Nacional
Conferência de Imprensa da FENPROF de 10/03/2005

Lutar por mudanças. Construir a esperança

26 de abril, 2005

1.   Os eleitores reprovaram, no dia 20 de Fevereiro de 2005, de forma inequívoca, a direita portuguesa e as suas nefastas políticas. Os resultados das eleições legislativas apontam para a necessidade de o novo Governo introduzir evidentes mudanças nos eixos mais gravosos da política dos anteriores governos, orientados pelas batutas do PSD e do CDS/PP.

      Os portugueses votaram de um modo extremamente significativo na esquerda e ao fazê-lo não só condenaram a política de direita mas também esperam e exigem do Governo do Partido Socialista o desenvolvimento de estratégias que visem a justiça social, o respeito pelo trabalho e pelos direitos dos trabalhadores, o progresso e o reforço da democracia que também passa pelo incentivo e não pelo constrangimento do exercício da actividade sindical.

      A situação nascida do acto eleitoral de 20 de Fevereiro, para a qual a FENPROF, os seus Sindicatos e os professores em geral muito contribuíram com a sua luta, os seus pronunciamentos críticos e a firmeza com que defenderam posições que contrariavam as funestas medidas incrementadas pelos anteriores governos, gerou na maioria dos portugueses fundadas expectativas e abriu-lhes caminhos de esperança.

2.   É sabido que fortes e diversificadas pressões do pensamento e das práticas neoliberais vão continuar a fazer-se sentir e por isso é imprescindível que os governantes tracem estratégias, com grande firmeza política, imbuídas de princípios manifestamente democráticos no sentido de incentivar os portugueses e os trabalhadores em particular a contribuírem para alçar o país da apagada e vil tristeza em que a direita e as suas políticas em consonância com os poderosos e egoístas interesses económico-financeiros o mergulharam os quais dão já sinais de pretenderem assim o manter.

      O país aguarda os sinais de mudança e matéria para nela os introduzir não falta: aí está o Código de Trabalho a exigir uma profunda revisão com a revogação urgente das suas normas mais gravosas para os trabalhadores; a fraude e a evasão fiscais reclamam um combate eficaz; o Serviço Nacional de Saúde e a Segurança Social obrigam a que neles se introduzam profundas alterações que promovam a sua sustentabilidade e assegurem a sua qualidade; o papel do Estado deve ser amplamente repensado de modo a pôr-se cobro ao progressivo apagamento do exercício das funções sociais que lhe incumbem promovido por uma brutal deriva neoliberal que o encaminhava para algo parecido com uma passagem à "clandestinidade"; combater a estagnação dos salários exige a prossecução de políticas que promovam uma justa distribuição do rendimento; nos serviços públicos e na Administração Pública é imperioso pôr fim às políticas de privatização e de precarização dos vínculos laborais; o reforço e a expansão de uma escola pública de qualidade para todos e com todos é uma exigência democrática colocada a qualquer poder político que vise trilhar a via do progresso e do desenvolvimento de Portugal.

3.   A FENPROF e os seus Sindicatos manterão a sua inteira disponibilidade para iniciar e desenvolver uma relação activa de cooperação com o Governo na definição das políticas educativas e na execução de todas as medidas que contribuam para a melhoria do funcionamento das escolas, da qualidade do ensino, do sucesso escolar dos alunos e do êxito profissional e social dos docentes. Mas promoverão, sempre que necessário, um combate sério e frontal a quaisquer estratégias ou decisões do Governo inequivocamente recusadas pela classe docente. Este vasto, complexo e relevante grupo profissional exige que o novo Governo assuma um comportamento claro de quem sabe distinguir as organizações sindicais que representam verdadeiramente a classe das que não têm qualquer peso junto dos professores e muitas vezes atentam contra o prestígio do movimento sindical, pilar imprescindível da democracia.

