Educação Especial
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Educação Especial: vagas são insuficientes

15 de fevereiro, 2006

A criação de um grupo próprio para a educação especial na nova legislação sobre os concursos de professores veio responder às necessidades de maior estabilidade dos professores daquela área de ensino. Contudo, o número de vagas a abrir - cerca de três mil - é visto como abaixo das necessidades reais das escolas. Para além disso, especialistas em educação especial clamam por mudanças globais naquela área, a começar pela revisão da actual legislação de base, que data de 1991.

Mudanças globais

"Pequenas alterações como a criação de um grupo de docência fazem sentido quando acompanhadas de mudanças mais globais em toda a política para a educação especial". Esta é a opinião de Carlos Afonso, doutorado pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação do Porto e professor na Escola Superior de Educação Paula Frassineti, no Porto.

No seu entender, a criação de um grupo de educação especial corresponde a uma reivindicação, de há muito, dos profissionais daquela área de ensino. "Os professores eram colocados por um ano nas escolas, o que condicionava muito o seu trabalho e impedia o planeamento de tarefas para os anos seguintes", realçou.

Colocação de docentes

A eficácia da colocação dos professores em agrupamentos de escolas vai depender, como realçou, das relações que se venham a estabelecer entre o agrupamento, as escolas e os professores. "Se os docentes do ensino especial forem vistos como 'tapa-furos', poderá vir a surgir problemas", sublinhou.

Esta ideia leva-o a admitir que muitos professores não queiram arriscar a deixar os grupos disciplinares a que pertencem para concorrer ao da educação especial. "Ao ser colocados em agrupamentos, desconhecem como vai ser organizado o seu trabalho, se terão de andar a correr muitas escolas para dar apoio e se o seu trabalho está garantido no agrupamento nos anos seguintes", referiu.

No seu dizer, a opção pela educação especial pode significar, para alguns professores, um retrocesso na sua carreira profissional. "Se por um lado fica garantida uma maior estabilidade de trabalho na área, por outro o professor tem a ideia de que estará a concorrer não a uma mas a várias escolas, distantes entre si", explicou.

Quanto ao número de vagas anunciadas pela ministra da Educação - cerca de três mil -, Carlos Afonso considera o número muito aquém das reais necessidades das escolas. Por outro lado, aquele investigador defende maiores mudanças a nível da educação especial e não apenas parcelares, como aconteceu agora com a criação de um grupo de docência. "A legislação que rege a educação especial data de 1991 e não faz sentido nenhum em 2006 continuarmos com uma lei tão antiga e desactualizada", referiu.

Carlos Afonso lamentou que o Anteprojecto de Regime de Educação Especial e do Apoio Sócio-Educativo tenha sido abandonado. "Mais do que mudanças parcelares, é necessário dispor de uma perspectiva global do que deve ser a educação especial", realçou. Segundo afirmou, o referido anteprojecto havia recebido vários contributos durante um período de discussão pública. Contudo, acabou por ser abandonado.


Vítor Gomes, professor de educação especial e sindicalista ligado à Federação Nacional dos Professores (FENPROF), critica o facto de o grupo de professores agora criado não se destinar aos alunos com necessidades educativas especiais. "Eles constituem a grande maioria dos alunos que são vítimas de insucesso e abandono escolar", recordou.

Segundo aquele docente, o decreto-lei 50/2005, de Novembro último, veio instituir a criação de planos de recuperação, desenvolvimento e acompanhamento para os alunos com necessidades educativas especiais. "Esses alunos precisam do apoio de professores especializados, mas o grupo de docentes agora criado destina-se, apenas, às crianças com deficiências profundas, ou seja, aos cegos, surdos e deficientes motores", comentou.

Por outro lado, critica o facto de os quadros criados estarem afectos a agrupamentos e não às escolas. "Se a ideia é juntar as crianças deficientes todas numa sala e colocar lá dois professores de educação especial, não podia ser pior. Se já é complicado dar apoio a quatro cegos ou surdos, por exemplo, numa sala, ter mais do que isso não só é pior como também não tem nada a ver com uma política de integração como se pretende", salientou.

Por outro lado, Vítor Gomes não acredita que muitos dos professores que têm sido destacados dos seus grupos disciplinares para a educação especial venham a concorrer aos quadros que o Ministério da Educação vai criar. "São professores do quadro de escola, que agora sabem que é naquela escola que vão estar sempre a leccionar. Ao concorrerem para um agrupamento, desconhecem com quantas escolas vão trabalhar e se terão de andar a saltar de escola em escola para dar os apoios", concluiu.

Números

9840
docentes estavam destacados, no passado ano lectivo, para as equipas de apoio educativo e apoio sócio-educativo nas escolas e outras instituições, como hospitais, de acordo com números do Ministério da Educação

56646
alunos foram sinalizados, no passado ano lectivo, com necessidades educativas especiais (crianças e jovens com algum tipo de deficiência ou dificuldade de aprendizagem)

178
técnicos entre terapeutas, psicólogos e outros formadores faziam parte, no ano lectivo passado, das equipas de ensino especial, segundo números do Ministério da Educação

JN, 6/02/2006