Internacional
Mário Nogueira no VI Congresso da CIG Ensino (Galiza)

"Eles podem não nos deixar sonhar, mas nós não os vamos deixar dormir"

29 de outubro, 2013

Seria incompreensível que a geração que herdou Abril – a nossa – deixasse aos seus filhos as trevas como herança. Não o faremos e teremos a força e a coragem suficientes para travarmos toda a luta que temos pela frente. Como tantas vezes tem sido lido nas manifestações em que participamos – e deixo-vos essa garantia – eles podem não nos deixar sonhar, mas nós não os vamos deixar dormir.

Foi assim que terminou a saudação da FENPROF, apresentada por Mário Nogueira, ao VI Congresso da CIG Ensino, da Galiza, realizado no passado dia 26 de outubro (sábado), em Santiago de Compostela.

Clique para ampliarMário Nogueira começou por saudar, "em  nome do Secretariado Nacional da FENPROF, os companheiros da CIG Ensino e, através de vós, todos os professores e professoras da Nação Galega.
"Uma saudação também aos companheiros da Euskal Herria aqui presentes. A uns e outros quero dizer-vos que as vossas causas e as vossas lutas pelo ensino da língua mãe das vossas nações ou pela observação dos direitos dos presos políticos contam com a nossa solidariedade que, hoje aqui, pretendo reafirmar."

Direita neo-liberal quer ajustar contas
com o 25 de Abril

Abordando a  situação em Portugal, "na Educação mas não só", que "está a tornar-se cada vez pior e mais negativa", o Secretário Geral da FENPROF afirmou:

Clique para ampliar"Depois de anos em que diversos governos fragilizaram o país com medidas que reduziram a capacidade de resposta dos serviços públicos e consideraram publicamente os professores como um grupo de privilegiados a pôr na ordem, em 2011, o então Primeiro-ministro José Sócrates, do governo PS, apoiado pelos partidos que eram então oposição e hoje estão no governo, tornou Portugal refém da troika FMI, UE, BCE e, com as políticas que desenvolveu, acabou por entregar o país a uma direita neoliberal que governa sem qualquer sensibilidade social e está empenhada em ajustar contas com o 25 de Abril de 1974, com as transformações sociais que produziu e com o chamado Estado social que os portugueses construíram."

"A esse mesmo Estado", acrescentou, "foi atribuído um conjunto de funções sociais que estão a ser desmanteladas e substituídas por respostas assistencialistas que serão da responsabilidade de instituições ditas de solidariedade social, muitas delas ligadas à igreja católica. Isto acontece num contexto de grande empobrecimento que se generaliza a grande parte da população."

Clique para ampliarE mais adiante:

"Desde o início desta “ajuda” e até agora, com o memorando assinado com a troika, que a CGTP e diversas organizações sociais e políticas consideram que constitui um verdadeiro pacto de agressão aos portugueses, mas que a troika e o governo dizem constituir um plano de ajuda a Portugal, a nossa dívida passou de cerca de 75% para 127%, o desemprego aumentou dos cerca de 10% para 17,4%, o défice continua a ser disfarçado com artifícios vários, mas muito longe de descer como pretendem fazer crer…"

Mário Nogueira afirmaria noutra passagem:

"Com as portas abertas pelo governo que o antecedeu, a direita, que consegue pela primeira vez, em Portugal, ter um Presidente da República, uma maioria parlamentar, um governo e até um presidente da comissão europeia – por agradecimento pelo frete feito aquando da preparação do ato criminoso que destruiu o Iraque – está a arruinar Portugal e a vida dos portugueses. A proposta de Orçamento do Estado para 2014 procura ser uma machadada que ainda não é final, mas para aí se encaminha."

"Nessa proposta, 82% da receita ou da redução despesa do Estado é conseguida à custa dos salários dos funcionários públicos, das pensões de aposentação e reforma, da Educação e da Saúde e apenas 4% provém da banca, dos grandes grupos económicos e da alta finança", referiu Mário Nogueira.