4.   A FENPROF, ciente das responsabilidades de quem representa 70 mil docentes - da educação pré-escolar e dos ensinos básico, secundário e ensino superior -, considera que o futuro da educação e do ensino exige efectivas mudanças na prática do Governo e dos Ministérios da Educação e da Ciência e Ensino Superior. Antes de tudo é necessário que ambos abdiquem de legislar sem ouvir ninguém, atitude sustentada na precária ilusão de que são detentores de toda a sabedoria. O saber de reflexão e experiência feito dos professores é indispensável na definição das políticas educativas e por isso a voz dos docentes, através dos seus Sindicatos verdadeiramente representativos, tem de ser ouvida e aceite pelos governantes que sobre ela devem reflectir e ponderar antes de tomarem qualquer decisão.

      Por outro lado, a situação difusa e pouco consistente que se vive na área da Educação exige que o novo Governo não venha invadido pelo furor legislativo de que normalmente vêm possuídos os ministros da Educação e os seus secretários de Estado que começam sempre por deitar fora, sem qualquer avaliação, o que os outros realizaram numa triste demonstração do mais metafísico voluntarismo de quem acredita que sozinho é capaz de endireitar a malograda e malquista árvore da educação. Este é um a priori incontornável: a contenção legislativa deve presidir à estratégia dos futuros responsáveis pela Educação e Ensino porque, como alguém afirmou, sofremos muito mais de excesso de leis do que de falta delas e já os antigos sabiam que lex imperat non docet, isto é, a lei é feita para comandar e não para ensinar.

      O que é necessário é saber alterar sagazmente o que de pernicioso se inscreveu no sistema educativo que neste momento não está em condições de suportar sacudidelas bruscas antes precisa de reflectidas e ajustadas alterações que o tornem mais operativo e mais dinamizador do sucesso escolar dos alunos e do êxito profissional dos docentes.

      Deste modo, o que a FENPROF espera do novo Governo é que ele adopte uma posição de indesmentível abertura ao diálogo negocial e de procura de consensos a obter num quadro de respeito pela real representatividade das diversas organizações sindicais de professores. Esta atitude será reveladora de que o Governo e os Ministérios da Educação e da Ciência e Ensino Superior entenderam que se o acto educativo se dirige aos alunos ele seria, porém, inexistente sem os docentes. Assim sendo, eles não poderão continuar a ser olhados como parceiros dispensáveis antes como actores cujo incontornável papel é fundamental na construção de uma escola de qualidade.

5.   Porque assim pensa, a FENPROF considera que o novo Governo deve pôr em prática, e não apenas na retórica do discurso, todo um conjunto de medidas orientadoras de uma forte valorização profissional e social dos professores. Isto significa que a formação inicial e contínua dos docentes deve ser com eles profundamente repensada de modo a tornar cada vez mais rica e evidente a sua qualidade profissional. O Estado tem de assumir a responsabilidade de tornar estes decisivos co-artífices do futuro de Portugal cidadãos prestigiados e as escolas onde eles trabalham lugares de realização humana, profissional e social. A uma exigente, séria e rigorosa formação de professores deve aliar-se a adequada expansão de uma rede pública de estabelecimentos de ensino, cuidadosa e realisticamente apetrechados, com vista a uma boa prossecução dos complexos e diversificados objectivos definidos a nível nacional e local.

      A FENPROF exige do Governo que encare a Educação e a qualificação como bens comuns indispensáveis ao desenvolvimento do país e ao pleno usufruir da cidadania, isto é, perfila-se como urgente a necessidade de prestigiar a escola, os saberes, o saber-fazer, as competências, as capacidades de todos e de cada um como alavancas da integração social e da construção de uma sociedade mais harmoniosa e solidária e de mais justiça social. Porém, como vivemos numa sociedade com profundas desigualdades, flagelada pelo desemprego, pelo analfabetismo e pelos baixos salários, é obrigatório que o Estado desenvolva uma política de acção social escolar que contribua para que a escola atenue as desigualdades de diversa natureza que atingem muitos dos seus alunos.

