Nacional
Intervenção de Mário Nogueira na iniciativa do Dia do Professor, em Lisboa

"Lutar pela qualidade da Educação é uma afirmação de cidadania"

10 de outubro, 2010

“A mudança começa na Escola, com os Professores”

Mário Nogueira
Secretário-Geral da FENPROF

Antes de mais, no encerramento desta belíssima sessão em que nos juntámos para, de novo, assinalarmos o Dia Mundial dos Professores, quero agradecer aos nossos convidados a pronta disponibilidade para estarem aqui connosco e, com as suas intervenções, valorizarem e dignificarem esta iniciativa que a FENPROF promoveu. Aos colegas Ana Maria Bettencourt, Rui Canário, Luis Iglésias e Andrè Robert o nosso obrigado! Um especial agradecimento, também, à Escola Secundária Luís de Camões e, em particular, ao colega João Jaime, que preside democraticamente à direcção desta escola, por nos terem acolhido em mais esta iniciativa da FENPROF.

Assinala-se este ano, pela 16.ª vez, o Dia Mundial dos Professores. Um dia proclamado pela UNESCO, em 1994, coincidente com a data (5 de Outubro) em que, em 1966, UNESCO e OIT, no final da Conferência Intergovernamental Especial sobre a condição dos Professores, aprovaram e tornaram pública a Recomendação relativa ao Estatuto dos Professores.

Passados que são 44 anos sobre a aprovação desta Recomendação é bom que passemos os olhos sobre o que se recomendava para avaliarmos até onde, no caso do nosso país, foram dados passos e quantos ainda faltam dar para se encurtarem distâncias ou mesmo superá-las! Não me referirei, pois, para tal, o tempo seria escasso, aos 146 pontos que se distribuem pelas 13 cláusulas da Recomendação, mas, tendo em conta o tempo que vivemos e os problemas que sobre os professores e a Escola Pública se abatem, considero oportuno recordar o que 8 anos antes do 25 de Abril de 1974 era recomendado.

Sobre a formação contínua ou, como se refere na cláusula 6, sobre “aperfeiçoamento dos professores”, pode ler-se:

 “32. As autoridades, ouvidas as organizações de professores, deveriam promover o estabelecimento de um vasto sistema de instituições e serviços de aperfeiçoamento gratuitamente postos à disposição de todos os professores. Este sistema deveria oferecer uma ampla variedade de opções e envolver a participação das instituições de formação de professores, das instituições científicas e culturais, e das organizações de professores…”

Sobre “segurança no emprego” é dito:

“45. A estabilidade profissional e a segurança de emprego são indispensáveis, tanto no interesse do ensino como no do professor e deveriam ser garantidas mesmo quando haja mudanças na organização, no conjunto ou parte do sistema escolar.

46. O pessoal docente deveria estar protegido eficazmente contra os actos arbitrários que afectem a sua situação profissional ou a sua carreira.”

 Já sobre o “número de alunos” refere-se:

“86. O número de alunos por turma deveria ser tal que o professor pudesse prestar atenção pessoal às dificuldades de cada aluno…”

 E em relação ao “pessoal auxiliar”, que tanto falta nas nossas escolas, o que se afirma é o seguinte:

  “87. A fim de permitir aos professores de se concentrarem no exercício das suas funções, as escolas deveriam dispor de pessoal destinado a outras tarefas alheias ao ensino propriamente dito.

Sobre um aspecto que tanto preocupa os professores em Portugal, os “horários de trabalho”, podemos ver que a Recomendação contém propostas muito positivas:

 “90. Ao fixar-se o número de horas de trabalho para cada professor, deveria ter-se em conta todos os factores que determinam o volume de trabalho do professor, tais como:

a) O número de alunos de que se ocupará por dia e por semana;

b) O tempo que se considera necessário para a boa preparação das aulas e correcção dos exercícios;

c) O número de cursos diferentes a dar por dia;

d) O tempo exigido ao professor para participar em pesquisas, em actividades extra-curriculares e para supervisionar e orientar os alunos;

e) O tempo que seria desejável aos professores para informar os pais dos alunos ou encarregados de educação do progresso dos alunos.

