Gestão Democrática das Escolas
Leonel Moura

Desertos

19 de junho, 2010

A cidade é uma das maiores invenções da civilização humana. Aquela que ao longo da história mais contribuiu para o desenvolvimento e progresso. Desde o neolítico que as pessoas convergem para certos pontos geográficos singulares. Aí se instalam procurando uma vida melhor, formando comunidades, interagindo e gerando as sinergias necessárias para a inovação. A liberdade é uma conquista da urbe. As cidades protegem da perseguição autoritária e da opressão do dogmatismo conjuntural. Não é por acaso que o indivíduo livre se chama um cidadão.

Facto histórico de todos os tempos é no século 20 que o apelo das cidades mais acelera. Emergem então as gigantescas metrópoles que em certas partes do planeta atingem as dezenas de milhões de habitantes. Tóquio conta com mais de 30 milhões, Seul, Cidade do México, São Paulo, Nova Iorque ou Bombaim mais de 20 milhões.

Apesar da sua pequenez e atavismo Portugal não escapou a este movimento. As áreas metropolitanas de Lisboa e Porto expandiram-se substancialmente. A grande Lisboa conta hoje com 3 milhões de habitantes e o grande Porto com cerca de 2 milhões. Ou seja, metade da população do país vive nestes dois lugares.

Sem crescimento demográfico, esta migração teve e tem como consequência o que alguns chamam a desertificação do interior. Mas trata-se de uma terminologia enganadora. Mais do que desertificação estamos perante um movimento de reajustamento e aglomeração populacional. Pode ser que um dia se consiga viver em dispersão territorial, utilizando novas tecnologias como forma de manter as pessoas juntas e produtivas. Mas não será para breve. Mesmo o aparecimento da Internet não contribuiu para a desagregação das cidades, como alguns vaticinavam. Pelo contrário, a Internet, ao disseminar o conhecimento pelos lugares mais recônditos, estimulou muitos jovens "aldeões" a dirigirem-se para os sítios onde as coisas realmente acontecem.

A ideia de desertificação do interior, hoje tão em voga, é por isso a expressão da velha resistência ruralista e conservadora contra os centros urbanos. E há também os que vivendo nas cidades olham para os habitantes das aldeias como uma espécie de índios da Amazónia que é preciso proteger.

A defesa do ruralismo, à direita, ou dos índios, à esquerda, vai dar no mesmo. Os que ficam, de guarda a esses lugares recônditos e sem destino, estão condenados ao atraso. O serviço é para mais inglório. O tempo irá despovoar o que resta de insustentável. Sobreviverão algumas estâncias turísticas e parques temáticos.

É claro que por cá nunca se pode tratar nenhum tema sério sem logo se gerar uma enorme balbúrdia. O caso das escolas sem alunos aí está para o demonstrar. Direita e esquerda unem-se porque querem que os índios continuem a ser índios e não cidadãos livres. Os professores são contra, mas isso não deve espantar ninguém porque estão sempre contra tudo. Alguns autarcas também se opõem, certamente porque temem perder o emprego por extinção do posto de trabalho.

Em Portugal existem aldeias a mais, freguesias a mais, cidades a mais. Não é só uma questão de custos e ineficiência, mas sobretudo de incapacidade em se gerarem as sinergias necessárias. Segundo as minhas contas, dos 308 municípios 111 têm menos de 10 mil habitantes. Imagine-se a população das suas freguesias. Mesmo em Lisboa são várias as freguesias com menos de mil pessoas. É evidente que isto não é viável. Nem no que respeita aos serviços, nem às oportunidades de vida. Não se pode mesmo ter uma escola com menos de 20 alunos. E já que falamos em números mínimos o autarca de Paredes vai, e muito bem, encerrar escolas com menos de 100 alunos. O homem até é do PSD.

As crises são oportunidades. Mais tarde ou mais cedo Portugal vai ter de fazer uma reforma administrativa a sério. Seria melhor fazê-lo mais cedo. A fusão de freguesias e municípios é inevitável. A concentração de pessoas e actividades também. Fala-se aliás muito de diminuição de deputados, mas ninguém tem a coragem de dizer que é preciso diminuir drasticamente a quantidade de autarcas. Menos Estado e melhor Estado não é um slogan ideológico. É uma questão de bom senso e de progresso.