Pretendemos com esta comunicação levar ao conhecimento de todos os delegados a reflexão que se tem vindo a realizar na área do Sindicato dos Professores do Norte sobre a questão da educação em meio rural, e trazer para um fórum com a qualidade deste 8.º Congresso Nacional dos Professores um tema que nos parece reassumir particular importância num momento de incessante produção legislativa com profundas, e porque não dizer exclusivas, preocupações economicistas.
Nos dois últimos anos as áreas sindicais de Viana do Castelo, Bragança e Mirandela promoveram acções integradas nas suas Jornadas Pedagógicas com a participação de professores, pais e autarcas que permitiram confrontar opiniões, questionar opções e sistematizar algumas das preocupações fundamentais a relevar na abordagem a esta problemática.
Para caracterizarmos a situação actual, podemos referir que no conjunto de distritos abrangidos pelo Sindicato dos Professores do Norte e de acordo com dados do corrente ano lectivo, Bragança tinha 70,3% de Escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico com um número igual ou inferior a dez (10) alunos, Vila Real 57,3% e Viana do Castelo 29%, enquanto na região centro do país Castelo Branco, Guarda e Viseu, e na região sul Beja e Portalegre também apresentam valores elevados e significativos. Escolas situadas predominantemente em regiões do interior e rurais.
O Programa Especial de Reordenamento da Rede de Escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico apresentado pelo Ministério da Educação para o Alentejo e Algarve e posteriormente alargado a outras regiões do país, utiliza argumentos como, passo a citar: ?em muitos concelhos do interior do país o custo médio por aluno chega a atingir os 14.000 ¤, tanto quanto o custo de um aluno de medicina e muito mais do que um aluno de engenharia, economia ou direito?, para sustentar o encerramento em 2004 das escolas com número de alunos igual ou inferior a cinco (5), e em 2007 daquelas que tenham até dez (10) crianças. Este problema encontrava-se ?adormecido?, apesar do Decreto-Lei n.º 35/88, de 4 de Fevereiro, já referir no seu capítulo XIV que ?sempre que uma escola deixar de ter frequência superior a dez (10) alunos, será o funcionamento da mesma suspenso, salvo casos excepcionais, a fundamentar em despacho do director escolar?.
Todos sabemos que até hoje o encerramento dessas escolas não tem sido norma, e que a sua manutenção não tem obedecido a fundamentações pedagógicas, mas principalmente a factores de ordem administrativa e financeira.
A realidade destas pequenas escolas em meio rural é concretizada no dia-a-dia pela carência de recursos materiais, pelo isolamento profissional dos professores, pela dificuldade em gerir turmas heterogéneas no que às idades e níveis de escolaridade diz respeito.
Situação ainda agravada pelo facto de na maioria dessas escolas os lugares serem ocupados por docentes com pouco tempo de serviço, o que implica precariedade e indefinições anuais nas suas colocações.
Aqui, como nota de rodapé, não nos parece descabido alertar para as profundas implicações, também no que a esta matéria diz respeito, que terão num futuro bem próximo, o apressado e ilegal reordenamento da rede escolar efectuado no final do passado ano lectivo e o novo regime de concurso para recrutamento e selecção do pessoal docente, regulado pelos Decretos-Lei n.ºs 35/2003 e 18/2004. Se no que ao reordenamento da rede diz respeito a imposição de critérios administrativos de matriz única inviabilizam opções localmente contextualizadas, os Decretos-Lei n.ºs 35/2003 e 18/2004, tal como a Fenprof alertava, não vêm contribuir para um efectivo investimento na qualidade da Educação num país com 9% de analfabetos e mais de 30 000 professores no desemprego.
Importa, no entanto, alertar para o facto de que, citando Rui Canário ?o futuro das pequenas escolas em contexto rural não constitui um problema interno ao sistema escolar, inscrevendo-se, pelo contrário, numa questão bem mais vasta que diz respeito ao futuro do mundo rural e, portanto, à configuração global da nossa sociedade?.
É precisamente nesta perspectiva que pretendemos elencar um conjunto de preocupações que nos parecem fundamentais.
Numa abordagem exclusivamente escolar temos perfeita consciência que o sucesso educativo e os processos de sociabilização e autonomização dos alunos são dificultados pela escassez de recursos, experiências e contactos proporcionados. Para os professores o isolamento e a distância são, por um lado, factores perturbadores com profundos reflexos na sua própria relação familiar e, por outro, indutores de um reforço da dependência perante a administração.
Analisando esta questão numa perspectiva mais abrangente sabemos que a concentração da população em grandes centros urbanos tem sido, e continuará a ser o modelo, contudo o mundo rural, e concomitantemente a escola em meio rural, têm características que podem e devem ser desocultadas e potencializadas. Estamos a referir-nos nomeadamente à dimensão e à proximidade. A dimensão dos aglomerados e das escolas têm reflexo na proximidade material e esta tem influência nas relações dentro do espaço escolar e da escola com a comunidade, reforçando a segurança e a confiança mútuas.
Assim parece-nos, tal como refere a Declaração de Istambul das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, realizada em Junho de 1996, que a plena participação das populações rurais na fixação das prioridades e das actuações locais e regionais é imprescindível para o desenvolvimento sustentável e integrado do meio rural assente em programas de educação e formação que facilitem o emprego e a utilização das novas tecnologias.
Logo que a escola não seja o ?parente pobre do sistema educativo?, o ?único e último serviço público da pequena aldeia? mas que funcione como centro de recursos de toda a comunidade integrando serviços educativos e comunitários, assumindo-se como verdadeiro pólo de desenvolvimento local e acima de tudo como uma verdadeira Escola Pública e Democrática voltada para uma educação cidadã sem exclusões de qualquer tipo e em que a ?validação? dos saberes locais é um dos objectivos primordiais. Em suma que esta escola se construa permeável aos projectos que emergem da comunidade em que se insere.
Este ponto de vista, que não pretende ser mais do que a vista de um ponto, não pretende de forma alguma inscrever-se nas actuais abordagens inscritas no Código de Trabalho pró flexibilidade e polivalência, mas antes enfatizar o papel da sociabilidade, em que os sujeitos (professores, alunos, comunidades) são actores do seu próprio desenvolvimento.
De acordo com o Artigo 2.º da actual Lei de Bases do Sistema Educativo ?o sistema educativo responde [ou deveria responder, na nossa opinião] às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos? promovendo ?o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista? e ?formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva?.
O questionamento e a reflexão permitiram-nos chegar a estas preocupações que nos parecem perfeitamente actuais, exequíveis desde que politicamente assumidas e com grande potencial para o reforço do papel do professor enquanto agente de desenvolvimento local.
Como nota final compete-nos alertar para a necessidade da formação inicial e contínua de educadores e professores serem reformuladas para responderem cabalmente a este desafio.