem falar mais alto que os interesses da Educação e dos jovens que são o futuro do nosso país.

JF: Achas que este mandato acaba por ser uma oportunidade perdida?

MN: Em minha opinião, valeu mais pelo que se evitou, num momento em que a chamada reforma do estado apontava para a privatização das suas funções sociais, do que pelo que foi feito. É certo que, em início de mandato, foram tomadas algumas medidas positivas, mas, como bem sabemos, elas resultaram da luta dos professores e ou da pressão dos partidos que, com o do governo, viabilizaram os Orçamentos do Estado.


Recorde aqui a primeira parte desta entrevista.