91. Os professores deveriam dispor de tempo suficiente para poderem participar durante o serviço, em actividades destinadas a favorecer o seu aperfeiçoamento profissional.

92. As actividades extra-curriculares dos professores não deveriam constituir um encargo excessivo nem prejudicar o cumprimento das suas tarefas principais.

93. Aos professores designados para funções pedagógicas particulares para além da sua actividade normal de docência, deveriam ser reduzidas, em consequência, as horas de ensino.”

Para os problemas com que confrontam os “professores colocados em zonas afastadas” também se procuraram respostas, senão vejamos:

“112. 1) Aquando da nomeação ou transferência para escolas em zonas afastadas, deveriam ser pagas aos professores e suas famílias as despesas relativas à mudança e deslocação.

2) Aos professores em serviço em tais zonas, deveriam ser concedidas, sempre que necessário, facilidades especiais de viagem, a fim de poderem manter um nível profissional adequado.

3) Aos professores transferidos para zonas afastadas deveriam ser reembolsadas, como incentivo, as despesas de viagem do local de trabalho à cidade natal, aquando das férias anuais.

113. Sempre que os professores estejam submetidos a condições de vida particularmente difíceis, deveriam ser compensados com o pagamento de indemnizações especiais que deveriam entrar em linha de conta para o cálculo das pensões de reforma.”

E quanto às “remunerações dos docentes”, as preocupações e recomendações eram claras, mantendo-se extremamente actuais:

“114. Entre os vários factores que afectam a condição do professor, deveria ser dada uma atenção muito particular à remuneração, uma vez que, nas condições do mundo actual, outros factores, como a posição e consideração que a sociedade lhes reconhece e o grau de apreço pela importância das suas funções, estão grandemente dependentes, tal como em outras profissões similares, da situação económica que se lhes acorda.

…/…

116. A remuneração do pessoal docente deveria fazer-se com base em escalas de salários estabelecidas com o acordo das suas organizações profissionais. Em caso algum a remuneração dos professores qualificados, recrutados para períodos probatórios ou por contratos temporários, deveria ser inferior à estabelecida para professores titulares do posto.

117. A estrutura das remunerações deveria ser estabelecida de forma a evitar quaisquer injustiças ou anomalias susceptíveis de provocar atritos entre as diferentes categorias de professores.

…/…

122. 1) Seria conveniente prever uma ascensão no interior de cada categoria através de aumentos de remuneração a intervalos regulares de preferência todos os anos.

2) A progressão da remuneração entre o mínimo e o máximo da escala estabelecida não deveria exceder um período de 10 a 15 anos.

3) O aumento periódico da remuneração deveria fazer-se mesmo quando o professor estiver em período experimental ou contratado temporariamente.”

Estes foram apenas alguns exemplos de um amplo conjunto de recomendações que, na cláusula 13, a final, não deixa, contudo, de acautelar que as disposições referidas não devem, em caso algum, ser invocadas para diminuir ou retirar regalias já concedidas…

Perguntar-se-á: estariam loucos os deuses que escreveram tal Recomendação em meados do século passado?! Responder-se-á que não. Que loucos estarão os demónios que, no final da primeira década do século XXI tanto atentam contra os direitos sócio-profissionais dos professores e dos educadores, os que não contribuem para que melhorem as suas condições de trabalho, os que criam obstáculos ao bom exercício da actividade docente, os que, com as suas políticas, põem em causa a qualidade, o carácter inclusivo e a matriz democrática da Escola Pública, aqueles que, de algum tempo a esta parte, se fixaram nas certificações e, premeditada ou involuntariamente, nada ou pouco têm feito pela melhoria e elevação das qualificações.

