Nacional
Debate em Lisboa na Semana de Ação Global pela Educação/2014

Unir esforços em defesa da escola que não marginaliza

06 de maio, 2014

As crianças e jovens portugueses com necessidades especiais devem ser respeitados. O Estado Português deve honrar os compromissos que assumiu internacionalmente. 40 anos depois do 25 de Abril, os sinais dados pelo governo, também nesta matéria, são extremamente preocupantes - estas foram algumas das notas salientes do debate realizado no passado dia 7 de maio, em Lisboa, no âmbito da Semana de Ação Global pela Educação. Foi uma iniciativa conjunta da FENPROF e da CNOD, que decorreu no auditório da Escola Secundária Padre António Vieira, com a participação de três deputados da Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República: Jacinto Serrão (PS), Rita Rato (PCP) e Luis Fazenda (BE). Em 2014, a Semana de Ação Global pela Educação, promovida anualmente pela Campanha Mundial pela Educação, tem como tema “Deficiência e Educação”. Em Portugal, FENPROF e CNOD promovem várias iniciativas, de que temos dado eco na página da Federação e no JF.

Mário Nogueira: "E ninguém esquece a afirmação do atual vice primeiro-ministro..."

 Imagens da iniciativa

 Vídeos (atualizado)

Depois da sensibilização da população em numerosas localidades do país e antes do grande encontro de sábado, 10 de maio, no Seixal, foi tempo de ouvir os representantes do povo na casa-mãe da democracia, lamentando-se que os grupos parlamentares do PSD e do CDS tenham declinado o convite.

Também presentes na Mesa, presidida por Vitor Gomes (SPN), o Secretário Geral da FENPROF, Mário Nogueira, que encerrou os trabalhos; Ana Simões, membro do Secretariado Nacional da Federação, responsável pelo Departamento de Educação Especial; e José Reis, Presidente da CNOD.

Ana Simões sintetizou os objetivos da Semana de Ação Global pela Educação e destacou a importância das ações de sensibilização junto da opinião publica, o encontro de 10 de maio no Seixal e as 17 ações de formação previstas em todo o país (iniciativa dos Sindicatos da FENPROF).

Queixa às organizações
internacionais


A dirigente sindical lembrou ainda a recente queixa pelo continuo desrespeito do governo português pelos alunos com necessidades educativas e de apoio especiais, pelas famílias e pelos docentes que trabalham com estes alunos. Recorde-se que FENPROF, CNOD e APD enviaram uma queixa a diversas instâncias internacionais (OIT, UNESCO, IE, FED e Comissão Europeia) e nacionais contra o governo português e o Ministério da Educação e Ciência em particular, por porem em causa a educação inclusiva e os direitos de milhares de crianças e jovens com necessidades educativas especiais.

Ana Simões deixou um primeiro desafio aos deputados presentes: que avaliação das politicas educativas em matéria de inclusão?

Jacinto Serrão referiu em primeiro lugar que os temas da educação e do ensino especial, pela sua importância, devem ser acompanhados, tendo sempre em conta a necessidade de melhorar e de responder com mais qualidade aos desafios que surgem no dia a dia. Deixou desde logo uma saudação à FENPROF pela "forma  incansável" como tem desenvolvido a sua atividade em prol desse objetivo.

"A Educação é um direito
de cidadania"

“A crise não justifica tudo…”, afirmou o deputado do PS, alertando para os objetivos da agenda ideológica da direita, nomeadamente na área da educação. “Os cortes cegos têm implicações negativas a curto, médio e longo prazo”, referiu.

“O pacote de medidas” preparado pelo governo aponta para “o desmantelamento do estado social, que querem reduzir ao mínimo”, alertou Jacinto Serrão.

"A  Educação é um direito de cidadania", realçou o parlamentar socialista na primeira ronda de intervenções dos deputados presentes neste debate que teve transmissão em direto aqui na página da FENPROF (com Paulo Machado ao comando das operações).

Jacinto Serrão afirmou que o Decreto 3/2008, da autoria dum governo do seu partido, "não veio com intencionalidade negativa", mas reconheceu que tem falhas graves e que, na sua opinião, deve ser alterado em vários aspetos. Já os outros dois deputados presentes manifestaram a necessidade de revogar aquele decreto, renovando, aperfeiçoando e adaptando a legislação à realidade nacional.

Depois de sublinhar "o papel insubstituível da FENPROF na defesa da escola pública", Rita Rato acusou o governo de "discriminação de milhares de crianças e jovens com necessidades educativas especiais".

A deputada do PCP falou dos violentos cortes à escola pública ("o MEC não garante os meios humanos e materiais para a inclusão") e afirmou que o Grupo Parlamentar do PCP tem denunciado situações concretas, de norte a sul do país, relacionadas, entre outros aspetos, com a falta de professores e técnicos nas escolas e o excessivo número de alunos por turma.

