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ENTREVISTA DO PRIMEIRO-MINISTRO AO EXPRESSO, SOBRE OS PROFESSORES

O comentário do Secretário-Geral da FENPROF face à entrevista do Primeiro Ministro ao Jornal Expresso, sobre os professores

20 de agosto, 2018

O semanário Expresso publicou uma entrevista ao Primeiro-Ministro, na sua edição de 18 de agosto, exclusivamente dedicada aos professores. Nela, o Primeiro-Ministro procura justificar o injustificável: a não recuperação do tempo de serviço que os professores cumpriram em períodos de congelamento – 9 anos, 4 meses e 2 dias. Inverdades, meias verdades e demagogia são férteis nas respostas do Primeiro-Ministro, mas não é por isso que António Costa passa a ter razão. O Secretário-Geral da FENPROF comenta cada uma das respostas e desmonta o que é dito pelo Primeiro-Ministro, reiterando que o tempo de serviço cumprido não se negoceia, conta-se.

 

 “É muito simples, não temos dinheiro para todo o tempo de serviço”. Disse esta frase no Parlamento há dois meses, a propósito das carreiras dos professores. Quando descobriu que “não temos dinheiro”?

 António Costa: Gostaria de recordar que o que constava quer do programa eleitoral do PS quer do programa de Governo, era o descongelamento das carreiras. Isso significava que o cronómetro que paralisou a contagem do tempo seria reposto em funcionamento. Nunca houve qualquer compromisso do Governo para contar o tempo enquanto durou o congelamento. Depois, ao contrário do que foi dito, os professores não tiveram uma solução distinta do conjunto da Administração Pública. Por isso, só em 2018, cerca de 46 mil professores vão progredir na carreira fruto do descongelamento iniciado a 1 de janeiro. O que foram os nossos compromissos, cumprimos.

Mário Nogueira: Diga o que disser o Primeiro-Ministro, a verdade é que os professores estão a ser discriminados em relação à grande maioria dos trabalhadores da Administração Pública, cujo tempo de serviço se converte em pontos, no mínimo 1 ponto por ano, dependendo da avaliação do desempenho, tendo, para esses (e bem!) sido contado todo o tempo, sendo, até, atribuídos pontos aos anos não avaliados. E se, enquanto durou o congelamento, não houve qualquer compromisso em contar o tempo, a verdade é que nunca foi dito que seria definitivamente perdido. Como tal, legitimamente, os professores sempre consideraram que ele seria tido em conta para futuro, ou seja, sem pagamento de retroativos, mas, também, sem eliminação do que foi cumprido. Quanto aos professores que progridem em 2018 são aqueles que, em 2011, já deveriam ter progredido, ou seja, já levam, no mínimo, 7 anos de atraso. Quanto ao compromisso de recuperar o tempo de serviço, assumido pelo governo em 17 de novembro de 2017, está por cumprir.

 

Em novembro, o Governo abriu a porta à contagem do tempo de serviço.

 AC: No debate do Orçamento [do Estado para 2018], surgiu essa discussão e foi aprovada uma norma que não diz que o tempo passado deve ser contado: mandata o Governo para negociar com os sindicatos uma solução para responder ao facto de durante X anos o tempo não ter sido contado e que tenha em conta a situação económico-financeira do país. E convém não confundir essa norma do OE com outra decisão da Assembleia, que é uma mera recomendação apresentada pelos Verdes, para que seja contado integralmente o tempo de serviço.

MN: De acordo com os dirigentes de BE, PCP e PEV, com quem as organizações sindicais reuniram, o artigo 19.º da Lei do Orçamento apenas refere a necessidade de ser negociado o prazo e o modo da recuperação, precisamente, por ter sido acordado com o governo que o tempo a recuperar seria todo. Esse terá sido, mesmo, um dos últimos aspetos acordados. E foi exatamente por se ter em conta a situação económico-financeira do país que o OE manda negociar o prazo e o modo e que as organizações sindicais aceitaram uma recuperação faseada. Quanto à Resolução da Assembleia a recomendar a contagem integral, tem uma elevada importância política e é estranho que o chefe do governo desvalorize tanto a Assembleia da República a ponto de a referir como “mera recomendação”.

 

Recomendação que foi votada pelo PS.

AC: Sim. O Governo assinou com os sindicatos uma declaração de compromisso onde se propõe negociar para mitigar os efeitos do congelamento com três variáveis: o tempo, o calendário e o modo. Foi com base nesta declaração que dá execução à norma do OE que, com boa-fé, nos sentámos à mesa com os sindicatos.

