JF Online, dezembro 2023
Impressões - Desinvestimento na Educação Pública

Hoje, como há 50 anos: os cofres do Estado cheios e o povo na miséria

29 de dezembro, 2023

Manuel Nobre, Presidente do SPZS, membro do Secretariado Nacional da FENPROF

Na primeira década deste século, encerraram por todo o país muitas escolas de proximidade, sobretudo no interior rural, quer pela diminuição demográfica, quer pelo aparecimento dos Centros Escolares ou pela conjugação de ambos.

Na altura, os decisores políticos (e muitos autarcas) procuraram passar a ideia de que se estava perante a melhoria das condições físicas, económicas, pedagógicas e sociais. Criaram-se números mínimos de alunos para justificar os encerramentos, adaptaram-se cartas educativas municipais, enfim, surgiram argumentos de todos os tipos para justificar as orientações políticas (marcadamente economicistas), sempre suportadas numa certa máxima: a melhoria da qualidade do ensino e o maior acesso a recursos, como reação ou compensação à redução demográfica.

Essas opções políticas determinaram o encerramento de centenas de escolas de proximidade (e de postos de trabalho). Num primeiro momento com menos 21 alunos (embora em alguns casos com muito mais), determinando a deslocação de milhares de alunos para outras escolas, para o “novo” Centro Escolar, maioritariamente situado na sede do concelho. Tudo isto sem a existência de uma análise reflexiva por parte do Ministério da Educação, sem se equacionar a igualdade de oportunidades no acesso à educação e ao sucesso escolar entre as áreas rurais e os centros urbanos, como se a ruralidade fosse antagónica da dita “modernidade”.

Os anos letivos de 2005/2006 e 2006/2007 foram os mais agressivos. Encerraram a nível nacional 1532 escolas com menos de 21 alunos (47%), realidade que continuou pelos anos seguintes, passando de 3064 escolas com menos de 21 alunos em 2004 para 162 escolas em 2014, representando o “abate” de 95% de escolas com menos de 21 alunos.

Passados 20 anos o que encontramos?

Muitos Centros Escolares com turmas sobrelotadas, turmas com vários níveis, salas diminutas e sem arejamento, salas sem ou com climatização deficiente, espaços exteriores exíguos, falta de pessoal não docente, alunos deslocados sujeitos a viagens morosas, etc. Ao mesmo tempo, as comunidades rurais continuam a ver a sua população a minguar, fruto do incoerente modelo de desenvolvimento do país, e as poucas escolas de proximidade que ainda resistem, em risco de um eventual encerramento.

Colocam-se, pois, as seguintes questões: Que políticas foram tomadas para inverter a diminuição demográfica nestas duas décadas? Quais as vantagens e as desvantagens para estes alunos, obrigados a abandonar a sua comunidade, onde vivem e estudavam e a frequentar o Centro Escolar, passando todo o dia longe de casa e da sua família? É que nem se conteve a diminuição demográfica, nem se trouxe para o mundo rural o “benefícios educativos” dos centros urbanos, nem a concentração de alunos nos Centros Escolares contribuiu para a anunciada melhoria da capacidade pedagógica.

Limitaram-se os governos à política do momento, da solução fácil e barata, das disponibilidades financeiras da União Europeia, ao desinvestimento gradual e continuado na Educação e na Escola Pública, com destaque para o governo de António Costa que prefere ter excedente orçamental, que será o valor mais elevado dos últimos 50 anos, ao mesmo tempo que mantém os salários, as condições de trabalho, as pensões, a qualidade dos serviços públicos (como a educação ou a saúde) muito abaixo do que seria justo e digno. É caso para recordar outros tempos que terminaram há 50 anos - os cofres do estado cheios e o povo na miséria.

Os professores exigem outra política, a Escola Pública e o País merecem outro futuro, um futuro mais justo, com respostas públicas de qualidade para toda a população, como a Constituição o consagra e o 25 de Abril determinou.