Nacional
Uma situação preocupante

Salários, impostos e pobreza em Portugal

01 de setembro, 2004

I. A perda de poder de compra dos salários significa um empobrecimento da população trabalhadora, um crescimento das desigualdades e tem consequências negativas no desenvolvimento do país

1.O poder de compra dos salários caiu em 2003, quer no sector privado quer na Administração Pública. Mas foi superior nesta já que o aumento salarial foi de 1,5% para os salários até 1008 euros, sendo os restantes congelados.

Nível e evolução dos salários:

 

2002

2003

Salário médio sem Administração. Pública 

662,8*

682,0*

Salário mínimo nacional  

348,0

356,6

Aumentos na contratação colectiva (%)

3,8

2,9

Aumento do salário mínimo (%)

4,1

2,5

Inflação (%)

3,6

3,3

Inflação prevista pelo Governo (%)

2,7

2,5

       * O salário médio de  2000 (Quadros de Pessoal) foi actualizado com base

           nos aumentos contratuais. Fonte: CGTP-IN

 

2.Os trabalhadores de baixos salários foram mais penalizados. A análise da evolução do salário mínimo nacional mostra que:

- O salário mínimo nacional perdeu poder de compra em 2003. Pela primeira vez desde 1994, o salário mínimo teve uma perda do poder de compra: aumentou 2,5% e inflação deverá ser de 3,3%; esta perda deverá ser de 0,8%;

- O Governo PS comprometeu-se em 2000 a fazer convergir o salário mínimo do serviço doméstico com o montante mais elevado no prazo de três anos, o que o Governo PSD/PP não cumpriu;

- O salário mínimo nacional tem-se afastado do salário médio. Em 2000, o salário mínimo nacional representava 51,8% do salário médio. Dez anos antes esta percentagem era 59,4%, o que indica que as desigualdades salariais estão a crescer;

- Os aumentos do custo de vida estão a afectar mais as famílias de baixos recursos. Os aumentos do custo de vida penalizam mais acentuadamente as famílias de mais baixos recursos. As rendas de casa vão aumentar 3,7% em 2004. E há intenção de um aumento brutal do preço do pão;

- Existem atrasos na discussão do salário mínimo nacional, que apenas foi apreciado ontem na concertação social, devido à insistência da CGTP-IN.

3.Esta evolução desfavorável dos salários não se verificou nos restantes países da UE. Portugal foi o único país da UE onde isso se verificou. A Comissão Europeia prevê um aumento do salário real de 1,2% em 2003 no conjunto dos países; uma quebra dos salários de 0,7% em Portugal; uma melhoria nos outros países, que vai de 0,6% (Bélgica) a 3,1% (Reino Unido). Por sua vez a evolução dos custos com o trabalho mostra que estes estão a crescer abaixo da média da UE e da zona euro.

4. Para a CGTP-IN, esta evolução traduz o agravamento de uma política de baixos salários. Esta política é injusta no plano social e é contraproducente do ponto de vista económico. Como se afirma no Projecto ao Programa de Acção do X Congresso da CGTP-IN a realizar em Janeiro próximo, esta política: vai perpetuar a diferença salarial com a média europeia; a diminuição do poder de compra ou o seu insuficiente aumento vai comprimir a procura interna; não se vai estimular a produtividade. Esta política constitui um incentivo a não mudar o actual perfil de especialização produtiva não se avançando para produções de alto valor acrescentado. O argumento de que os países do alargamento têm salários mais baixos deve ser considerado para apoiar uma política de qualificação da mão-de-obra e não para uma competição com salários ainda mais baixos, a qual será suicida para o desenvolvimento do país. 

II. A CGTP-IN considera um escândalo a venda das dívidas do Estado

1.A CGTP-IN considera um escândalo a venda de créditos do Estado e da segurança social por 15,4% do seu valor a um banco estrangeiro. O valor das dívidas objecto de venda (dívidas objecto de cobrança coerciva através de processos de execução, instaurados entre 1 de Janeiro de 1993 e 30 de Setembro de 2003) ascende 11,5 mil milhões de euros (2,3 mil milhões de contos), o que representa 8,6% do PIB.   

2.Um valor desta dimensão e natureza deveria ser objecto de profunda reflexão e debate na sociedade portuguesa. Representa a prova de que o país não precisaria de ter hoje uma política cega de obsessão orçamental se todos pagassem os seus impostos; traduz a enorme falta de solidariedade de sectores privilegiados que não cumprem as suas obrigações legais, sem deixar de beneficiar com as despesas públicas e, em muitos casos, de exigir benesses e apoios do Estado; constitui a medida da ineficácia no combate à evasão fiscal. Este valor não pode deixar de ser confrontado com o défice público. Se a totalidade da dívida fosse paga (8,6% do produto) o país não só não teria um défice como apresentaria um excedente nas suas contas públicas superior a 3%, já que o actual défice é da ordem dos 5%. O Governo não poderia justificar com base na situação orçamental uma política de cortes orçamentais, de redução do investimento público, de contenção salarial ? com implicações profundas no crescimento económico e no agravamento do desemprego. O país teria recursos tão necessários para apoiar o desenvolvimento, para investir na educação, na formação e qualificação da nossa mão-de-obra, na saúde, na investigação e desenvolvimento, nas infraestruturas físicas, etc.