MN: Sim, o PS votou-a e nem sequer houve qualquer voto contra a que viria a ser a Resolução n.º 1/2018, de 2 de janeiro. Quanto à declaração de compromisso assinada em 17 de novembro de 2017, são, de facto, identificadas três variáveis, mas só duas são remetidas para negociação: o calendário e o modo. Ou seja, as mesmas previstas no artigo 19.º da Lei do Orçamento.

 

Os parceiros de esquerda acham que essa norma significa contar o tempo todo de descongelamento.

AC: Acham, mas estão errados. Basta ler a norma para ver que ela não diz isso. E a melhor demonstração de que não o diz é que entenderam depois aprovar uma recomendação que dissesse o que a norma não diz. Quando nos sentámos com os sindicatos, propusemos o que nos pareceu justo, tendo em conta a solução geral para as carreiras da Administração Pública, que foi propor a consideração parcial do tempo de congelamento, o que deu os tais dois anos, nove meses e 18 dias. Perante esta proposta, a reação dos sindicatos foi de absoluta inflexibilidade em torno dos nove anos, quatro meses e dois dias.

MN:Como podem estar errados os partidos à esquerda do PS, se não se trata de uma interpretação da lei, mas de uma norma que foi negociada por eles e acordada com o governo. Perceberam todos mal? Não nos parece. Foram enganados pelo governo? Seria gravíssimo se tivesse sido isso. Os sindicatos não têm qualquer posição inflexível quanto ao tempo a recuperar. Os sindicatos defendem o que decorre da lei, o que acordaram com o governo e o que a Assembleia da República decidiu. Os sindicatos pretendem negociar o que a lei remete para a negociação e, nesses domínios, têm demonstrado abertura negocial.

 

Como vão sair daí?

AC: Podemos até não nos entender sobre a solução, mas há uma coisa básica sobre a qual devemos entender-nos: quanto custa? Está a desenvolver-se um trabalho técnico para confirmar os números que o Governo apresentou e que os sindicatos consideraram exagerados. É impossível negociar se cada um estiver a falar de números diferentes. Aqui não é matéria de discussão, é de facto. Quantos professores são abrangidos? Qual é o tempo em que é abrangido? Qual é o impacto financeiro?

MN: As organizações sindicais concordaram em apurar com rigor o custo da recuperação do tempo de serviço, não para decidir quanto tempo se recupera, mas para que o custo seja tido em conta na negociação sobre o prazo e o modo. O problema é que o governo tornou públicos valores que não são verdadeiros, com um objetivo óbvio e, até hoje, não fez chegar aos sindicatos os dados indispensáveis para que se faça esse cálculo. Por exemplo, diz quantos professores progridem anualmente até 2023, mas não refere para que escalões.

 

O que reforça a questão: não está a argumentar se os professores têm ou não razão, mas se há ou não dinheiro.

AC: São coisas distintas. O compromisso que assumimos era o do descongelamento e cumprimos. A AR impôs-nos uma obrigação, que foi negociar com os sindicatos. Fi-lo como devo fazer, de boa-fé, ou seja, encontrar o que pode ser adequado propor aos professores que não crie uma desconformidade relativamente ao conjunto da Administração Pública, que cumpra a restrição da norma orçamental e que não abra um precedente relativamente a todas as carreiras especiais que torne depois incomportável garantir ou injusto não garantir.

MN: É verdade que a AR impôs a obrigação de negociar com os sindicatos, mas, apenas, o prazo e o modo de recuperar o tempo de serviço e não o tempo a recuperar. A recuperação do tempo de serviço não cria qualquer desconformidade relativamente ao conjunto da Administração Pública, pelo contrário, evita a discriminação. E em relação às restantes carreiras especiais – magistrados, funcionários judiciais, polícias, profissionais da GNR ou da PJ, entre outros – é justíssimo que o tempo de serviço seja, igualmente, contabilizado na íntegra. Aliás, a Lei do Orçamento, bem como a Resolução n.º 1/2018 da AR destinam-se a todas essas carreiras.

 

Tirando o dinheiro, os professores têm ou não razão na contagem do tempo integral em que as suas carreiras estiveram congeladas?

