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Os "rankings" e o ataque à escola pública

09 de novembro, 2013

A divulgação de rankings de escolas em Portugal – iniciada em 2001, precisamente no mesmo mês em que o País de Gales anunciou que os abandonava – foi desde sempre fortemente contestada pela FENPROF, que considera esta seriação das escolas redutora, injusta e perversa.

Redutora porque não é possível avaliar escolas tendo apenas em conta os resultados dos alunos em exames nacionais, ignorando outras dimensões importantes das aprendizagens e todo o trabalho que é feito nas/pelas escolas, sobretudo nos meios mais difíceis.

Injusta porque não é legítimo comparar escolas cujas realidades educativas são diversas. A ordenação de escolas apenas com base nos resultados dos exames nacionais esconde as diferenças entre os contextos socioeconómicos dos alunos e das suas famílias, a escolaridade dos pais ou o meio em que cada estabelecimento de ensino se insere, para referir apenas alguns aspetos.

Perversa porque não se promove a melhoria das supostamente “piores escolas” expondo publicamente o seu alegado insucesso. Ao contrário, a competição introduzida pelos rankings reforça os mecanismos de seleção dos alunos, acentuando as assimetrias entre as escolas socialmente valorizadas e as que, socialmente estigmatizadas, se vêem condenadas a ser cada vez “piores”.

À semelhança do que aconteceu em anos anteriores, os rankings hoje divulgados comparam escolas, públicas e privadas, sem atender aos desequilíbrios do país e a factores que a investigação comprova que influenciam fortemente os resultados dos alunos. Sem quaisquer pruridos, põem a jogar no mesmo campeonato:

  • escolas privadas que seleccionam criteriosamente os seus alunos com escolas públicas a que todos (justamente) têm acesso;
  • escolas públicas em que a maioria dos alunos beneficia de acção social escolar com escolas privadas com mensalidades que vão até 656,00 euros;
  • escolas do interior com escolas dos grandes centros urbanos;
  • escolas em que os alunos frequentam exclusivamente cursos orientados para o prosseguimento de estudos com escolas em que a maioria frequenta cursos profissionais;
  • escolas em que as habilitações académicas dos pais chegam a uma média de 15 anos de escolaridade com outras em que não vão além de 8;
  • escolas que levam um número reduzido de alunos a exame com outras que levam largas centenas ou mesmo milhares…

Ao longo dos últimos treze anos, defensores dos rankings têm vindo a reconhecer as suas limitações, mas insistem na necessidade e utilidade da sua divulgação. Compreende-se que o façam. Os rankings não servem para avaliar escolas, mas servem para difundir uma imagem negativa das escolas públicas, que, afastadas do topo da tabela, são apontadas como ineficazes e ineficientes. Apesar de o MEC disponibilizar, desde o ano passado, um conjunto de dados de caracterização das escolas públicas, cuja análise permite conhecer melhor a realidade de cada escola e do meio em que se insere — percentagem de alunos apoiados pela ação social escolar e dos professores dos quadros, habilitações dos pais e o peso dos cursos de ensino profissional —, a verdade é que esses dados de contexto não são ponderados para a ordenação das escolas, construída apenas com base nas médias de exame. 

A forma como, na comunicação social, se catalogam as escolas como “boas” e “más”, “melhores” e “piores”, em função do lugar relativo que ocupam no ranking, é de uma enorme leviandade e falta de rigor. Mas, há que reconhecê-lo, é de grande utilidade para a promoção e favorecimento do ensino privado – objectivo perseguido pelos que advogam a liberdade de escolha das famílias e procuram introduzir lógicas de mercado em educação, e claramente assumido pelo Governo na recente alteração do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo e no guião da Reforma do Estado.

Não deixa contudo de ser curioso que o ranking hoje divulgado venha desmentir um dos argumentos usados no guião da reforma do Estado, o de que “globalmente, as escolas (privadas) com contrato de associação respondem bem nos rankings educativos”. Ora, a análise dos resultados nos exames nacionais do 9º ano mostra que as escolas com contrato de associação não têm globalmente melhores resultados do que as públicas, sendo particularmente pertinente uma comparação por concelho, pondo lado a lado privadas e públicas numa mesma região. 

Independentemente da necessidade de aprofundar a discussão em torno de questões complexas associadas à informação hoje disponibilizada, nomeadamente a que se prende com a descida significativa das médias registada este ano e suas justificações, no que respeita a esta pretensa avaliação unidimensional das escolas, importa questionar que rankings teríamos se a população escolar dos estabelecimentos de ensino (públicos ou privados) colocados no fundo da tabela fosse transferida para as escolas privadas que hoje ocupam o topo. E vice-versa.

O Secretariado Nacional da FENPROF
9/11/2013