"Nem o 3/2008
está a ser cumprido..."

Calcula-se que mais de 10.000 alunos com necessidades educativas especiais (NEE) ficaram, nos últimos 6 anos, sem os apoios que lhes deveriam ter sido proporcionados, tendo em conta as suas dificuldades de aprendizagem. É este o resultado mais visível deste período de vigência do Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro. Ao longo do debate, surgiram em várias intervenções críticas frontais àquele decreto. As palavras de Rita Rato foram nesse sentido, mas, ao caracterizar a gravidade da situação que se vive hoje no pais, a deputada comunista foi mais longe: "Nem o 3/2008 está a ser cumprido..."

"A  bancada do PCP tem apresentado alternativas ao 3/2008", afirmou Rita Rato. É preciso que se cumpra a Lei de Bases e a Constituição da República", observou. "Não é crime exigir investimento público", destacou noutra passagem da sua primeira intervenção neste debate, que foi acompanhado por uma especialista de linguagem gestual.

Para Luis Fazenda "a inclusão é uma marca profunda da escola pública democrática".  "O que aqui estamos a debater é um problema de todos", realçou o deputado do Bloco de Esquerda.

"Temos que estar vigilantes
na Assembleia da República"

Foi criado um grupo de trabalho pelo governo, integrando elementos do MEC e da Segurança Social, para propor medidas que levem à alteração da atual legislação que regula a Educação Especial, o DL 3/2008. O grupo de trabalho cessou as suas funções em 15 de abril, p.p., devendo ter apresentado ao MEC o relatório que elaborou. Este relatório mantém-se em completo segredo, o que não augura nada de bom, como alertaram vários intervenientes neste debate. O deputado Luis Fazenda foi uma dessas vozes, observando a propósito:

"Algo não correu bem dentro desse grupo de trabalho. Preocupa-nos a possivel alteração para diminuir os apoios especializados e reduzir o universos das crianças e jovens com apoio. Temos que estar vigilantes na Assembleia da República e suscitar o debate".

"O governo devia ouvir as organizações de deficientes, os professores e as famílias", salientou a representante da ACAPO neste debate. Acusou o executivo de Coelho e Portas de promoverem uma "política de tapa buracos" em relação à deficiência e lembrou a importância do apoio precoce no ensino do braille e das técnicas de orientação e mobilidade. Chamou também a atenção do auditório e dos deputados para a situação de crianças de 6 anos que, para poderem ter apoio especial, vivem a 80 quilómetros das suas famílias...

"A inclusão está a ser empurrada para um beco sem saída", alertou o Professor David Rodrigues num dos momentos do debate, no qual foram ainda abordados temas como a falta de docentes de educação especial, a situação dos profesores com deficiência e das crianças surdas, entre outras matérias.

José Reis: a importância
da sensibilização da opinião pública

Vários documentos de referência foram citados pelos intervenientes, nomeadamente a Lei de Bases, a Constituição da República ou a Declaração de Salamanca. José Reis, da CNOD, acrescentou a Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência e valorizou a atitude de resistência e luta de muitas famílias com crianças e jovens a necessitarem de apoios especiais. "São grandes exemplos para toda a sociedade", acrescentou.

O Presidente da CNOD destacou a importância da sensibilização da opinião pública para os objetivos e as dinâmicas da escola inclusiva.

Relatório no segredo
dos deuses...

Na ponta final do debate, falou-se de novo no episódio do mencionado  grupo de trabalho, criado pelo MEC de Nuno Crato,  que cessou as suas funções em 15 de abril. O relatório que deveria ter apresentado ao Ministério mantém-se (até agora) em completo segredo, o que é, no mínimo, estranho.

Mário Nogueira, ao fechar a sessão, agradeceu a presença dos deputados e a cedência do espaço à  Escola Secundária Gil Vicente,  e sublinhou que a FENPROF exige do MEC a divulgação do relatório elaborado por aquele grupo de trabalho, bem como uma negociação efetiva de novos quadros legais que vierem a ser aprovados, envolvendo não apenas as organizações sindicais de docentes, mas igualmente as famílias, através das suas organizações representativas, as organizações representativas de pessoas com deficiência e outras associações.

Foi num  contexto de corte e degradação das condições capazes de assegurarem uma educação inclusiva, recordou Mário Nogueira, que o atual Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário afirmou, no início do ano em curso, que se tornava necessário corrigir a situação porque havia abusos... Ou seja, para o governante, o problema coloca-se ao contrário, entendendo este que havia ainda uma margem a corrigir, isto é, a cortar...

Como se ouviu em diversos momentos deste debate, "nada de positivo" se pode esperar deste poder político. E o melhor é mostrar-lhes a porta de saída no próximo dia 25 de maio. / JPO