AC: Há uma coisa que percebo: se as pessoas trabalharam X anos e esses anos, embora contando para a reforma, não têm a consequência financeira que esperavam, é normal que fiquem descontentes. Houve um incumprimento da parte do Estado no seu contrato. Isso aconteceu repetidamente desde 2011 até 2017 em todos os OE. A novidade do OE deste ano é ter-se descongelado. Nunca nos comprometemos a refazer a história e a pegar no tempo que não tinha sido contado no passado e fazê-lo aplicar no presente. Não o fizemos com os professores nem com nenhuma outra carreira. Percebo que cada professor individualmente esteja descontente, coisa distinta é perceber se o país, relativamente a estes anos em que viveu uma situação extraordinária, pode refazer a história. Os funcionários a quem foram cortados 30% do vencimento também foram prejudicados e seguramente gostariam de o recuperar; os pensionistas a quem foram cortadas as pensões também; até quem pagou sobretaxa gostaria de ver devolvido o que pagou. Todos temos razões para ter más recordações desses anos de exceção e de austeridade. O que não é possível é ter a ilusão que vamos refazer a história.

MN: A contagem, para a reforma, do tempo congelado é um bom exemplo. Conta porque os professores fizeram o respetivo desconto para a CGA; da mesma forma, descontaram para o Estado, em média, 24% do seu salário bruto, logo seria completamente inaceitável que esse mesmo Estado, que deverá ser pessoa de bem, eliminasse esses mais de nove anos de trabalho e descontos. Os professores exigem que o tempo de trabalho cumprido seja considerado para o futuro e não exigem, como parece sugerir o Primeiro-Ministro, qualquer pagamento retroativo. Os professores também tiveram cortes salariais, e fortes, e foram sobretaxados, mas, deverá ser sério o Primeiro-Ministro, não exigem a devolução do que pagaram. Apenas exigem, nos termos da lei, negociar o modo e o prazo de recuperar os 9 anos, 4 meses e 2 dias de trabalho realizado durante os anos em que as progressões estiveram congeladas

 

Diz que os sindicatos têm uma posição inflexível. E a do Governo, é flexível?

AC: Demos um passo em frente ao fazermos uma proposta e explicando qual era o racional que é o justo, tendo em conta o que acontece com as carreiras gerais e que não abre precedentes em relação a outras carreiras especiais e é financeiramente suportável. Perante isso, a resposta que obtivemos foi “não, não aceitamos nada menos do que nove anos, quatro meses e dois dias”. Depois é-nos dito que a reposição pode ser a 10 ou 20 anos. Se pagar o preço da casa a prestações, posso fatiar o preço que ela me custa, mas no final custa o mesmo. E ou tenho dinheiro para uma casa de 200 mil euros ou de um milhão. Não é por ser a prestações que passo a ter dinheiro para comprar uma casa de um milhão.

MN: O Primeiro-Ministro compreendeu: os professores não aceitam nada menos do que nove anos, quatro meses e dois dias, pois é o que decorre da lei. Mas nunca disseram que admitiam uma recuperação a 10 ou 20 anos. O que até agora disseram foi que a admitem até 2023, ou seja, 5 anos, como aconteceu em momentos passados – governos de Cavaco Silva e António Guterres – em que, por circunstâncias diversas, houve perdas de tempo de serviço, que foi sempre recuperado integralmente. O faseamento destina-se a mitigar o impacto financeiro anual e não a eliminar tempo de serviço cumprido.

 

Não aceita então a proposta de “pagar” aos professores a prestações?

AC: Não é isso que resolve.

MN: Esta resposta do Primeiro-Ministro esclarece quem tem uma posição negocial inflexível e ilegal. A Lei do Orçamento manda negociar o prazo da recuperação, apontando, assim, para um faseamento, mas o Primeiro-Ministro rejeita a solução.

 

Mas o Governo aceita melhorar a sua proposta de tempo?

 AC: Mas porquê? Neste momento é essencial chegarmos a acordo sobre os valores para estarmos todos a falar a mesma linguagem. A partir daí tenho esperança que os sindicatos tenham uma posição construtiva.

MN: Os sindicatos têm uma posição construtiva que, ao contrário do governo, respeita a lei. Se o governo considera que é possível recuperar, já em 2019, os 2 anos, 9 meses e 18 dias de que fala, que apresente a proposta, desde que a mesma seja o primeiro de outros momentos que irão garantir, até 2023, a recuperação integral dos 9 anos, 4 meses e 2 dias.

 

Está disposto ou não a negociar?

