Gestão Democrática das Escolas

Seminário nacional "Democracia na Escola Pública: que futuro?": Intervenção de Mário Nogueira

06 de fevereiro, 2008

SEMINÁRIO NACIONAL
"DEMOCRACIA NA ESCOLA PÚBLICA: QUE FUTURO?"

Mário Nogueira
Secretário-Geral da FENPROF

Senhores e Senhoras Convidados,

Colegas e Amigos,

O seminário nacional que a FENPROF hoje aqui promove é mais um momento importante do caminho que vem percorrendo na construção da sua posição sobre o projecto de Decreto-Lei que o Governo aprovou e colocou em discussão pública até final de Janeiro, visando alterar o actual regime de direcção e gestão escolar.

Este caminho não se iniciou apenas agora, é justo dizer. Iniciou-se há muito, quando defender a gestão democrática para as escolas, passou a ser prioridade, precisamente por começar a ser ameaçada. Para a FENPROF esse é o regime que mais se adequa aos interesses da Escola Pública e mais respeita a Lei de Bases do Sistema Educativo e os preceitos constitucionais.

A defesa do regime e o aperfeiçoamento do modelo estabelecido pelo Decreto-Lei 769-A/76, foi uma das nossas lutas maiores, pelo que, convictamente, nos demarcámos da experiência levada a cabo no âmbito do Decreto-Lei 172/91, assumimos uma forte crítica ao Decreto-Lei 115-A/98 e rejeitamos o projecto que o Governo agora apresentou.

Neste mês de Janeiro, a FENPROF construiu, com facilidade, a sua primeira apreciação, na medida em que o projecto apresentado pelo Governo do PS é, em quase tudo, semelhante ao que o Governo do PSD e CDS, em linhas gerais, fizera constar na sua Lei de Bases da Educação, vetada pelo ex-Presidente Jorge Sampaio.

A nossa apreciação crítica levámo-la, ao longo da semana, ao Conselho das Escolas, à Comissão de Educação da Assembleia da República, à Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, à CONFAP e contactámos com um movimento de associações de estudantes de escolas secundárias que se nos dirigiu. Reuniremos, ainda, com a Associação Nacional de Municípios Portugueses e com a comissão instaladora da nova organização nacional de pais e encarregados de educação, a CNIPE. Verificámos com satisfação que, em relação a diversas apreciações críticas que fazemos do projecto do Governo, não estamos sozinhos e que muitas das nossas preocupações são partilhadas por outros membros da comunidade educativa.

Dissemo-lo e reafirmamos que esta alteração das próprias bases da direcção e gestão escolar tem um alcance muito mais abrangente do que, à primeira vista, poderia parecer. É uma peça, das mais importantes, do puzzle que o Governo está a completar e que consubstancia um ataque fortíssimo à Escola Pública e Democrática. Deixámos essa opinião bem expressa quando, no âmbito da Plataforma Sindical dos Professores, decidimos afixar pendões em todo o país nos quais se refere que o Ministério da Educação está, há mais de 1000 dias, a atacar a Escola Pública.

Agora, com a alteração de sentido muito negativo que pretende introduzir à direcção e gestão escolar; antes, com um estatuto da carreira docente que pretende desvalorizar os professores e educadores e o seu exercício profissional; mas, também, com o encerramento de milhares de escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico, a fusão ilegal de agrupamentos e/ou destes com escolas secundárias, a criação de grandes e graves dificuldades à afirmação da escola inclusiva, a forma desqualificada como foram impostas às escolas as alegadas respostas sociais, onde se incluem as já bem conhecidas "AEC's", a municipalização da Educação ou os sucessivos cortes orçamentais impostos à Educação, sendo que hoje esta, em percentagem de PIB, se fica pelos 3,5%... há razões para que nos preocupemos. Uma preocupação que cresce quando verificamos que este ataque à Escola Pública se insere numa política que não poupa o Serviço Nacional de Saúde, o regime público de segurança social, os direitos laborais e sindicais dos trabalhadores e atinge, até, águas mais profundas do próprio regime democrático, contribuindo para que se deteriore a sua qualidade.

Quanto ao projecto aprovado pelo Governo, assentamos as nossas posições críticas em 5 aspectos principais:

  • a imposição, a todas as escolas, de um órgão de gestão unipessoal;

  • a concentração de poderes no director;

  • a desvalorização do Conselho Pedagógico;

  • o fim do processo de eleição directa do órgão de gestão escolar;

  • a redução da participação e influência dos docentes na direcção e gestão das escolas.

Fala, o ME, em autonomia! Autonomia para quê?! Do que nos é dado ler, só para decidir como aplicar as regras, os normativos, as orientações, as decisões cada vez mais centralizadas de um Ministério e de um Governo que estende agora as unhas para dentro das escolas, procurando concretizar o seu velho sonho de acrescentar o elo que faltava à sua cadeia hierárquica.

O debate, ou discussão pública em curso é o que se conhece: o Primeiro-Ministro anunciou as linhas gerais do seu projecto na Assembleia da República, como se de um facto consumado se tratasse; em 21 de Dezembro, vésperas de Natal, o Governo aprovou este projecto colocando-o, então, em discussão, o que num primeiro momento só poderia acontecer à mesa da Consoada; já em Janeiro, novamente o PM, anunciou à comunicação social o consenso gerado em torno das suas propostas em reunião plenária do Conselho Nacional de Educação, depois de uma sessão de cerca de três horas em que, contudo, esta não foi matéria em apreciação e sobre a qual os conselheiros reservaram uma opinião a expressar no momento de aprovação do seu parecer; com a Assembleia da República, órgão por excelência de debate e decisão política, não foi prevista, pelo Governo, qualquer reflexão integrada na discussão pública em curso. Quase nos sentimos tentados a perguntar se temerá ser contestado pelo seu próprio grupo parlamentar, que se poderia socorrer dos argumentos que utilizou quando se demarcou das propostas que, sobre a matéria, o PSD apresentou; por fim, se tivermos em conta que a discussão pública terminará no final de Janeiro é, no mínimo, curioso, que a FENPROF tenha sido convocada para, junto do Ministério da Educação, exercer o seu direito de participação em reunião a realizar no dia...31 de Janeiro, pelas 14.30 horas.

Colegas, Amigos, Senhores Convidados,

A FENPROF não ficará de braços cruzados a aguardar a decisão final do Governo. Pelo contrário, dinamizará a recolha de assinaturas no abaixo-assinado que será entregue no ME depois da reunião em que participaremos, continuará a dinamizar a tomada de posições pelas escolas, não desistirá de lutar por uma escola que apele à participação de todos, uma escola que seja verdadeiramente democrática. Uma escola que envolva todos e responsabilize, em cada momento, os que reúnem melhores condições para responderem positivamente aos múltiplos desafios do ensino, da educação e da formação dos portugueses. Mas, e essa é das maiores preocupações que temos, por ser nossa convicção que só uma escola democrática educa para a democracia. E a democracia, sabemos todos, é um bem essencial que Abril devolveu à nossa sociedade e, por isso, estamos decididos a defendê-la sem olhar a custos.

Um agradecimento aos nossos convidados por estarem aqui e contribuírem para a nossa reflexão, um Abraço a todos os colegas e amigos presentes e o desejo que deste seminário saiam reforçadas e ainda melhor sustentadas as nossas opiniões sobre matéria tão estruturante do nosso sistema educativo.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2008