Nacional
Governo promove PPP na Educação

Interesses privados alimentados com milhões públicos

24 de junho, 2015

Na região centro, as 269 turmas postas a concurso pelo governo para entrega a operadores privados, custarão aos contribuintes, em 2016, mais de 21,6 milhões de euros. Se considerarmos todos os anos de escolaridade de 2.º e 3.º ciclos e ensino secundário, o valor ascenderá, em 2016, a 58 milhões de euros. Estes números foram relevados numa conferência de imprensa realizada, em Coimbra, com a participação de Mário Nogueira.

O MEC vai entregar a operadores privados da região centro, no próximo ano lectivo, 269 turmas dos 5.º, 7.º e 10.º anos de escolaridade. Sendo cada uma financiada em 80 500 euros, o Estado pagará aos privados 21 654 500 euros, sem contar com o financiamento das turmas de 6.º, 8.º 9.º, 11.º e 12.º anos.

Recorda-se que em Novembro de 2012 eram divulgados os estudos de um grupo de trabalho criado pelo MEC, coordenado por Pedro Roseta, em que se avaliavam os custos das turmas nas escolas públicas e privadas, concluindo-se que cada turma, no ensino público, tem um custo médio de 70 648 euros e no secundário o valor médio sobe para 91 421 euros.

De acordo com a Portaria n.º 172-A/2015, o valor do financiamento de cada turma atribuída ao sector privado será de 80 500 euros. Isto é, de acordo com o estudo antes citado, 9 852 euros acima do custo médio das turmas do básico nas escolas públicas e 10 921 euros abaixo do que se estima para aquele valor nas secundárias.

Divulga o aviso de abertura que, nesta região, 228 turmas serão para o ensino básico (106 do 5.º ano e 118 do 7.º) e 45 para o ensino secundário. Assim, tendo como referência, por um lado, o valor do financiamento a atribuir por cada turma que será contratualizada (80 500 euros), por outro, o custo médio por turma no ensino público (a valores de 2009/2010, que baixaram significativamente nos últimos 3 anos com a redução de milhares de professores), conclui-se que os contribuintes, só na região centro pagarão mais 1,8 milhões de euros com a entrega destas 269 turmas de 5.º, 7.º e 10.º anos ao sector privado. Se tivermos em conta as turmas de todos os anos de escolaridade dos ensinos básico e secundário, o acréscimo da despesa do Estado, só em 2016, quase atingirá os 5 milhões de euros.

Poderia admitir-se esta opção como uma inevitabilidade, caso as escolas públicas não reunissem as condições para receber as turmas que são desviadas para os colégios privados. Ainda assim, seria de exigir que, no cumprimento do artigo 75.º da Constituição da República Portuguesa, o Estado se obrigasse a garantir a todos o acesso ao ensino em escolas públicas. O que se verifica é que, nos concelhos em que foram postas a concurso estas turmas, as escolas públicas, salvo raras excepções, têm condições para as receber. Alguns exemplos: no concelho de Coimbra as escolas públicas têm capacidade para mais 80 turmas, mas o MEC vai conceder 48 aos operadores privados; em Viseu, a capacidade das escolas públicas dá para receber mais 22 turmas e o MEC entrega 14 aos privados; na Guarda, a relação é de 8 para 4; em Seia são entregues 4 turmas ao privado, tendo as escolas públicas capacidade para receber mais 31. Esta situação repete-se em Resende, Covilhã, Fundão, Sertã, Anadia, Oliveira do Bairro, Cantanhede, Soure, Ansião, Porto de Mós.

