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Parecendo ignorar recente recomendação do CNE e compromissos assumidos internacionalmente

São preocupantes as declarações de responsáveis do MEC sobre futuro da Educação Especial

12 de junho, 2014

Tem sido sempre assim: quando o governo pretende cortar apoios a alunos com necessidades educativas especiais diz que há falta de rigor na referenciação desses alunos e afirma que o acesso à educação especial passará a ser mais exigente. Foi esse o discurso do secretário de Estado Valter Lemos antes de impor o Decreto-Lei n.º 3/2008; é esse o discurso do secretário de estado João Grancho, em 2014, precisamente com o mesmo objetivo: afastar ainda mais alunos das medidas de educação especial e retirar apoios a muitos mais alunos que deles necessitam.

Vem isto a propósito das linhas de força das intervenções produzidas ontem, 11 de junho, pelo referido secretário de Estado e também pelo coordenador do grupo de trabalho criado pelo MEC. Um grupo de trabalho que, de acordo com as tónicas do discurso efetuado, conclui, quase dois meses depois da data prevista, o que o secretário de Estado já tinha afirmado no início do ano: que havia abusos e era necessário ser mais criterioso no acesso à educação especial. Numa primeira análise, fica a impressão que o trabalho deste grupo se terá destinado à validação dos argumentos do MEC.

É, aliás, curiosa a estratégia de João Grancho e do seu grupo de trabalho que é, de alguma forma, semelhante à de Valter Lemos. Este decidiu limitar a educação especial aos alunos com necessidades educativas especiais de caráter permanente; o atual secretário de estado, como já não pode fazer essa distinção, pretende agora que algumas das que são permanentes passem a temporárias, deixando de ser integradas na educação especial.

A QUESTÃO DA TAXA DE PREVALÊNCIA DE NEE

Foi referido na Conferência de Imprensa promovida ontem, pelo MEC, que, em 2007, realizou-se um estudo de prevalência de NEE entre jovens, tendo-se chegado a um rácio de 1,8% da população escolar.

Recorda a FENPROF que essa taxa foi a que, de uma forma administrativa, os responsáveis do então ME estabeleceram tendo em conta um conceito restritivo de NEE, determinado pela aplicação da CIF, classificação que releva apenas os aspetos de ordem clínica. Na altura, a Sociedade Portuguesa de Pedopsiquiatria contestou de imediato essa taxa e esclareceu que, no nosso país, a população escolar com necessidades educativas especiais situa-se entre os 8 e os 10%, pois o conceito não pode limitar-se à deficiência.

Os responsáveis do MEC insistiram no artifício, impuseram-no às escolas, mas, na verdade, este nunca foi totalmente conseguido, porque a vida sobrepôs-se à intenção política. Ao que parece, os atuais governantes pretendem retomar essa orientação, contrariando, até, posições que, na oposição, foram tomadas pelos partidos que hoje governam.

Recentemente, em recomendação que aprovou, o Conselho Nacional de Educação vai, precisamente, em sentido contrário ao do MEC. Diz o CNE que “a ênfase na dimensão de “permanência” das necessidades educativas especiais poderá significar que a ausência de resposta a alunos/as conduza à acumulação de necessidades transitórias, que, carecendo comprovadamente de uma intervenção especializada, se converta em dificuldades crónicas e, portanto, permanentes”. Por esta razão, recomenda que na alteração da legislação, entre outras, sejam tomadas “medidas educativas temporárias que permitam responder às necessidades educativas especiais de caráter transitório”.

NA ATUAL LEGISLATURA ACENTUOU-SE
O DESINVESTIMENTO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Nas declarações feitas ontem por responsáveis do MEC, há ainda a registar o facto de estes referirem que, nos últimos anos, não houve redução de apoios aos alunos com necessidades educativas especiais, tendo mesmo havido investimento.

É grave uma afirmação deste tipo, pois, como infelizmente foi fácil verificar, em particular no ano ainda em curso, nunca se viram tantos problemas neste domínio. As próprias escolas confirmaram, através de levantamento efetuado pela FENPROF no final do 1.º período letivo, que, ao aumento do número de alunos referenciados com NEE correspondeu uma redução de professores e outros técnicos colocados pelo MEC. Muitos alunos ficaram em casa durante os primeiros meses; muitos docentes foram, assim, afastados da educação especial; muitos terapeutas, psicólogos e outros técnicos especializados contratados viram os seus horários de trabalho reduzidos ou foram mesmo retirados às escolas. Também o subsídio de educação especial foi negado a muitas famílias. Portanto, de pouco vale aos governantes repetirem uma mentira que ela nunca deixará de o ser e os professores, bem como as famílias são quem melhor pode confirmar o desinvestimento no setor.

PERGUNTAS QUE SE IMPÕEM

A intenção do MEC em distinguir educação especial de outras medidas de apoio, deveria ser devidamente clarificada. A que medidas se refere? Turmas com menos alunos? Reforço dos gabinetes de psicologia? Colocação de professores de apoio (especializado ou outro)? Mas não são também essas medidas de educação especial?

E ficam mais algumas perguntas: Será que o que está em causa é o próprio conceito de educação especial? Quererá o MEC que esta se resuma às unidades especializadas, centros de referência e instituições de educação especial? Pretenderá o MEC voltar ao tempo das classes especiais e da segregação na escola? E aos alunos com dificuldades de aprendizagem que o MEC não quer que tenham acesso à Educação Especial, o que os espera? O encaminhamento para as vias vocacionais, após reprovarem no labirinto de exames que lhes é imposto, sem respeito pelas suas dificuldades, como acontecerá já este ano?

A FENPROF aguarda que o MEC apresente as suas propostas para alteração dos atuais quadros legais sobre educação especial para emitir uma posição definitiva sobre a matéria. Contudo, após uns dias de expetativa positiva, na sequência da divulgação da Recomendação do CNE, foi com grande preocupação que tomou conhecimento das declarações dos responsáveis do MEC, em relação ao futuro que pretendem para a educação especial.

Porém, ao decidirem, não podem os governantes esquecer que, há 20 anos atrás (10 de junho de 1994), o Estado Português subscreveu a Declaração de Salamanca sobre educação inclusiva e, assim, assumiu um conceito amplo de necessidades educativas especiais que não se esgota na deficiência, nem em necessidades permanentes. Esse compromisso terá de ser respeitado!

O Secretariado Nacional da FENPROF
12/06/2014