3.A actual situação penaliza o desenvolvimento do país e é socialmente injusta. Porque os que pagam os seus impostos (e estes são, essencialmente, os trabalhadores por conta de outrem) são os que são vítimas da política de contenção salarial e os que mais sofrem os efeitos de políticas sociais restritivas. São os patrões que fogem em massa ao pagamento do IRC, que não declaram qualquer volume de negócios em empresas identificadas no paraíso fiscal da Madeira (1 em cada duas empresas), ou que são responsáveis por cerca de 2,5 mil milhões de euros de dívidas à segurança social. Por outro lado, o Governo não se pode desculpar dizendo simplesmente que estes números traduzem um défice de cidadania (o que é verdade) de que não são responsáveis ou que a culpa é também de outros Governos (o que também é verdade). Não se pode esquecer que existem instrumentos de combate à fraude e à evasão que não são usados, ou suficientemente usados, e outros que podem ser criados: uma fiscalização eficaz; o recurso ao pagamento especial por conta no IRC; o recurso a métodos indirectos de tributação (que foram previstos no orçamento para 2003); o levantamento do sigilo bancário; o cruzamento de dados; etc.   

4.Esta situação não só se mantém como se agrava como mostra a execução orçamental de 2003 (a última refere-se a Novembro). Enquanto o IRS sobe 1,7% face a igual período do ano anterior, o IRC cai 18,5%! Por sua vez, na segurança social, as contribuições crescem apenas 1,2% (a execução refere-se aqui a Outubro). Esta evolução do IRC e das contribuições sociais são difíceis de explicar pela evolução da economia. O IRC refere-se, grosso modo, à evolução económica de 2002, isto é aos lucros de um ano onde não houve sequer recessão económica, embora houvesse diminuição do crescimento. Por outro lado, a redução do crescimento das contribuições para a segurança social não pode ser totalmente imputável à diminuição do emprego e a um menor crescimento salarial. Ou seja, tudo aponta para um aumento da evasão este ano.

III. O Relatório Conjunto sobre Inclusão Social divulgado pela Comissão Europeia mostra uma situação preocupante sobre a pobreza, as desigualdades sociais e as deficiências dos planos nacionais de inclusão social

1.A Comissão Europeia publicou, a 12 de Dezembro, o Relatório Conjunto sobre Inclusão Social. Este documento insere-se na coordenação das políticas nacionais de combate à pobreza e à exclusão social. O objectivo principal é a análise dos Planos Nacionais de Acção pela Inclusão Social para o período de 2003-2005. O documento contém a evolução da situação (considerada preocupante) no conjunto dos países da UE e a análise separada por país. É assim importante ter em conta a avaliação feita pela Comissão Europeia, independentemente da concordância com as observações feitas. Nesta perspectiva, e numa primeira apreciação, sublinham-se dois aspectos: primeiro, a situação em que se encontra Portugal nos domínios da  pobreza e da exclusão social; segundo, a apreciação feita sobre os Planos Nacionais de Acção para a Inclusão (PNAI).

2.Portugal é um dos países da UE com maior risco de pobreza (20%), ainda que haja uma melhoria face a 1995 (o risco de pobreza era então de 23% de acordo com os dados estatísticos disponíveis). O relatório hoje divulgado da Comissão Europeia sobre a Inclusão Social confirma-o. São identificados três problemas estruturais ? os baixos níveis da protecção social, da educação e da qualificação. Quanto a esta diz-se que ?o baixo nível de qualificação de largos sectores da mão-de-obra, numa economia baseada no trabalho intensivo com baixos salários (?os trabalhadores pobres?) dificulta a reestruturação sectorial e explica o baixo crescimento da produtividade?.

3. A Comissão faz apreciações críticas sobre os PNAI, salientando-se:

- É difícil a avaliação dos progressos feitos com o 1º PNAI devido à falta de informação, ou de informação adequada; e houve um fraco envolvimento dos actores sociais;

- O PNAI 2003-2005 contém objectivos definidos de um modo muito amplo, com múltiplas prioridades e uma larga gama de instrumentos, sendo difícil apurar as verdadeiras prioridades; o que é agravado quando não são identificadas fontes de financiamento e orçamentos para as principais medidas;

-Existem vários desafios para o futuro: melhorar o sistema de informação para permitir uma mais adequado acompanhamento; identificar as áreas prioritárias; dar eficácia às parcerias locais no quadro da Rede Social; assegurar uma maior participação das organizações da sociedade civil, dos parceiros sociais e das próprias pessoas excluídas.

4.Algumas das críticas feitas foram desde o início levantadas pela CGTP-IN, por exemplo a falta de prioridades claras e a falta de participação. Em relação à participação, o Governo pediu um parecer à CGTP-IN sobre o conteúdo do primeiro plano (Plano 2001-2003). A CGTP-IN não foi associada à sua participação. Em relação ao PNAI (2003-2005), o Governo submeteu-o à apreciação do CPCS já depois de este ter sido enviado para Bruxelas!

5. Por outro lado, a análise da situação portuguesa, feita pela Comissão Europeia, que indica uma melhoria não tem em conta o período mais recente, com evolução desfavorável. A taxa de desemprego que cresceu muito rapidamente passando de 4,1% em 2001 para 6,6% este ano e prevendo-se o seu agravamento em 2004 (7,2%). Outros aspectos negativos resultam de uma política salarial restritiva do actual Governo. Por exemplo, o salário mínimo nacional perde poder de compra este ano. O Governo terminou com o regime do rendimento mínimo garantido, tendo criado o rendimento de inserção social, que é mais restritivo. Para além disso, milhares de trabalhadores têm a prestação suspensa. Aumentou o tempo de espera para intervenções cirúrgicas nos hospitais.

As medidas sobre a formação contínua previstas no acordo de concertação social sobre educação, emprego e formação foram cumpridas. As reformas em curso na segurança social e na saúde não têm em conta o seu impacto no agravamento das desigualdades.

 

23-12-2003

A Comissão Executiva do Conselho Nacional  da CGTP-IN