AC: Estamos obrigados pela AR a negociar e vamos fazê-lo de boa-fé. Mas ninguém pode esperar que negociar seja aceitar o que a outra parte propõe, isso é capitular e não há nenhum racional que o justifique. Há ideias que têm surgido lateralmente e que poderiam permitir a aproximação de posições. Há quem tenha dito que haveria outra posição se houvesse abertura por parte dos sindicatos em renegociar uma carreira que muitos consideram insustentável, mas essa abertura não tem existido de parte nenhuma; outros têm perguntado porque não se considera isso não só para o tempo da reforma, que já conta, como para o cálculo da pensão. Há várias ideias que, se houvesse disponibilidade, seriam cenários. Caso contrário, acho que não nos devemos distrair do que é essencial para a educação, que é continuar a desenvolver o trabalho que tem produzido muito bons resultados na redução da taxa do insucesso escolar; na inovação pedagógica com os programas da flexibilização curricular; na necessidade de continuar a estabilizar a carreira docente com a diminuição da precariedade; a necessidade de prosseguirmos o investimento na recuperação das escolas — temos mais de 200 escolas que estão ou a entrar ou já em obras, algumas delas simbólicas, como o Liceu Alexandre Herculano no Porto ou o Conservatório Nacional em Lisboa. É aí que temos de recentrar as nossas atenções, porque é isso que as famílias pedem e as crianças necessitam e é também o que os professores desejam — tranquilidade nas escolas e nas suas vidas. Com toda a franqueza, fico bastante perplexo que tenha havido tanta serenidade durante os nove anos, quatro meses e dois dias em que se verificou o congelamento e que a agitação tenha começado precisamente no dia em que se acaba com o descongelamento. Acho francamente extraordinária esta inversão da história, que faz com que um marciano que aterrasse em Portugal pudesse pensar que foi este Governo que congelou e não o que descongelou o que foi feito vários governos atrás.

MN: A contabilização dos 9 anos, 4 meses e 2 dias não constitui qualquer capitulação, mas o cumprimento da Lei do Orçamento, para além de traduzir respeito pela Assembleia da República e pelo trabalho dos professores. A negociação a que o governo está obrigado é do prazo e do modo de recuperar o tempo. Há de facto uma significativa redução das taxas de insucesso dos alunos, mas isso deve-se, essencialmente, ao trabalho desenvolvido pelos professores num período que o governo pretende, agora, apagar. Nesse período de congelamento, a luta dos professores em defesa das suas carreiras foi forte, com momentos de elevada expressão, fosse o governo PSD/CDS, fossem do PS, de maioria absoluta ou minoritários. Mas este já não é esse tempo. Este é o tempo de recompor a carreira e ela só será verdadeiramente recomposta quando o tempo for integralmente recuperado. Quanto à possibilidade de, por opção, os professores recuperarem o tempo para a aposentação, essa foi proposta sindical rejeitada pelo governo, e não o contrário. Já em relação à insustentabilidade da carreira… bem, foi a OCDE que confirmou, já este ano, que os salários dos professores em Portugal estão abaixo da média na OCDE e que foram os que mais se desvalorizaram nos últimos anos. Pode o Primeiro-Ministro achar excessivo um professor, ao fim de 15 anos de serviço, colocado a centenas de quilómetros de casa, ganhar mil euros líquidos? Ou ter uma carreira com constrangimentos no acesso a dois escalões e, se não existirem quebras de tempo de serviço, 34 anos de serviço para chegar ao topo? E quanto a marcianos, senhor Primeiro-Ministro, pode dormir descansado que não se prevê a sua chegada a Portugal na atual Legislatura.

 

O que quer dizer com ficar “perplexo”?

AC: Não acho razoável…

MN: Não se trata de uma questão de razoabilidade, mas de justiça…

 

Mas foi o Governo que criou a expectativa

AC: Desculpe, mas o Governo criou todas as expectativas com peso, conta e medida e estão todas enunciadas. Nunca foi criado qualquer tipo de expectativa por parte do Governo de que iriam ser contados os nove anos, quatro meses e dois dias. Nunca. Não estava no programa do Governo, não estava no programa eleitoral, não está na norma do OE-2018. Está simplesmente numa recomendação aprovada pela Assembleia que, como o nome indica, é uma recomendação. Não é nada mais do que isso. O que assinámos com os sindicatos foi que íamos negociar. Temos um programa para cumprir nos termos que desenhámos. Quando fizemos as contas para saber o que podíamos cumprir, sabíamos que para aceitar isto não podíamos aceitar aquilo. A vida política não se esgota só na carreira dos professores.

MN: De facto, a vida política não se esgota só na carreira dos professores, ainda que a sua importância seja inquestionável, pelo relevante papel que desempenha na sociedade, este que é, dentro dos grandes grupos da Administração Pública, o mais qualificado. Quanto ao que o governo assinou com os sindicatos, em 17 de novembro de 2017, foi o compromisso de recuperar o tempo de serviço e não, apenas, uma parte dele.