Clique para ampliarAinda a propósito da situação financeira, observou:

"Os encargos com a dívida, a pagar à troika em 2014, são iguais ao somatório do orçamento da Educação, da Saúde e de metade da Segurança Social. Portugal e os portugueses, como sobressai de toda esta situação, estão a ser roubados! O FMI, a UE, o BCE e o governo português (que confirma rever-se nesta políticas) estão a desenvolver uma ação de autêntico terrorismo social. Para eles, os problemas de Portugal são vários – a Constituição da República, as leis estruturantes da República como a Lei de Bases dos Sistema Educativo, a própria democracia ou a liberdade sindical – mas há um que começa a destacar-se: Portugal tem portugueses em excesso e, por isso:

- Aos jovens diz que deverão emigrar;

- Aos trabalhadores que dependem do Estado propõe que rescindam dos seus contratos de trabalho que deveriam ser definitivos, ameaça remetê-los para listas de excedentários ou despede-os quando estes têm vínculos precários;

- Aos idosos corta nas suas já reduzidas pensões e impõe cortes violentos no Serviços Nacional de Saúde."

"Na Educação estas políticas levaram a que fossem tomadas diversas medidas que estão a pôr em causa a Escola Pública e as condições em que de desenvolve a profissão de Professor:

- Em apenas 6 anos, as escolas públicas perderam cerca de 40.000 professores num universo que se situava na ordem dos 150.000;

- Foram agravados os horários de trabalho;

- Aumento do número de alunos por turma;

- Eliminação ou redução de importantes áreas do currículo escolar, como as ligadas à arte, à cultura, ao desporto ou à formação cívica;

- Criação de mega-agrupamentos de escolas que chegam a ter mais de 3.000 e 4.000 alunos e encerramento de milhares de escolas rurais, um processo que, aliás, já vem dos dois governos anteriores;

- Afastamento dos apoios de Educação Especial a milhares de alunos com necessidades educativas especiais;

- Congelamento das carreiras docentes e reduções salariais brutais que, em 2014, deverão situar-se entre os 6,2% e os 12%, para além de uma carga fiscal elevadíssima;

- Despedimento de milhares de docentes com vínculos precários, tendo o desemprego oficialmente registado aumentado, entre 2011 e 2012, cerca de 122% e já este ano, em 2013, cresceu 72% em julho e 44% em agosto faltando conhecer o que aconteceu em setembro que também deverá ter um valor muito significativo;

- O ensino superior, em 10 anos, perdeu cerca de 30% dos seus alunos e não consta que tenha sido por quebra da taxa de natalidade, mas porque os custos da frequência, para as famílias, se tornaram insuportáveis, devido aos cortes impostos pelo governo às instituições e por não existir uma ação social escolar adequada a responder às dificuldades."

Clique para ampliarPara o próximo ano, referiu, "o governo pretende cortar mais 8,8% nos ensinos básico e secundário e 7,6% no ensino superior e na ciência. Quanto à Educação, e apesar do contexto de forte descida em que se apresenta a proposta de Orçamento que o governo propõe, destaca-se, em contraciclo, um aumento de verbas para o ensino privado o que torna ainda mais evidente que não estamos perante um problema financeiro por resolver, mas uma opção ideológica assumida que tem por objetivo elitizar a escola, retomar modelos de segregação já abandonados, privatizar, exigir do público uma resposta social e reservar para o privado a missão do conhecimento."

Lutar!

Clique para ampliar"Só há uma forma de parar este caminho tão negativo: lutar! E os professores portugueses, desde 2008, têm lutado muito. Foram manifestações com mais de 100.000 na rua, uma greve de 3 semanas ao serviço de avaliações de final de ano e também uma greve que coincidiu com o dia de exame de Português do ensino secundário. Perguntar-se-á se foi possível parar as políticas em curso ou evitar que a situação se tornasse pior do que estava antes… não foi, é verdade, mas o que também é verdadeiro é que ninguém consegue dizer em que situação já estaríamos se os professores tivessem cruzado os braços e deixado de lutar, umas vezes sozinhos, outras em convergência com os demais trabalhadores", destacou Mário Nogueira.

"Eles não estão dispostos a parar, mas nós também não estamos dispostos a ceder. Não está fácil, mas em tempos mais difíceis, outros, em Portugal, souberam levar a sua luta até ao fim e só dessa forma foi possível fazer Abril e recuperar a democracia depois de 48 anos de uma longa noite fascista", observou.

"Seria incompreensível que a geração que herdou Abril – a nossa – deixasse aos seus filhos as trevas como herança. Não o faremos e teremos a força e a coragem suficientes para travarmos toda a luta que temos pela frente. Como tantas vezes tem sido lido nas manifestações em que participamos – e deixo-vos essa garantia – eles podem não nos deixar sonhar, mas nós não os vamos deixar dormir", concluiu.