Tomados de uma insana loucura estarão os que, apesar de, em Portugal, segundo a OCDE, o Estado gastar menos 1200 euros por estudante do que, em média, gastam os países daquela organização, pretendem reduzir, no próximo Orçamento de Estado, as transferências para o Ensino;

Os que, apesar do estado de “falência” generalizada em que entraram as autarquias, lhes impuseram mais competências e responsabilidades em matéria de Educação e agora querem reduzir-lhes 300 milhões de euros nas transferências a prever do orçamento do Estado;

Esses são os mesmos que pretendem:

  • Reduzir os salários da generalidade dos trabalhadores portugueses, onde se incluem todos os docentes;
  •  Impor o congelamento das carreiras e um novo roubo de tempo de serviço a somar aos 2,5 anos que já nos roubaram;
  • Congelar os concursos para ingresso nos quadros, agravando a precariedade dos professores e a instabilidade das escolas, e já anunciam que pretendem ver-se livres de 20% dos actuais contratados;
  • Aumentar os descontos para a aposentação, como já aumentaram para assistência na doença, ao mesmo tempo que congelam e reduzem pensões, como reduzem os apoios na doença;
  • Eliminar deduções fiscais, eliminar o abono de família, aumentar o IVA, actualizar em 30 cêntimos os apoios aos mais carenciados…

Estas medidas não são uma inevitabilidade, são uma opção política de quem não quer beliscar o capital e, afirmando-se corajoso, se limita a usar o poder que detém para atacar os que menos têm e menos podem, como, aliás, fazem todos os fracos com os seus actos de cobardia.

As medidas que se anunciaram não resolverão crise alguma e apenas agravarão a situação que actualmente se vive. Ou não sabemos todos que estas medidas violentíssimas se seguem a outras como foi o roubo de dois anos meio de tempo de serviço? A anos de “aumento-zero”? A congelamentos e alterações de regimes de carreiras e de aposentação?
A anteriores aumentos de impostos e descontos para fins sociais? E o que foi resolvido com tais medidas? Nada! Elas apenas provocaram a entrada numa descontrolada espiral de ataques que têm sido cada vez mais fortes e frequentes. Teremos de ser nós, com a nossa luta, a parar esta vertiginosa sequência de ataques. Há uma coisa, da qual podemos ter a certeza: se ficarmos parados agora, no futuro, os ataques serão ainda mais violentos! Disso não duvidemos.

Mas também em relação ao Ministério da Educação e ao acordo de princípios que assinámos, hoje está mais clara do que nunca a sua importância. O contexto em que foi assinado era extremamente complexo e difícil e, continuando a ser assim, a sua importância cresce ainda mais. Pretendemos reunir com a Ministra da Educação na próxima semana para conhecermos a validade do acordo depois das medidas anunciadas e se, o que nele existe de positivo, tiver sido anulado, nomeadamente as progressões e os reposicionamentos na carreira, então não haverá qualquer motivo para que se mantenha apenas a parte negativa em vigor, razão por que, a ser assim, o denunciaremos, ficando legitimada, desde já, a exigência de uma revisão profunda da avaliação que vigora. Não pretendemos eliminar a avaliação de desempenho dos docentes, mas de uma coisa não temos dúvida, é que se não houver progressão, exigiremos, de imediato, o fim desta avaliação!

 A luta está aí

  • Serão os plenários que realizaremos já na semana de 25 de Outubro;
  • Será a intervenção jurídica, contra todas as ilegalidades, sejam os abusos que estão ser cometidas nos horários de trabalho dos docentes, seja a inconstitucional, em nossa opinião, redução dos salários;
  • Será a Manifestação da Administração Pública do próximo dia 6 de Novembro que pretendemos que, com o nosso contributo, seja grandiosa;
  • Será a Greve Geral de 24 de Novembro que pretendemos que seja a maior alguma vez realizada e, nesse sentido, também daremos o nosso contributo.

Lutar por boas condições de trabalho, pela qualidade da Educação, pelo reforço da Escola Pública, pela dignificação e valorização da profissão de Professor é um dever patriótico e uma afirmação de cidadania.

Nós, Professores e Educadores, assumiremos esse dever e efectivaremos esse direito com a responsabilidade acrescida de quem abraçou a profissão de Professor, uma profissão com futuro.

Futuro não terão as políticas cegas desenvolvidas por quem, em muitos momentos de exercício do poder, serve interesses que não são os da nação, sendo que estes, os de cada país, são os dos seus trabalhadores e, de uma forma geral, os de todos os seus cidadãos. A mensagem que deixo é de esperança no futuro, mas num futuro que, se não for por nós construído, ninguém no-lo oferecerá.

Vivam os Professores!
Viva a Escola Pública!
Viva o Portugal Republicano e Democrático!