Nacional
Ilegalidades não podem ficar impunes

Ministério da Educação violou a lei na constituição de agrupamentos de escolas

05 de setembro, 2004

Dados de avaliação confirmam denúncias da
FENPROF e desmentem Secretário de Estado
da Administração Educativa.

Procurando acompanhar a implementação do processo de reordenamento da rede escolar, a FENPROF realizou um estudo relativo aos Agrupamentos de Escolas (re)constituídos no final do ano lectivo 2002/2003, nas regiões Norte e Centro do país e em alguns concelhos da área de Lisboa, através de um inquérito dirigido às Comissões Executivas Instaladoras desses novos agrupamentos.

Estes dados referem-se a 223 agrupamentos que, embora não correspondam a uma amostra cientificamente determinada, representam um importante contributo para um maior conhecimento da situação no terreno e para uma avaliação dos aspectos positivos e negativos daí decorrentes.

A informação recolhida reforça as denúncias apresentadas, durante meses, pela FENPROF e por outras entidades, nomeadamente a CONFAP e a Associação Nacional de Municípios Portugueses.

Da análise dos dados do inquérito, é possível retirar as seguintes conclusões:

1. ao contrário da ideia que o ME tentou fazer passar, a maioria dos agrupamentos (64,1%) foram impostos às comunidades educativas, sendo referidas várias tomadas de posição das escolas contra esta imposição, que incluem exposições para o ME, subscrição de abaixo-assinados, oposição manifestada pelos órgãos de gestão das escolas, oposição conjunta das escolas e da Câmara, e mesmo o encerramento de escolas em protesto pela decisão do ME.

2. 96,9% dos agrupamentos impostos pelo Governo são verticais, apesar da legislação em vigor permitir a constituição de agrupamentos quer verticais quer horizontais. Foi esta opção que obrigou à extinção, em 55,6% dos casos, de agrupamentos de escolas já existentes e que correspondiam a decisões das comunidades educativas e das autarquias. Trata-se de uma opção ilegítima, que acabou, de forma administrativa e arbitrária, e sem qualquer avaliação que o legitimasse, com agrupamentos que estavam legalmente constituídos, tinham os seus Regulamentos Internos homologados, os seus Projectos Educativos aprovados e os seus órgãos de gestão democraticamente eleitos. O ME desprezou o empenhamento e o trabalho responsável de pais, professores, autarcas e trabalhadores não docentes das escolas.

3. ao contrário do que se afirmou, foram constituídos agrupamentos com escolas secundárias, o que configura uma clara violação da legislação em vigor. Foi o que aconteceu em Montalegre, Sertã, Alcains, Lousã e Arganil, onde foi criado um único agrupamento por concelho - juntando todos os Jardins de Infância, todas as Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico, uma ou mais escolas EB 2/3, uma Escola Básica Integrada e uma escola Escola Secundária.

4. a maioria dos agrupamentos constituídos no final do ano lectivo passado são organizações escolares irracionais, quer do ponto de vista da sua dimensão, quer no que respeita à sua área geográfica ? há agrupamentos com mais de 60 estabelecimentos de ensino, mais de 2500 alunos, mais de 250 professores. Há agrupamentos em que há estabelecimentos a distar da escola sede mais de 45 Km e de outras estabelecimentos do mesmo agrupamento mais de 65 Km;

5. contrariamente às expectativas criadas com a constituição destes agrupamentos, as escolas viram agravadas as suas condições de funcionamento, ao nível dos recursos humanos e financeiros. Os órgãos de gestão dos agrupamentos vêem-se obrigados a responder a novas solicitações com orçamentos que não só não aumentaram como, em muitos casos, diminuíram. Os orçamentos das Escolas EB 2/3 estão hoje, em muitos casos, a suportar despesas referentes ao funcionamento do 1º Ciclo do Ensino Básico e da Educação Pré-Escolar, com prejuízo para toda a população escolar.

6. do ponto de vista pedagógico, a maioria dos agrupamentos impostos pelo ME são absurdos. As dificuldades de organização pedagógica que as escolas estão a encontrar para promover espaços de encontro e de trabalho em comum (objectivo que era suposto alcançar) mostram a incongruência entre os princípios que demagogicamente foram anunciados e as condições para a sua concretização. Importa ainda sublinhar o estatuto de menoridade, para que, em muitos casos, foram remetidos a Educação Pré-Escolar e o 1º Ciclo do Ensino Básico.

Em síntese, nenhuma racionalidade pedagógica sustenta a decisão de organizar a rede escolar na base destes mega-agrupamentos de escolas. Neste contexto, a FENPROF exige a quem tão diligentemente obrigou à sua constituição que avalie seriamente os impactos no terreno desta nova realidade.

7. em quase metade das situações (40,4%), as autarquias não deram parecer favorável à constituição dos agrupamentos. Sendo obrigatória a existência de parecer favorável da autarquia, a FENPROF procurou confirmar esta realidade junto dos Presidentes das Câmaras Municipais. Na sequência dessa iniciativa, vários responsáveis autárquicos confirmaram documentalmente que: i) deram parecer desfavorável; ii) o ME não pediu qualquer parecer; iii) não emitiram qualquer parecer.

Desde o início, a FENPROF denunciou a existência de várias ilegalidades e irregularidades neste processo, junto das entidades cuja intervenção poderia corrigir a acção do Ministério da Educação nesta matéria. Independentemente do desenvolvimento dessas iniciativas, incluindo o processo judicial em curso no STA, consideramos que os dados de que hoje dispomos comprovam, sem margem para quaisquer dúvidas, que:

1º - o Secretário de Estado da Administração Educativa e os Directores Regionais de Educação do Norte e do Centro agiram em clara violação da lei, ao homologaram agrupamentos de escolas que não cumprem os requisitos previstos no quadro legal vigente;

2º - o Secretário de Estado da Administração Educativa quebrou o compromisso que assumiu perante a Comissão de Educação da Assembleia da República, no dia 14 de Julho de 2003, quando declarou: ?É necessário, eu assumo aqui, o parecer favorável dos municípios relativamente aos agrupamentos. E garanto aos senhores deputados que não haverá um único caso em que os agrupamentos se façam sem o parecer favorável dos municípios.?

Ainda recentemente o Presidente da República alertou para que as leis não são meras sugestões e têm que ser cumpridas. Espera-se de quem governa que dê o exemplo. 

A FENPROF considera que ao Secretário de Estado da Administração Educativa não resta outro caminho que não seja revogar os despachos de homologação dos Agrupamentos de Escolas ilegalmente constituídos e assumir as responsabilidades políticas que lhe cabem neste processo.

Porto, 4 de Fevereiro de 04
O Secretariado Nacional da FENPROF


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