Só em alguns concelhos do distrito de Leiria, com a progressiva instalação de colégios privados, a Escola Pública não acompanhou a evolução das crescentes necessidades da população escolar, decorrentes, designadamente, do alargamento da escolaridade obrigatória. Curiosamente, esta situação ocorre num distrito em que o grupo GPS tem grande implantação. Mesmo assim, o número de turmas que é colocado a concurso ultrapassa as necessidades existentes, tendo em conta a capacidade de resposta das escolas públicas. No concelho de Leiria, tal como no de Alcobaça, anuncia-se a contratualização com privados de mais 13 turmas do que seria necessário; em Pombal, de mais 7; na Batalha, de mais 2; na Nazaré, de mais 1. No caso da Nazaré é de destacar o facto de nunca ter existido oferta pública de ensino secundário, sendo este nível de ensino concessionado, na íntegra, ao colégio aí existente, contrariando a vontade expressa da população.

 

CONCELHO (1)

N.º DE TURMAS QUE ESCOLAS PÚBLICAS PODEM RECEBER,
ALÉM DO DISTRIBUÍDO EM REDE (2)

N.º DE TURMAS A "CONCEDER"
AOS COLÉGIOS

OBSERV.

 

5.º ANO

7.º ANO

10.º ANO

5.º ANO

7.º ANO

10.º ANO

 

Águeda

4

4

----

4

4

----

 

Alcobaça

----

6

4

----

8

5

 

Anadia

4

4

2

4

4

2

 

Ansião

1

1

----

1

1

----

 

Batalha

1

1

----

3

3

----

 

Cantanhede

5

5

3

4

4

2

 

Coimbra

31

30

19

21

22

5

 

Covilhã

----

1

1

----

1

1

 

Figueira (Norte)

2

2

----

2

2

----

 

Fundão

3

3

2

1

1

1

 

Guarda

4

4

----

2

2

----

 

Leiria

4

8

1

17

16

2

 

Nazaré

----

3

----

----

1

4

DRLVT

Oliveira do Bairro

5

4

3

5

4

3

 

Pombal

2

2

1

10

11

3

 

Porto de Mós

5

6

7

5

5

3

 

Proença-a-Nova

2

2

2

1

1

1

 

Resende

----

10

----

4

DREN

Sabugal

----

2

----

2

2

----

 

Seia

13

12

6

2

2

----

 

Sertã

2

2

2

2

2

1

 

Soure

5

5

2

2

2

2

 

Viseu

22

7

7

----

 


(1) Em alguns concelhos da região ainda não foi possível concluir o levantamento de dados. 

(2) Informações recolhidas junto das direcções das escolas/agrupamentos. Por vezes, foi indicada, simplesmente, a capacidade de receber as turmas a concurso pelos privados e não a capacidade total disponível das escolas/agrupamentos que é, na verdade, ainda superior.

 

Estamos perante uma situação que:

- É inconstitucional, pois viola o artigo 75.º da CRP;

- É despesista, pois, só na região centro, obriga o Estado a desembolsar mais de 5 milhões de euros do que seria necessário;

- Apenas favorece operadores privados, a quem são entregues 58 milhões de euros, que, assim, obtêm o financiamento para os seus negócios à custa do erário público;

- Consolida o processo de privatização do ensino;

- Enquadrada pela designada reforma do Estado, e a par da municipalização, se destina a reduzir ainda mais o número de docentes nas escolas públicas, cumprindo, dessa forma, a imposição do FMI de redução de 173 milhões de euros em trabalhadores da Administração Pública.

Face ao que antes se expôs, o SPRC irá:

- Propor o alargamento deste estudo ao conjunto do país para, no âmbito da FENPROF, serem desenvolvidas iniciativas junto da Assembleia da República, Provedor de Justiça, Procuradoria- Geral da República e Tribunal de Contas;

- Entregar ao seu gabinete jurídico a apreciação deste processo para, eventualmente, se avançar com acções que possam defender o interesse público;

- Apoiar juridicamente os docentes que, nas escolas afectadas por este desvio de alunos para o privado, venham a ficar em situação de horário-zero;

- Apelar aos conselhos gerais das escolas/agrupamentos, bem como às assembleias municipais da região centro, para que tomem posição contra este processo lançado pelo governo;

- Promover e/ou apoiar iniciativas públicas a desenvolver nesta região, que se destinem a contestar a privatização do ensino.

 

(23.06.2015)

A Direcção do SPRC