      Essa escola, espaço democrático de aspiração e realização humanas, exige do Estado e dos Ministérios da Educação e da Ciência e Ensino Superior um respeito e uma confiança inabaláveis nos professores o que de algum modo se traduz na transformação da autonomia numa realidade praticável e em permanente aprofundamento. Quando se pensa na autonomia das escolas logo se pensa no seu financiamento - do pré-escolar ao superior - mas também nos seus projectos educativos, nos currículos, programas e práticas pedagógicas. Eis uma matéria que exige uma ampla e ponderada reflexão entre as partes interessadas com vista a uma modificação serena da actual realidade de modo a garantir-se a melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem, indispensáveis à construção de um sistema educativo de onde seja banido o insucesso e o abandono escolar precoce, designadamente na escolaridade obrigatória. Tendo em conta as baixas qualificações da população activa torna-se imperioso e urgente repensar toda a estrutura do ensino secundário visando correcções e ajustamentos que o tornem capaz de não só preparar bem os alunos para o prosseguimento de estudos mas também para uma integração na vida activa coroada de êxito. Não é de uma reforma profunda que o país neste momento precisa mas de uma eficiente e eficaz articulação dos diversos percursos que se abrem no interior do ensino secundário, desde os cursos gerais aos tecnológicos tendo ainda em conta o ensino profissional e o ensino recorrente.

      Outro aspecto que surge à FENPROF como extremamente relevante é o das estruturas e funcionamento das escolas, da educação pré-escolar ao ensino superior, em que se considera ser necessário aprofundar a democracia na direcção e gestão escolares, o que passa pelo reforço dos princípios de elegibilidade, colegialidade e participação e não pela sua substituição por normas que sustentem a transformação dos estabelecimentos de ensino em empresas submetidas aos ditames do mercado.

      Por último, a FENPROF considera que o salto qualitativo que é urgente promover nesta tão decisiva área não é possível sem a motivação dos docentes, o que também passa pelo aumento da estabilidade profissional e de emprego em todos os segmentos do sistema. Na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário, os sucessivos governos têm ignorado a necessidade de uma efectiva política de valorização dos quadros, designadamente dos quadros de escola, optando antes pelo encerramento de milhares de lugares de quadro e até de centenas de estabelecimentos de educação e de ensino. As consequências desta política são bem visíveis no aumento do número de docentes desempregados e no recrudescimento de um clima de instabilidade profissional e pessoal. No ensino superior público (no particular e cooperativo a situação ainda é pior) em que mais de 70% dos docentes são contratados a prazo num contexto de bloqueamento das promoções originado pela falta de alargamento dos quadros e pelos constrangimentos das dotações por categorias.

6.   A FENPROF vai incrementar uma estratégia de permanente esclarecimento e mobilização das escolas e da classe docente porque a esperança por si só não transforma a realidade, mas é sempre uma forte motivação para a acção. O povo português deu a maioria absoluta a um partido para governar o país e ao fazê-lo atribuiu-lhe uma enorme responsabilidade. A FENPROF nada fará para a esbater antes será profundamente exigente no que respeita ao cumprimento de todos os compromissos que possam dar corpo à esperança, porque os professores sabem que nada é dado, tudo se conquista o que implica movimento e luta e não abulia e indiferença.

      A FENPROF estará atenta às primeiras medidas a serem anunciadas pelo Governo porque elas serão o prenúncio das suas políticas. A estratégia da Federação será traçada em função da concretização ou frustração das expectativas geradas pelos resultados eleitorais de 20 de Fevereiro, todas elas de sinal contrário às marcas deixadas pelos governos anteriores. Se as políticas que vierem a ser desenvolvidas contrariarem a vontade de mudança expressa pela maioria do povo português e não visarem a defesa da qualidade da escola pública, a FENPROF, como sempre, erguerá com firmeza e determinação as bandeiras da luta.

Lisboa, 10 de Março de 2005

O Secretariado Nacional